Política

Só dois juízes não recebem auxílio-moradia em Alagoas

Segundo dados fornecidos ao CNJ pelos tribunais, entre novembro de 2017 e janeiro deste ano, foram gastos quase R$ 3 milhões com o benefício

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 10/03/2018 08h17
Só dois juízes não recebem auxílio-moradia em Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria

Dos 322 magistrados de Alagoas – Tribunal de Justiça (TJ), Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e Justiça Federal (JF) – apenas dois não receberam auxílio-moradia entre os meses de novembro de 2017 e janeiro deste ano. A informação foi repassada pelos próprios tribunais ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O valor do benefício é R$ 4.377,73 e os dois magistrados que não foram contemplados com essa quantia foram a juíza Adriana Carla Feitosa Martins, do 9º Juizado Especial Cível e Criminal de Maceió do TJ; e Carlos Arthur de Macedo Figueiredo, juiz substituto da Vara do Trabalho do TRT de Alagoas. Todos os juízes da JF que atuam no estado recebem o auxílio-moradia.

O valor do auxílio-moradia, maior que boa parte dos salários recebidos pelos servidores das três instâncias do Judiciário, se somados, são na ordem de R$ 2.924.323,64 divididos da seguinte maneira: TJ gastou entre novembro de 2017 e janeiro deste ano com o benefício o montante de R$ 1.996.244,88; o TRT, R$ 669.792,69; e a JF R$ 258.286,07.

A diferença de valores se explica pela quantidade de magistrados que cada um possui. O Tribunal de Justiça conta com 225 juízes; o TRT com 76; e a Justiça Federal com 21.

Tendo por base os valores disponíveis no site do CNJ, a estimativa de gasto, em um ano, com o auxílio-moradia pelas três instâncias do Judiciário em Alagoas, é de R$ 11.697.294,56 – TJ: R$ 7.984.979,52; TRT: R$ 2.679.170,76; e JF: 1.033.144,28.

O tema voltou a ganhar os holofotes após reportagens publicadas pela imprensa de estados do centro-sul do país apontar que juízes recebem o auxílio-moradia mesmo sendo proprietários de imóveis nas cidades em que atuam. Não foi possível à reportagem repetir esse levantamento em Alagoas, mas é pouco provável que dos 322 magistrados no estado nenhum deles seja dono de algum imóvel.

MAIS AUXÍLIOS

Não é só o auxílio-moradia que o Judiciário paga aos juízes. Além desse, há o auxílio-alimentação, auxílio pré-escolar, auxílio-saúde, auxílio-natalidade e a ajuda de custo.

No TJ, o auxílio-alimentação é de R$ 1.306,26; no TRT e na JF, R$ 884,00. Já o auxílio pré-escolar, no TRT e na JF, pode chegar a R$ 1.398,00. O TJ não informou o valor ao CNJ.

O auxílio-saúde só é recebido pelos magistrados após a comprovação de gastos na área médica. O mesmo vale para o auxílio-natalidade.

OUTRAS INSTIUIÇÕES

Outras instituições também pagam auxílio-moradia a seus membros. Os ministérios públicos – Estadual ou Federal – também dão a promotores e procuradores os mesmos R$ 4.377,73, assim como o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Ministério Público de Contas (MPC).

“Querem desestabilizar o Poder Judiciário”

Para o juiz Ney Alcântara, presidente da Associação dos Magistrados de Alagoas (Almagis), a recente repercussão sobre o auxílio-moradia visa “desestabilizar” o Judiciário.

“É uma verba reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça, que já vem sendo recebida desde 1988 e agora houve essa repercussão, que acreditamos ter como maior interesse desestabilizar o Poder Judiciário, deixando de lado o esclarecimento da necessidade e legalidade das mesmas”, afirma o presidente da Almagis.

Segundo ele, mesmo o debate sobre o recebimento desse benefício por quem possui imóvel próprio não tem razão de ser.

“Depois que a licitude do auxílio-moradia foi reconhecida, agora o enfoque é diferenciado, de que o magistrado que tem residência própria não precisa dele. Esse raciocínio não tem pertinência objetiva, pois o auxílio é dado na forma do que estabelece a legislação. É uma garantia de todos os magistrados, tanto os que atuam em Comarcas do interior, como os que desempenham suas atividades na capital”, afirma Ney Alcântara.

“A moradia funcional é prevista na Constituição, e por isso o auxílio é uma prática de diversas outras categorias de estado, como no Congresso Nacional, nas principais estatais do país e nas grandes empresas privadas, e também são destinados a outras carreiras, como procurador, promotor”, completa o juiz.

‘RETALIAÇÃO’

Tanto para a Associação de Juízes Federais do Brasil (Ajufe) quanto para a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), as críticas ao auxílio-moradia são “retaliação” ao Judiciário do país.

Em entrevista ao Estadão, Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra, afirmou haver “um esforço de desviar a atenção do quadro de corrupção a partir de ataques cada vez mais sistemáticos ao Judiciário”.

Já o presidente da Ajufe, Roberto Veloso, à Folha de S. Paulo, comparou a situação dos juízes com os dos parlamentares em Brasília.

“Só a Câmara dos Deputados tem 432 imóveis funcionais. Um apartamento desses não seria alugado por menos de R$ 10 mil, esse é um auxílio-moradia recebido pelo parlamentar. Não se trata apenas de um direito da magistratura. Se o Supremo for se debruçar, que resolva para todos, porque aí seria um ato discriminatório”, afirmou o presidente da Ajufe.

