Política

Diálogo entre saber popular e acadêmico

Tribuna teve acesso com exclusividade no Nordeste ao programa de governo do PT

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 01/05/2018 09h16
Diálogo entre saber popular e acadêmico
Reprodução - Foto: Assessoria
No último dia 24 de abril, em Curitiba, o PT realizou o lançamento político de seu programa de governo para a disputa eleitoral deste ano, mas sem divulgar seu conteúdo. Com 354 páginas, o documento intitulado “O Brasil que o povo quer” é resultado de uma plataforma colaborativa com pessoas fora dos quadros partidários e da participação de cerca de 300 intelectuais de todo o país. A reportagem da Tribuna Independente teve acesso, com exclusividade no Nordeste, a esse material. Dividido em sete eixos, o foco central do programa é “retomar” a bonança econômica e social vivida no Brasil durante os governos de Lula. Segundo Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo e um dos coordenadores do programa, seu conteúdo é fruto de diálogo de “um saber popular e acadêmico”. Seu conteúdo ainda está sujeito a ajustes, tanto por seus coordenadores seja como fruto de coligação eleitoral. O texto não aborda pontualmente questões como saúde e educação, mas sim dentro de conceitos mais gerais. Os sete eixos do programa ‘O Brasil que o povo quer” são: Eixo 1 – Sistema internacional, soberania e defesa nacional; Eixo 2 – Participação popular, liberdade, direitos e diversidade. Qual democracia queremos?; Eixo 3 – Integração e coesão nacionais e oferta de serviços públicos nos diversos territórios. É possível construir um País mais justo para todos?; Eixo 4 – O que é qualidade de vida para você?; Eixo 5 – Como aumentar nossa infraestrutura de bens comuns?; Eixo 6 – Como reduzir a desigualdade e garantir inclusão social no Brasil?; Eixo 7 – Desenvolvimento econômico e sustentabilidade: Como mobilizar recursos naturais e industriais gerando riqueza para todos?. O eixo 1 “Sistema internacional, soberania e defesa nacional”, trata desde questões econômicas a Direitos Humanos e questões climáticas, passando pela defesa nacional, por meio da indústria militar. Segundo o texto, durante o governo Lula o Brasil passou a contar “com uma política externa ativa e altiva e avanços importantes na política interna, sobretudo na esfera social, do emprego e da renda, o Brasil ganhou um protagonismo e uma projeção internacional inédita. Mostrou ainda capacidade para recuperar o sentido da palavra soberania, a partir de uma visão estratégica da política externa e de defesa”, pontua. “A busca de uma grande estratégia que reúna as políticas Externa e da Defesa tem como objetivo central criar as condições externas para o desenvolvimento interno”, completa. Há no programa um destaque para a necessidade de proteção ao mercado interno no país. “O enfrentamento das pressões sobre a produção industrial, advindas, sobretudo, do acirramento competitivo da matriz industrial asiática, bem como da nova onda de evolução tecnológica, requer políticas mais agressivas de proteção comercial, de fomento industrial e, principalmente, de linhas de crédito, operando tanto com recursos públicos quanto com financiamento proveniente do mercado de capitais privado”, argumenta. Já no eixo 2, “Participação popular, liberdade, direitos e diversidade. Qual democracia queremos?”, destaca a construção de espaços de participação direta com setores da sociedade, a exemplo das conferências temáticas iniciadas nos governos Lula. “As experiências exitosas no Brasil no âmbito da participação da população, na governança e na governabilidade, em muitos casos, não tiveram continuidade. Noutros, as autoridades driblaram as políticas participativas, esvaziando os espaços de decisão e instâncias de participação, ou mesmo desconsiderando as decisões que foram frutos de construções intensas de processos democráticos. Um exemplo bem claro desse retrocesso foi a desvirtuação das características do Orçamento Participativo por governos que sucederam as administrações petistas”, pontua. De acordo com o programa de governo do PT para as eleições deste ano, as desigualdades sociais só poderão ser superadas através de ações que democratizem o Estado e os meios de comunicação. “Somente um projeto de caráter popular e democrático poderá conduzir a nação brasileira aos processos virtuosos que possibilitem a superação das desigualdades sociais com a realização de nossas capacidades criativas e produtivas. Tal perspectiva requer democratização do Estado e dos meios de comunicação para que tenha relevância seu caráter público, voltado para os interesses da maioria da sociedade e não para beneficiar poucos que conseguem acessá-lo”, afirma. O eixo 3 “Integração e coesão nacionais e oferta de serviços públicos nos diversos territórios. É possível construir um País mais justo para todos?” aponta para o fortalecimento de políticas sociais inclusivas e a necessidade de garantir estabilidade democrática no Brasil. “Em que pese o bom êxito das políticas públicas, com destaque para a área social – educação, geração de emprego, combate à fome, moradia, direitos humanos etc. – hoje