Política

De fiscalizador a investigado: salários no MPC são alvo de investigação

Segundo denúncia, membros do MPC podem ter recebido irrergularmente R$ 11 milhões em virtude da equiparação salarial

Por Carlos Amaral e Carlos Victor Costa com Tribuna Independente 13/01/2018 09h38
De fiscalizador a investigado: salários no MPC são alvo de investigação
Reprodução - Foto: Assessoria
Responsável por pareceres e recomendações que balizam as decisões do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o Ministério Público de Contas (MPC) possui algumas questões a resolver sobre seu funcionamento e seus salários. É preciso uma lei para regulamentar sua organização, o que desde 1986, ano de sua fundação, isso não ocorreu. Diante disso, tramita no Ministério Público Estadual (MPE) denúncia formulada em 2016 questionando os vencimentos recebidos pelos procuradores de Contas de Alagoas – desde 2012 equivalentes aos dos procuradores de Justiça do próprio MPE. Segundo a denúncia, formalizada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), foram pagos irregularmente aos membros do MPC – em virtude da equiparação salarial – R$ 11 milhões (cálculo feito em 2016, na ocasião da denúncia). Ainda em 2016, mais precisamente no dia 10 de junho, o promotor Sidrack Nascimento, expediu recomendação ao TCE – responsável pelo pagamento dos salários do MPC – pela suspensão dos valores equiparados com o MPE, além do ressarcimento da diferença. Quatro dias depois, o então procurador-geral de Justiça Sérgio Jucá anulou a recomendação do promotor porque, segundo ele, apenas a Procuradoria Geral de Justiça poderia expedir recomendação a outro poder. “[...] referido órgão de execução usurpou a atribuição reservada ao chefe do Ministério Público, acarretando a invalidade de todos os atos praticados, máxime da recomendação dirigida ao Presidente do Tribunal de Contas”, afirmou Sérgio Jucá sem eu despacho. Contudo, ele não se ateve ao mérito do caso. A assessoria de Comunicação do MPE informou que a investigação segue aberta, mas que o procurador-geral de Justiça Alfredo Gaspar não vai falar sobre o tema até que a investigação seja concluída. “Ele pediu algumas informações ao Tribunal de Contas. Está dando uma olhada em todo o material que foi recebido. Mas isso ainda está sob análise e enquanto não for finalizada essa apuração ele não vai falar nada para não julgar precipitadamente qualquer coisa dentro dessa ação”. Já o procurador-geral de Contas Enio Pimenta afirma que os membros do MPC já recebiam salários equiparados antes do concurso para a instituição em 2011, mas naquele ano ocorreu defasagem porque o Governo do Estado – responsável à época pela folha do órgão – não acompanhou reajuste do MPE. “À época, o MPC era um órgão do Poder Executivo. A rigor, o que foi pleiteado e deferido foi a atualização do subsídio. A simetria foi anterior à posse dos Procuradores. Em 2013, passamos ao orçamento do TCE, que manteve o mesmo entendimento da PGE”, lembra Enio Pimenta. Categórico, o procurador-geral de Contas afirma não haver dúvidas sobre a legalidade da equiparação salarial entre os Ministérios Públicos. “O MPC é regulamentado pela Lei Estadual 4.780/86 e a remuneração é tratada diretamente pela Constituição Federal e, em especial, pela Constituição Estadual que não deixa margem para dúvidas ao fazer menção direta e textual a referida equiparação, conforme seu artigo 150, parágrafo único. Além disso, vale esclarecer que o art. 130 da Constituição Federal determina expressamente que todas as disposições pertinentes a direitos, vedações e formas de investidura aplicáveis ao Ministério Público são extensíveis ao Ministério Público de Contas”, completa Enio Pimenta. PGE deu parecer contrário à equiparação Em 2011, o MPC iniciou uma série de cobranças para receber o mesmo salário do MPE. Diante da demanda, o Governo do Estado solicitou à PGE parecer sobre o tema. À época, era o Poder Executivo, e não o TCE, quem arcava com a folha do Ministério