Política

Apurar morte de morador de rua não é prioridade para o MP, acusa Paulão

Parlamentar diz que MP não prioriza elucidação dos crimes contra moradores em situação de rua

Por Texto: Carlos Amaral com Tribuna Independente 06/01/2018 09h45
Apurar morte de morador de rua não é prioridade para o MP, acusa Paulão
Reprodução - Foto: Assessoria

Nas últimas semanas ganhou destaque no noticiário o alto número de assassinatos de pessoas em situação de rua em Alagoas. Os números divergem, mas são entre 30 e 40 mortes só em 2017. Os inquéritos desses casos parecem não andar e a mobilização em torno de sua solução é incipiente. Ao menos mais fraca do que quando se mata alguém da classe média. Há cerca de duas semanas, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, presidida pelo deputado federal Paulão (PT), solicitou à Secretária de Segurança Pública de Alagoas (SSP) um relatório sobre as investigações dos assassinatos de pessoas em situação de rua, mas até o fechamento dessa edição o parlamentar não recebeu tal documento. Para o deputado, o problema da violência em torno dessa população é “pauta invisível” e as instituições não querem resolver o problema.

Tribuna Independente – Agora em dezembro, o número de assassinatos de pessoas em situação de rua em Alagoas chegou a entre 30 e 40; o senhor classificou esse fato como “genocídio”. A situação é realmente grave assim?

Paulão – Não só aqui, mas no Brasil. Quando assumimos a CDHM, a gente teve demanda dos movimentos sociais, principalmente da Pastoral da População em Situação de Rua. Essa é uma realidade das grandes cidades. É um fenômeno internacional, pois essa realidade existe também nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, isso vem crescendo.

Tribuna Independente – Em sua avaliação, a que se deve esse crescimento da população em situação de rua?

Paulão – No momento que se tem crise na economia, se tem desemprego e cidades como São Paulo, com mais de 10 milhões de habitantes, se tem uma situação que movimentos como os do sem teto começam a ganhar força. Simplesmente, as pessoas não podem pagar aluguel e isso gera demanda reprimida. Em São Paulo, as pessoas acabam ocupando os prédios abandonados no Centro. Em Maceió, o Centro não tem moradia e, por não dar resposta a essa questão de moradia, para que as pessoas morem perto do Centro e de locais de trabalho, a situação é mais grave porque a tendência é você não entrar numa luta orgânica e se tornar morador em situação de rua. Há casos, principalmente em São Paulo, em que o cara é empregado, ganha um salário mínimo, mas não pode pagar aluguel e vai morar embaixo de uma marquise. No caso de Maceió, se tem uma população de rua alta, não mensurada pelas estatísticas, seja do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], da Prefeitura, do Governo do Estado ou Governo Federal. Essas pessoas, por não terem documentos, não existem para o Estado. Isso gera dificuldade de ingressar em programas sociais. Infelizmente, essa é uma pauta invisível.

Tribuna Independente – Invisível em que sentido?

Paulão – A Prefeitura de Maceió não prioriza essa questão, por exemplo. Há apenas uma ação isolada do Consultório da Rua, que são pessoas abnegadas que vão ao encontro dos moradores em situação de rua prestar algum tipo auxílio. Essa pauta, só quem dá guarida é a Igreja Católica, com a Casa de Ranquines; a Igreja Batista do Pinheiro. São poucas igrejas. A maioria não quer lidar com essa pauta. Todo mundo faz a reza bonitinha, mas não levanta essa discussão. Você tem o problema da limpeza étnica, da assepsia do comércio. Se tem comerciantes maldosos que contratam seguranças e milícias para não permitir que essa população fique por perto. O cara quer uma marquise para se proteger do sereno da chuva. Essa articulação de milícias é histórica aqui e possivelmente, não tenho como provar, com a participação de agentes de segurança.

Tribuna Independente – Falta interesse da sociedade em resolver esse problema?

Paulão – Sim. É uma pauta invisível porque há uma questão idêntica a essa. No Brasil, matam-se mais de 60 mil pessoas por ano. Depois da Segunda Guerra Mundial, o genocídio reconhecido no Mundo é na Somália, com 10 mil. A gente tem mais de 60 mil. Essa população tem localização geográfica: periferia das grandes cidades. Há também na zona rural, mas em menor quantidade. Que público é esse? Jovem, de 14 a 20 anos de idade; do sexo masculino; negro e pobre. Um grande motivador é o tráfico de drogas. E como se fala de um público pauperizado, como dizia Karl Marx lá trás, se trata do exército de reserva. E ele não interessa ao mundo do capitalismo. Veja, a fome existe no mundo mesmo se produzindo três mais alimentos que o necessário para alimentar a todos. O modelo é excludente. No caso dos moradores em situação de rua, eles são o substrato da miséria, sem referência familiar e envolvimento com drogas e todo o tipo de perigo.

Tribuna Independente – O senhor solicitou à SSP um relatório dos inquéritos das mortes de pessoas em situação de rua. Já responderam?

Paulão – Ainda não. Estou aguardando.

Tribuna Independente – Esse problema da população em situação de rua é o caso mais emblemático que o senhor lidou desde que assumiu a CDMH da Câmara dos Deputados?

Paulão – É o genocídio da juventude negra e pobre. Esse é o número um. Inclusive Maceió foi por cinco anos a capital mais violenta do Brasil. Em 2013, foi a do mundo. Se teve um final de semana, de sexta à segunda-feira, que se mataram 36 jovens. É o caso mais forte, e foi criada até uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito]. E a área de segurança tem problema para lidar com isso. O que ocorre na área de segurança com essa juventude da periferia? Se faz Boletim de Ocorrência, mas os inquéritos são totalmente vazios. 90% dos casos sem solução. Tem uma lógica proposital nisso, perversa.

Tribuna Independente – Voltando à questão da população em situação de rua, como o senhor avalia o papel do Ministério Público Estadual (MPE)?

Paulão – O Ministério Público está lento, leniente. Ele é o dono da ação, que recebe a peça do delegado e concorda ou não com ela. Mas essa pauta não é prioridade para o MP. O caso do Nô, por exemplo, só houve ação do MP depois de repercussão na imprensa. O Nô não era morador em situação de rua, tinha casa fixa, mas passava o dia na Praça da Assembleia. Ele tinha relação com todo mundo. A morte dele acabou atingindo a classe média, o mundo político e acadêmico. Esse caso do Nô ganhou o foco. Minha crítica ao MPE é: como você tem quase 40 mortes e até hoje o MP não organizou uma força-tarefa? Cadê o Gecoc para verificar isso? A lógica do MP no Brasil, seja federal ou estadual, é midiática e patrimonial. A questão dos moradores em situação de rua é de vida. E na balança do Direito, a vida tem prioridade. O problema é que o MP de Alagoas não está priorizando a vida. São 40 casos insolúveis e o MP não faz nada. Ele podia responsabilizar delegados, o secretário de segurança... A gente percebe que as autoridades competentes, e aí também a Defensoria Pública Estadual deveria ser mais proativa, não se preocupam com esse problema. Os moradores de rua estão espalhados por todos os bairros. Quem for à orla depois de meia-noite poderá verificar o tanto de pessoas que estão morando ali, embaixo de coqueiros e em pequenas tendas. Eles ficam geralmente em grupos para se proteger porque há muita maldade. Se lembra do caso do índio Galdino, em Brasília? [Queimado vivo por jovens de classe média em Brasília em 1997].