tem-se uma grande dúvida sobre a manutenção e continuidade das mesmas. Seja em função do projeto privatista que governa o país. Seja em função da incapacidade fiscal de financiar essas políticas – fato que se associa à configuração do projeto privatista governante”, diz e segue “Deve-se destacar que a autonomia dos órgãos de controle desejada desde a promulgação da Constituição é também fonte de dúvidas no cenário atual. No contexto da redemocratização dos anos 1980, o aumento de poder do Judiciário, Ministério Público e outras instâncias afins ou congêneres do Estado brasileiro, foi uma aposta no sentido de mitigar os efeitos deletérios que os anos de Ditadura Militar deixariam para o país. Hoje em dia, teme-se uma nova ditadura transvestida de ares de ‘normalidade institucional’”. O programa aponta para a importância de construção de diálogos a fim de definir os limites do Estado e sua capacidade de intervenção no conjunto da sociedade. “A superação desse quadro envolve, ao mesmo tempo, o desenvolvimento da administração pública em bases técnico-políticas, com valorização do saber popular e de princípios de deliberação participativos. Universalismo de procedimento e isonomia deverão se combinar, portanto, com deliberação e diálogo social [...] Assim, espera-se que as necessidades da população serão realmente reveladas e diagnósticas. Mais que isso, serão de fato atendidas, [...] Caso esse modelo seja minimamente razoável, é possível apontar para ganhos de legitimidade e estabilidade democrática reais no Brasil do século XXI”.     No eixo 4, “O que é qualidade de vida para você?”, o programa aponta a variação dos índices sociais no país, como Índice de Gini e taxas de renda e desemprego, além de pesquisas sobre a percepção da população acerca de sua realidade, como suas condições de trabalho e acesso à saúde e educação. “Atingir a situação desejável de uma ‘Vida Boa’ para os brasileiros, partindo da péssima situação atual exigirá enfrentar problemas de diversas ordens e com temporalidades distintas. Em muitos casos, as propostas e recomendações exigirão grande esforço político e forte concertação de interesse, pois alguns problemas são tabus históricos da sociedade brasileira e congregam forças poderosas”, ressalta. “Em síntese, no curtíssimo prazo terá que se enfrentar o referendo revogatório das medidas recentemente tomadas pelo governo Temer. No médio e longo prazo, tem-se a necessidade de formulação e implementação de uma estratégia de desenvolvimento, com suas diversas nuances e sua centralidade na redução das desigualdades de renda, riqueza e acesso a serviços, elementos fundamentais para uma ‘Vida Boa’”, completa o programa onde ressalta em seguida a necessidade de ampliar a “percepção e compreensão da população sobre sua própria vida e da sociedade na qual ela está inserida. Além de desenvolver melhorias e ampliação de diversas políticas e programas necessários nos diversos domínios da qualidade de vida”. O eixo 5 “Como aumentar nossa infraestrutura de bens comuns?” trata de investimentos em diversas áreas, desde mobilidade urbana a transporte aquaviário, passando pelo investimento em produção de conhecimento, tendo como um dos principais agentes financiadores o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em resumo, o programa propõe o lançamento de um “novo plano nacional de desenvolvimento integrado e territorializado”. “A combinação de investimentos em produção e geração de emprego e renda, com base na modernização da infraestrutura, abre também espaço para inovações e progresso técnico demandados pelo maior atendimento tanto do mercado interno quanto do internacional. O Brasil tem aqui a oportunidade de promover um salto em seu padrão de desenvolvimento industrial com a geração de um ciclo virtuoso de investimento, consumo, produção, emprego, renda, capacitação e diversificada inserção externa”, aponta o programa de governo do PT. “E, de modo ainda mais amplo, coloca-se o objetivo estratégico de desenhar e implementar agendas de desenvolvimento territorial que orientem não apenas o estímulo ao desenvolvimento produtivo, mas também social, político-institucional e ambiental”, completa. Já o eixo 6, “Como reduzir a desigualdade e garantir inclusão social no Brasil?”, aponta a necessidade de realizar reformas – a exemplo da tributária – no sentido de garantir o acesso à renda dos mais pobres. “Esta política deve ser baseada em um novo modelo tributário que garanta o financiamento do estado de forma progressiva, onerando proporcionalmente mais os mais ricos. Além disso, devem ser estabelecidos níveis de gastos compatíveis com a economia, ajustados de acordo com os ciclos econômicos. Nesse aspecto, em particular, deve-se buscar a revogação imediata da Emenda Constitucional 95/2016, que congelou o tamanho do Estado por 20 anos, impedindo um crescimento sustentado dos gastos fundamentais com as políticas públicas universais”, destaca. “É fundamental avaliar e revisar permanentemente os programas e serviços ofertados, buscando maior eficiência da alocação dos recursos públicos e garantindo um melhor atendimento da população. O direito à proteção social não contributiva com enfrentamento da pobreza, das violações, deve compor as lutas em defesa dos direitos humanos, com incorporação de demandas e grupos invisibilizados, na direção da construção e ampliação da esfera pública, diante das expressões de desigualdade vivenciadas no cotidiano da maioria dos brasileiros, num contexto de cultura neoliberal”, completa. Por fim, o eixo 7 “Desenvolvimento econômico e sustentabilidade: Como mobilizar recursos naturais e industriais gerando riqueza para todos?”