Público de Contas. A PGE emitiu dois pareceres contrários à equiparação. Num deles, o primeiro, chega a dizer não ter competência para avaliar o caso por se tratar de questão interna do MPC, cujo argumento central para pleitear a equivalência remuneratória foi a “analogia” com o MPE. “[...] entendemos que cada um dos Ministérios Públicos está submetido a um conjunto normativo específico, inclusive no que refere a Lei Orgânica própria; Lei de remuneração estabelecendo os valores dos subsídios da carreira; [...] Nestes termos, concluímos pela impossibilidade da aplicação, por analogia, da legislação específica que trata tanto da remuneração (subsídio) quanto da indenização aplicáveis exclusivamente aos membros do Ministério Público Estadual”, diz o parecer da PGE, assinado pelo procurador Newton Vieira da Silva em 23 de novembro de 2011. Essa posição foi ratificada pelo procurador de Estado Arnaldo Guedes Pinto de Paiva Filho em 14 de dezembro de 2011 por meio de outro despacho. Até mesmo a constitucionalidade do artigo 150 da Constituição Estadual é questionado pela PGE, segundo pareceres obtidos pela reportagem. E, de fato, o caso tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3804/AL. O questionamento se dá em relação ao caput do artigo porque, de acordo com o posicionamento dos procuradores de Estado, o MPC não pode propor projeto de lei ao Legislativo. O resultado concreto da troca de ofícios e pareceres entre MPC e PGE foi o deslocamento o ônus da folha dos procuradores de Contas do Poder Executivo para o TCE, a partir de 2013, e a mudança de nomenclatura nos contracheques de “procuradores de Estado” para “procuradores do Ministério Público de Contas”. Contudo, mesmo sem o parecer favorável, os procuradores de Contas passaram a receber, em 2012, os mesmos vencimentos dos procuradores de Justiça do MPE. Os salários saltaram de cerca de R$ 9 mil para mais de R$ 24 mil. Hoje, considerando todas as verbas adicionais, suas remunerações ultrapassam o teto salarial do funcionalismo público estabelecido pela Constituição Federal, cujo valor é de R$ 33,4 mil. O procurador-geral de Contas Enio Pimenta apresenta outro parecer da PGE em que se afirma a paridade com MPE. Publicado no Diário Oficial do Estado em outubro de 2012, o texto diz que “dessa forma, sempre que atribuída nova prerrogativa ou novo direito, ou nova remuneração, novo dever ou nova vedação, a membro do Ministério Público Estadual, enquanto em vigor o art. 150, § único, da Constituição do Estado de Alagoas, automaticamente também modificadas se farão as grandes de direitos e deveres dos membros do Ministério Público de Contas; em concreto, alterada a remuneração dos Procuradores de Justiça, também alterada em mesmo diapasão se fará a remuneração dos Procuradores do Ministério Público de Contas”. MPC precisa de lei para regulamentar seu funcionamento, dizem advogados A reportagem consultou dois advogados para saber quais são suas avaliações diante do caso. O MPC alega que o artigo 150 da Constituição Estadual (CE) lhes garante a equiparação salarial com o MPE. Contudo, para os especialistas, isso não é bem assim. Diz o caput do artigo 150 da CE: “Lei Complementar de iniciativa do Ministério Público especial que oficia perante o Tribunal de Contas, disporá sobre a sua organização” e seu Parágrafo único diz que “aplicam-se ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado, no que couber, os princípios e normas constantes desta Seção, pertinentes a garantias, direitos, vedações, vencimentos, vantagens e forma de investidura de seus membros”. Além da CE, a Constituição Federal (CF) também trata do assunto. Diz o artigo 130 da CF que “aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura”. O advogado Gustavo Ferreira não discorda de que o MPC pode ter salários iguais aos do MPE, desde que uma lei regulamente a questão. “Com base no texto da Constituição Estadual, a equiparação não é automática, é necessária sim a aprovação da lei