Política

“Reforma política é tema caro no país”

Cientista político Ranulfo Paranhos considera que todo presidente tem necessidade de mudar sistema eleitoral brasileiro

02/09/2017 08h29
“Reforma política é tema caro no país”
Reprodução - Foto: Assessoria

O Congresso Nacional está envolto, há algum tempo, com a discussão da reforma política. Entre os itens apresentados há a troca de modelo eleitoral – com destaque para o distritão –, a criação de fundo eleitoral para financiar campanhas, e até a troca de regime de governo para o parlamentarismo. O debate tem gerado dúvidas e questionamentos. Sobre isso, a Tribuna Independente entrevistou o cientista político Ranulfo Paranhos, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Para ele, a reforma política é um tema “caro” e mudar o regime de governo, agora, é casuísmo. Além disso, é preciso reduzir a quantidade de partidos políticos no Brasil.

 

Tribuna Independente – Como você está vendo as propostas que têm surgido dessa atual discussão da reforma política no Congresso Nacional?

Ranulfo Paranhos – Primeiro que é uma reforma politica que desde o Fernando Henrique que a gente tenta. O Bresser Pereira chegou a conseguir passar uma reforma administrativa, mas a política não. O governo Lula também tentou. Todo o presidente que entra quer passar uma reforma política, mas ela tem um custo muito alto. Por quê? Porque você primeiro muda o sistema ou muda o financiamento de campanha, que a gente sabe que vai entrar na pauta no próximo ano, na medida em que mudar o presidente do TSE [Tribuna Superior Eleitoral]. Ou seja, a reforma política em relação ao financiamento de campanha acabou? Não, não acabou. O próximo presidente, que é o (Luiz) Fux, disse que vai colocar na pauta do Tribunal porque é a favor do financiamento corporativo de campanhas eleitorais. O que, do que está em discussão, pode ser considerado avanço ou retrocesso? Não consigo entender como avanço acabar com as coligações porque ela é criada para dar sustentação a partidos pequenos. Ou seja, se eu eu tenho um conjunto de partidos pequenos, alinhados ideologicamente, e formam uma coligação, está ok. Qual o problema das coligações? Os partidos não alinhados, o que faz com que um se aproveite do outro. Detalhe: o último estudo realizado sobre partido e eleição aponta que quem se beneficia desses votos são os partidos grandes. E muito mais que o pequeno. A justificativa para acabar com as coligações é reduzir a quantidade de partidos. Não se reduz quantidade de partido acabando com coligação e sim criando cláusula de desempenho.

Tribuna Independente – Mas a cláusula de barreira não prejudica os partidos pequenos, mas que possuem caráter ideológico?

Ranulfo Paranhos – Sim, mas aí você teria partidos mais consolidados e que têm link com a sociedade. Se o partido tem link, tem representação na sociedade, ele vai procurar uma forma de se manter. Outra forma de fazer isso é a fusão com outras legendas ideologicamente semelhantes. O melhor exemplo é: por que a gente tem Rede, PV e PEN? Eu não preciso de três partidos com a mesma plataforma que é a defesa do meio ambiente. Quando você olha para o sistema partidário brasileiro e vê três partidos com a mesma bandeira se vê que tem erro. Porque os partidos no Brasil têm um caráter muito mais personalista do que ideológico. Tem partidos ideológicos? Tem. Não há como negar isso.

Tribuna Independente – O modelo eleitoral não ajudaria a educar as pessoas a votarem em agendas políticas, em programas, como por exemplo, o voto em lista? O distritão é a personificação total, ou não?

Ranulfo Paranhos – Total. A ideia é você criar a cláusula de desempenho e ela automaticamente reduzir a quantidade de partidos e os pequenos fazerem fusão, e 0daí surgiriam legendas mais homogêneas do ponto de vista ideológico. O sistema de voto em lista depende de plataformas ou de agendas permanentes. Ou seja, o partido tem uma agenda que você possa, ao votar no candidato identificar o partido e vice-versa. É assim que funciona nos países com sistema partidário mais consolidado. Na Inglaterra eu sei que seu eu votar no partido trabalhista, eu conheço a plataforma e a lista é fechada. Por que isso? Porque ali o partido está muito bem identificado com a sociedade. O partido tem de ser muito maior que o candidato. Poucos partidos no país hoje têm ou estão perto disso. O PT ainda é um partido com identificação ideológica. O PSDB passou um tempo envergonhado, pós Fernando Henrique Cardoso, mas volta a criar essa identificação ideológica. O DEM tem medo de apresentar a cara e dizer que é de direita. Dizer que é de direita, aliás, no Brasil parece que é um palavrão.

Tribuna Independente – Mas [a direita] está voltando...

Ranulfo Paranhos – Ainda envergonhada. Isso é um processo histórico. A ditadura militar foi classificada como de direita. Então, ninguém quer ser de direita para não ser associado àquele período. Mas o DEM, hoje, começa a mostrar a cara: ‘nós somos conservadores’. É natural que você tenha partido conservador. Não existe um sistema onde todo mundo é socialista, de esquerda. Porém, no Brasil isso virou quase que uma unanimidade. Tem um estudo feito com os manifestos dos partidos no Brasil. Todos eles guinaram à esquerda [pós ditadura]. Inclusive o PP – e até o DEM – porque aquilo que o manifesto está dizendo não é a prática real do partido. Quando se analisa partido no Brasil por manifesto não funciona, mas tem de funcionar. Nós avançamos enquanto democracia, isso é uma das variáveis, é quando os partidos ganham força, autonomia e representação com a sociedade. Eu diminuo a quantidade de partidos e eles passam a serem maiores que os candidatos, mas o modelo distritão não ajuda em nada disso.

Tribuna Independente – Como o senhor vê a questão do fundo partidário? Fala-se muito no valor, mas pouco no instrumento em si.

Ranulfo Paranhos – O que se fala é de R$ 3,6 bilhões e isso até saiu de pauta. Esse valor é muito? Não. Quando se distribui pelo país para fazer campanha isso não é nada, se comparado com o que se vem fazendo. Entretanto, no momento atual, onde o discurso é de dizer ‘vamos cortar na carne’, nós não temos ‘gordura’ econômica para queimar com fundo partidário. Agora, por que há essa discussão? Porque se proibiu o financiamento corporativo. Não lembro se foi a Carmem Lúcia [presidente do Supremo Tribunal Federal, STF] ou a Rosa Weber [ministra do STF] que disse que empresa não vota, então não pode financiar. Eu não vejo dessa forma. Eu acho que se a empresa – que não tem vontade, quem tem vontade é quem tá dentro da empresa, seu dono – quer financiar campanha a regra deve permitir. Até porque ela já existia: 10% do rendimento bruto do ano anterior. Mas qual é a proposta mais acertada sobre isso? Salvo engano é uma do Cristovam Buarque [senador DF], que diz que uma empresa que financiar um candidato ou partido só pode fazê-lo com aquele. Ou seja, não se pode financiar todo mundo, como fez a JBS ou a Odebrecht.