. Este item do programa ressalta a possibilidade de combinar os recursos naturais do país com a sua capacidade de industrialização, a fim de garantir a geração de renda com distribuição de riqueza, com destaque ao papel central que a Petrobras e a Eletrobras podem desempenhar. Assim como os demais eixos, este aponta para a importância das particularidades regionais e do incentivo ao conteúdo nacional – agora de forma mais direta. “O Brasil tem uma extraordinária dotação de recursos industriais, tecnológicos, científicos, energéticos, minerais, agrícolas, alimentares, hídricos, além do seu meio ambiente e da sua biodiversidade. A utilização destes recursos, no entanto, é sempre conflituosa numa sociedade desigual, com enorme concentração de riqueza e poder, com grandes heterogeneidades estruturais dos mercados de trabalho e consumo, com persistência das múltiplas dimensões da desigualdade, da pobreza e da miséria”, diz. “A utilização de todo esse potencial, entretanto, passa pelo enfrentamento de problemas estruturais que acompanham o nosso padrão de acumulação e desenvolvimento”, aponta o programa de governo do PT. “Medidas de Temer têm sido desastrosas”, afirma Márcio Pochmann   O economista da Universidade de Campinas, Márcio Pochmann, conversou com a reportagem da Tribuna Independente. Por telefone, ele afirma ser necessário revogar medidas adotadas pelo governo Michel Temer (MDB).   [caption id="attachment_96217" align="aligncenter" width="550"] Márcio Pochmann: 'Se houver eleições democráticas e livres, o resultado da eleição será bastante favorável para colocar o governo no sentido inverso do que vivemos atualmente' (Foto: Reprodução)[/caption]   Ao todo, cerca de 300 acadêmicos participaram da elaboração do programa de governo do PT que, ao contrário da maneira tradicional de montar documentos como este, o texto não apresenta pontos específicos sobre os problemas do país, mas os trata de forma abrangente. “De fato, a gente parte do pressuposto que é necessário rever uma série de medidas tomadas pelo governo Temer, até porque o resultado tem sido desastroso, do ponto de vista da economia, das finanças públicas e no quadro social, que tem se agravado pela pobreza e desemprego. Por isso, é preciso um plano de emergência para rapidamente fazer o país se recuperar, acompanhado com uma série de transformações possíveis de realizar na medida em que se tem maioria política, que ajuda na aprovação”, afirma o presidente da Fundação Perseu Abramo. De acordo com ele, um plebiscito revogatório deverá ser convocado caso o PT vença as eleições de outubro. Os principais pontos a serem abordados seriam a Emenda Constitucional 95, que limitou o investimento público por 20 anos e a reforma trabalhista. Questionado se há correlação de forças para desfazer tais medidas, Márcio Pochmann avalia que sim. “No passado se tentou fazer [algumas das questões propostas no programa], mas não tinha base política suficiente, mas agora deverá ter. O que vem acontecendo desde 2016 é exatamente uma polarização da sociedade em dois blocos: os favoráveis e contrários ao governo Temer. O centro democrático se esvaziou. Então, eu diria que a população, ao menos nas pesquisas, em mais de 70% são contra as medidas tomadas e se isso se expressar através do voto, resultará numa maioria política no Congresso para poder fazer mudanças. É claro que não serão simples, mas se houver eleições democráticas e livres, o resultado da eleição será bastante favorável para colocar o governo no sentido inverso do que vivemos atualmente”, analisa. MEIOS DE COMUNICAÇÃO Um dos pontos abordados no programa de governo do PT envolve a regulamentação dos meios de comunicação. De acordo com Márcio Pochmann, o foco é questão empresarial do setor, notadamente tomado por grandes empresas que dominam vários tipos de mídia: tevê, rádio, jornal e internet. “O que temos no atual momento é oligopólio midiático, com o mesmo proprietário para televisão, jornal, rádio e mídia social. Nisso entra a competição no setor, que fica limitada, e termina criando barreira a inciativas de jornais locais. O Brasil é tão continental, uma diversidade cultural, que termina sendo inibida quando se tem uma comunicação dessa natureza. Tem essa questão que de competição, de concorrência e, ao mesmo tempo, a preocupação com a diversidade cultural”, afirma. O artigo 220 da Constituição Federal, em seu parágrafo 5º diz que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Entretanto, isso precisa ser regulamentado por lei federal, o que nunca ocorreu.   Acesse a íntegra do programa de governo do PT clicando aqui.