complementar”, explicou o advogado que disse ser necessária a aprovação “por não ter palavras inúteis na lei, em especial, numa Constituição Estadual. “Isso somente reforça que não é automático, enfatizando que são carreiras distintas”. Já o advogado Welton Roberto afirma que mesmo com essa lei os procuradores do MPC não podem receber salários iguais aos do MPE. Segundo ele, por serem carreiras distintas. “A lei especial somente dispõe sobre a organização. As vantagens não são isonômicas e eles [MPC] não podem pleitear as mesmas vantagens ou os mesmos salários que o MPE. Embora tenham o mesmo nome, são carreiras distintas. Eles são vinculados a outro tipo de órgão, a outro tipo de carreira. É Ministério Público, mas é de Contas. Trabalha junto ao Tribunal de Contas que não tem nada a ver com o Tribunal de Justiça. Tratamento igual diz aos princípios, como o da vitaliciedade. Mas não quer dizer a mesma remuneração”, explica Welton Roberto. Mistério: Projeto para regulamentar MPC some da ALE Em 2014, foi apresentado na Assembleia Legislativa do Estado (ALE) um Projeto de Lei Complementar (PLC) para regulamentar o funcionamento do MPC, porém, ele, nas palavras do deputado estadual Bruno Toledo (Pros), sumiu. O teor do PLC 51/2014 sequer consta no site da ALE. Apenas um requerimento, de autoria do próprio Bruno Toledo, consta sobre o tema. Seu teor é o pedido de andamento do Projeto. “Eu fiz o requerimento, mas como é um projeto do início dessa legislatura vai precisar se fazer a reconstituição dele. O relator da matéria não sabe onde está a pasta. Já tive uma conversa com membros do MPC, que é interessante que se faça esse trabalho aqui na Casa, para fazer a reconstituição do projeto e imediatamente começar sua apreciação”, destacou o deputado. Bruno Toledo se colocou até mesmo como relator especial do PLC para tentar dar celeridade ao trâmite da matéria em questão. “Já que todos os prazos foram superados me coloquei como relator porque acho isso muito válido, pois o MPC passa a ser ordenador de despesas. Isso é salutar porque como é um órgão de controle e de fiscalização é ruim que ele fique vinculado a qualquer outro tipo de estruturação funcional. Então como o MPE é ordenador de despesas, é interessante que o MPC também passe a ser”, explica o parlamentar. Bruno Toledo evita colocar a situação do MPC como ilegal, afirmando novamente que a ideia do projeto é torná-los ordenadores de despesas. “Dá também, não vou dizer legalização não, porque parecia até que eles não são legais, mas traz uma tranquilidade, um entendimento na questão remuneratória do MPC e tornam eles ordenadores”. Já Enio Pimenta desconhece ter sido informado sobre o paradeiro do PLC 51/2014. O procurador-geral de Contas adianta que irá cobrar explicações da ALE sobre o projeto de lei. “Não fomos informados oficialmente da atual situação do Projeto de Lei Complementar de iniciativa do MPC, mas não é razoável que um Projeto de Lei supostamente, desapareça de um Poder, cujo objetivo maior é justamente criar e apreciar projetos de lei. Vamos encaminhar um ofício à Assembleia Legislativa pedindo informações sobre o referido projeto, caso a notícia do sumiço se confirme, iremos reenviá-lo e solicitar, mais uma vez, urgência em sua tramitação”, diz o chefe do MPC. Deputado questiona legalidade dos subsídios A investigação por parte do Ministério Público foi discutida também durante a sabatina do ex-procurador de Contas, Rodrigo Cavalcante, quando este foi sabatinado pela ALE, em maio de 2017, para se tornar conselheiro do Tribunal de Contas. O deputado e vice-presidente do Poder Legislativo, Francisco Tenório (PMN), questionou a legalidade dos salários equivalentes entre MPC e MPE. Para ele, o fato de não ter uma lei que regulamente a questão, torna o pagamento aos procuradores de Contas ilegal. Entretanto, ele se dispôs a ajudar a resolver o problema. “Daqui para frente, vamos dizer assim, deixaremos tudo na legalidade, do momento da apreciação desse Projeto