GREVE

O STF pôs em sua pauta o tema para ser discutido no próximo dia 22. para fazer pressão, os juízes federais anunciaram uma greve no próximo dia 15, o que foi criticado por desembargadores estaduais em encontro do Conselho dos Tribunais de Justiça, composto pelos presidentes dos TJs de todo o país, realizado no último dia 2 em Maceió.

De acordo com Ney Alcântara, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) decidiu não se somar à greve dos juízes federais.

“Não teria sentido fazer greve para pressionar o STF. A magistratura estadual não se encontra em consonância com esse movimento”, diz o presidente da Almagis.

SINDICATOS

Para o presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário Federal e do MPU em Alagoas (Sindjus) Paulo Falcão, o auxílio-moradia recebido pelos juízes é “ultrajante”.

“Por mais que eles digam que se trata de uma reposição salarial, se torna ultrajante diante da realidade social em que vivemos. Eles perderam uma grande oportunidade de discutir sua remuneração em 2014, quando iriam até fazer uma greve. Preferiram deixar isso de lado, ao invés de fazerem como qualquer servidor público que luta por melhores salários, e optaram por receber esse auxílio-moradia devido à decisão complexa do ministro Luiz Fux no STF [Supremo Tribunal Federal]”, diz Paulo Falcão.

Para ele, essa decisão “desmoraliza” os magistrados enquanto categoria.

“Isso, para nós, os desmoraliza como categoria porque eles estavam tentando se organizar em sua associação para reivindicar seus direitos como qualquer outro assalariado, mas deixaram de lutar por uma remuneração – que seria transparente para todos – e se apega a um auxílio imoral porque nenhuma categoria recebe isso e, além do mais, sem desconto nenhum, nem de Imposto de Renda nem de Previdência Social”, completa o presidente do Sindjus.

Na avaliação de Paulo Falcão, o auxílio-moradia está descaracterizado porque ele deveria ser pago àqueles que atuam fora de sua cidade natal, “mas hoje tanto faz ter imóvel próprio ou ser casado com outro magistrado. Os dois recebem o mesmo benefício. A gente espera que o julgamento no STF reveja essa situação”.

Já o presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário de Alagoas (Serjal) disse que a questão do auxílio-moradia com preocupação, mas que prefere esperar o julgamento do STF sobre o tema para se posicionar.

Auxílio-moradia supera recursos de secretarias

O auxílio-moradia, cujo valor é R$ 4.377,73, gera incômodo em muita gente, seja porque com ele – e outros ‘penduricalhos’ – os salários dos magistrados ultrapassam o teto remuneratório imposto pela Constituição Federal; seja porque a maioria dos servidores das instituições jurídicas possui salários menores que essa verba adicional dos magistrados. Outro aspecto, pouco falado, é o montante gasto com esse recurso.

No caso de Alagoas, levando em conta os auxílios-moradia pagos entre novembro de 2017 e janeiro de 2018, o total anual deverá ser de R$ 11.697.294,56. Segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA) de Alagoas para 2018, esse valor é superior ao destinado pelo Tesouro Estadual a muitas secretarias.

De acordo com a LOA, por exemplo, a Secretaria de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social (Seades) tem como orçamento, a partir de recursos do Tesouro Estadual, R$ 9.035.442; a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh) tem R$ 9.766.062,00.

Já a Secretaria de Estado da Cultura (Secult) possui orçamento-geral mais baixo do que o que deverá ser gasto com o auxílio-moradia do Tribunal de Justiça de Alagoas, Tribunal Regional do Trabalho e Justiça Federal: R$ 11.523.638,00.

O mesmo vale para a Secretaria de Estado do Esporte, Lazer e Juventude (Selaj): R$ 6.041.136,00; Secretaria de Estado do Trabalho e Emprego (Sete), R$ 3.540.421,00; e Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), R$ 7.423.372,00.

Ainda de acordo com a Lei Orçamentária Anual de 2018, o programa “Segurança Alimentar e Nutricional para Comunidades do Município de Maceió em Situação de Extrema Vulnerabilidade Social”, da Seades, só conta com R$ 6.000.000,00.

O total de orçamento previsto para 2018 do Governo do Estado é de R$ 10.214.925.295,00.

Salários da PM, de professores e Bolsa Família são menores que a gratificação

Os R$ 4.377,73 do auxílio-moradia recebidos pelos juízes não são apenas maiores que a remuneração de boa parte dos servidores dos tribunais. O valor é maior que o valor médio pago pelo Programa Bolsa Família, que o salário médio de um professor e de um policial militar em início de carreira em Alagoas.

Cada família beneficiada pelo Bolsa Família no estado recebeu em média, no mês de fevereiro, R$ 183,55, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

A renda média em Alagoas é de R$ 1.172,00, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD) Contínua do terceiro trimestre de 2017. Se alguém tem como remuneração apenas o valor do auxílio-moradia, recebe mais que 97% da população alagoana.

O salário inicial médio de um policial militar em Alagoas é de R$ 3.368,86, conforme pesquisa da Associação Nacional das Entidades Representativas dos Militares Brasileiros (Anermb) divulgada no ano passado.

Contudo, o maior disparate está em relação aos professores alagoanos, das redes pública e privada. O salário médio desse profissional no estado é de R$ 1.837,00, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2016. Esse banco de dados é gerenciado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Mesmo o piso nacional do magistério, tão difícil de ser posto em prática, especialmente pelos prefeitos que alegam falta de recursos em seus cofres e que podem quebrar se o aplicarem, é 43,91% menor que o auxílio-moradia. Seu valor para 2018 é de R$ 2.455,35.