Política

'Direitos Humanos vivem retrocesso'

Prestes a completar 69 anos, Declaração Universal da ONU parece ser desrespeitada por muitos governantes

Por Texto: Carlos Amaral com Tribuna Independente 08/12/2017 09h20
'Direitos Humanos vivem retrocesso'
Reprodução - Foto: Assessoria

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) completa 69 anos no domingo (10), e seu artigo 1º diz que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Porém, apesar de todo esse tempo, seu conteúdo parece ser rejeitado por muitos governantes e por diversos setores espalhados por todo o planeta. No Brasil e em Alagoas essa realidade não é diferente, pois inúmeros são os casos de violações aos Direitos Humanos. Para falar sobre o tema, a Tribuna Independente conversou com o presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos, Jonas Cavalcante. Para ele, a agenda política dessa área passa por retrocesso.

Tribuna Independente – A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU completa 69 anos neste domingo (10) e, mesmo assim, violações a seu conteúdo ocorrem em todos os lugares. Qual a sua avaliação sobre a temática no país e em Alagoas?

Jonas Cavalcante – Quando a carta de direitos humanos surgiu, no período pós-guerra, a gente estava passando por um processo de reconstrução civilizatório. A gente teve uma Segunda Guerra Mundial extremamente violadora de direitos, o drama do holocausto, e se precisaram documentar os direitos que sempre existiram, os direitos humanos. A partir do momento que você é humano, você tem esses direitos, que são fundamentais. Com o passar do tempo, a gente percebe enfraquecimento desse documento, em certa medida, porque as violações se acumulam. Hoje, em nível mundial, temos um aumento do fascismo, de uma onda anti-direitos humanos, com violações ocorrendo no mundo todo, nas guerras, na questão dos refugiados... E aí, no Brasil, se agrava com a questão do Estado de exceção. A gente percebe que há uma agenda violadora de direitos no país. A portaria do trabalho escravo [Portaria MTB 1.129/2017] é um sinal dramático da violação dos Direitos Humanos e do nível a que chegamos. A questão do combate à violência, cuja única forma que se vê é mais violência. Dos direitos básicos, como o de comer, pois o país voltou ao Mapa da Fome [ONU]. A gente vê no país, um retrocesso na agenda dos Direitos Humanos que é, inclusive, incompatível com a política econômica do atual Governo Federal. A Emenda Constitucional 95 [teto dos gastos] aprofunda o nível das violações que já existiam e tiram a perspectiva de políticas públicas que consigam atuar nesses problemas.

Tribuna Independente – No senso comum, os Direitos Humanos tratam somente da violência policial, mas esse horizonte é mais largo. De forma resumida, e o senhor já tocou um pouco nisso, qual a área de abrangência dos Direitos Humanos?

 Jonas Cavalcante – Direitos Humanos são todos os direitos fundamentais que temos. Do direito à vida ao direito à segurança, inclusive do Estado, como em casos de tortura. São os direitos sociais, como acesso à educação, saúde, trabalho digno, liberdade de expressão e acesso à informação. São todos os direitos fundamentais que você tem só por ser humano. A questão da violência policial entra em destaque, penso, por causa do tipo de cobertura que se faz sobre o tema. Além disso, esse tipo de situação sempre está ligado a uma pessoa pobre. Veja, os ricos têm suas redes de proteção, seus advogados, mecanismos para se defender. Os pobres já precisam de uma organização de Direitos Humanos para defendê-los.

Tribuna Independente – A Anistia Internacional divulgou, no último dia 5, relatório que aponta morte de 58 defensores dos Direitos Humanos no país, entre janeiro e agosto deste ano. Como o senhor vê a questão da violência contra quem atua nessa área, há criminalização e associação a “defensor de bandido”?

Jonas Cavalcante – A violência contra os defensores dos Direitos Humanos não é fruto de ódio, normalmente. Ela ocorre porque os defensores dos Direitos Humanos denunciam as violações. Então, esse tipo de violência é feito por pessoas com longa ficha de crimes e acaba sendo até previsível. Se sabe de onde vem. A gente tem no Brasil os programas de proteção à vítima e testemunha; de proteção à criança e adolescente; e aos defensores dos Direitos Humanos. Agora, a gente percebe um esvaziamento desses programas. Vários estados têm saído desses programas e colocando em risco a vida dos defensores dos Direitos Humanos, que se expõem fazendo denúncias. Isso é um problema grave.

Tribuna Independente – E esses estados têm saído por quê?

Jonas Cavalcante – Esses programas são gerenciados pela sociedade civil. É a mesma lógica das denúncias de violações aos Direitos Humanos. O problema é que estas entidades não recebem o suporte necessário para executarem os programas e não dão conta da demanda. Como é que você corre risco, inclusive, de criminalização das entidades... Sinto que existe certo descaso com essa questão da proteção. Acho que não está sendo prioridade, por parte do poder público, a proteção nesses casos de exposição e de risco de morte. O tipo de violência que se tem combatido é outro. Essa que a gente sente na rua, cujo combate não deixa ninguém mais seguro. Agora, essa violência, previsível, porque tem alvos certos a gente tem sentido dificuldade de política pública.

Tribuna Independente – E em Alagoas, sua avaliação é que o Estado está no mesmo nível de violação aos Direitos Humanos que o restante do país?

Jonas Cavalcante – Cada localidade possui seus desafios para proteção dos Direitos Humanos. Não gosto desse tipo de avaliação de mais ou de menos. A gente tem problemas graves de violação dos Direitos Humanos em Alagoas que precisam ser tratados. Temos um dos maiores índices de extermínio da juventude negra, de moradores da periferia, um dos maiores índices de LGBTfobia e de feminicídio. A gente tem a questão do campo, onde há muitas violações nas relações de trabalho. Uma grave questão urbana, que é a expulsão de pessoas de suas casas por causa da ação da especulação imobiliária. Tivemos o caso da Vila dos Pescadores [Jaraguá, em Maceió] que, no meu entendimento, foi uma violação grave aos Direitos Humanos, inclusive, à liberdade religiosa. A própria questão da liberdade religiosa também é um problema, pois já temos mais de cem anos da ‘Quebra de Xangô’ [1912, em Maceió], e ainda não se teve a devida reparação. Temos uma lista muito grande de problemas relacionados aos Direitos Humanos em Alagoas.