de Lei pela Assembleia Legislativa e sanção pelo Governo. Ou no caso de emenda à Constituição, com a promulgação pelo Legislativo. Mas sem deixar que a investigação, e o processo legal, sobre os salários pagos até o momento sem a devida autorização legal deixe de ser feita. Pode ter aí improbidade administrativa. Não sei se por parte de quem está recebendo ou por quem determinou esse pagamento”, salientou Francisco Tenório. “Situação é surreal”, diz ex-procurador Ainda na mesma sabatina, o ex-procurador Rodrigo Cavalcante explicou que o MPC é uma instituição totalmente carente de regulamentação infraconstitucional. “É surreal” “É uma instituição que para sobreviver como tal, precisa utilizar do arcabouço previsto na Constituição Federal, senão ela não existe juridicamente. Nós somos questionados quanto ao poder de requisição e da remuneração que recebemos. Todavia, essa ausência de regulamentação infraconstitucional é que nos deixa numa situação surreal. Acho que é o único MP de Contas no Brasil que não tem arcabouço jurídico que lhe proteja. A gente é forçado a ter como suporte o texto da Constituição Federal e da Estadual. O texto felizmente nos assegura garantias e a principal é a isonomia com o MPE. Então, a partir dessa construção é que nós podemos sobreviver, inclusive receber nossa remuneração”. O ex-procurador de Contas pontuou até a investigação do MPE sobre os salários pagos ao MPC. “Quem determina o nosso pagamento não é o MP de Contas, é o TCE. Não somos gestores. Quem determinou, inicialmente, foi o chefe do Executivo na época [Teotonio Vilela Filho]. Quando nós entramos no MPC foi quando houve o envio da nossa folha para o TCE e o próprio Tribunal ratificou esse entendimento. É uma situação surreal. Não há ilegalidade aí. Até porque se a gente não puder receber a remuneração isonomicamente ao que é pago aos membros do MPE, qual vai ser o parâmetro que vai ser utilizado para pagar o membro do MPC? Só temos dois parâmetros: o salario mínimo e o MPE”, afirmou Rodrigo Cavalcante, durante sua sabatina. Tribunais superiores também discutem tema A 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar pleito idêntico do MPC de Rondônia em 2006, considerou não ser possível equiparar os salários com o Ministério Público daquele Estado. A decisão foi unânime. Ao se referir ao artigo 130 da CF, o STJ afirmou que “os direitos e garantias ali especificadas, dentre as decorrentes da unidade, da indivisibilidade, da independência e da autonomia funcional e administrativa, a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio, sem alcançar, porém, equiparação remuneratória, em caráter necessário, com os membros do Ministério Público comum, dependente que é, ademais, a fixação do subsídio do Ministério Público especial de iniciativa privativa da autoridade competente”. Ou seja, precisa de lei. Segundo o advogado Welton Roberto, essa decisão do STJ cria jurisprudência e, portanto, vale para todos os estados em situação semelhante. Vários são os julgamentos nas instâncias superiores do Poder Judiciário sobre os mesmos assuntos. Se o STJ negou paridade entre os Ministérios Públicos ao analisar o caso de Rondônia, o procurador-geral de Contas Enio Pimenta diz que o STF já reconheceu a equivalência entre eles. “O tema já foi amplamente discutido e o próprio Ministro aposentado Carlos Ayres Britto, já chegou a afirmar que não faria sentido nivelar membros dos Tribunais de Contas e membros do Poder Judiciário, sem o mesmo nivelamento entre membros do Ministério Público Especial e membros do Ministério Público usual”, relatou Enio Pimenta. Segundo ele, o STF reconhece que membros de MPC possuem as mesmas prerrogativas de foro dos membros de Ministério Público tradicional. O problema precisa ser resolvido e o MPC regulamentado, até para que não haja dúvidas sobre seu funcionamento e remuneração. Enquanto isso não ocorre, sempre haverá questionamentos àqueles que têm o dever de garantir a probidade das contas públicas.