Política

"Portaria do TJ é pleito da OAB-AL", diz defensor público-geral

Contratação de advogados dativos requer cautela para não criar um sistema paralelo de assistência judiciária gratuita

Por Tribuna Independente 19/08/2017 16h24
'Portaria do TJ é pleito da OAB-AL', diz defensor público-geral
Reprodução - Foto: Assessoria

Com 69 membros, a Defensoria Pública do Estado de Alagoas vive seu momento de maior evidência, ainda aquém das demandas que lhe são impostas, e em expansão. Criada em 2003, a instituição tem ações de destaque e sua maior intervenção está na área penal, com destaque no sistema prisional. Contudo, o Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL) publicou portaria para contratar advogados dativos para atuarem como defensores em 24 comarcas do estado. Sobre esses temas, a Tribuna Independente conversou com Ricardo Melro, defensor público-geral do Estado. Para ele, a portaria do Judiciário é apenas para atender um pleito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e não se atém à boa prestação desse tipo de serviço ao cidadão.  

Tribuna Independente – O TJ-AL publicou portaria para vagas de advogados dativos para atuarem como defensores públicos em 24 comarcas do estado. O efetivo da Defensoria Pública atende à demanda?

Ricardo Melro – Essa portaria foi precipitada e feita por doze juízes novos que atenderam a um pleito da OAB-AL [Ordem dos Advogados do Brasil, seccional alagoas]. Numa visita técnica que eles fizeram aqui, e na OAB, e lá houve esse pleito e eles atenderam, mas sem o conhecimento da situação. Para você ter ideia, das 24 comarcas listadas na portaria, nove têm defensor público. A jurisprudência já diz que nomear advogado dativo para comarca em que há defensor é ato nulo. Na realidade, a Defensoria Pública não está presente em 19 comarcas do estado. Temos de ter cuidado para não criarmos um sistema paralelo de assistência judiciária gratuita. Isso não é bom para o cidadão. A Defensoria de Alagoas está crescendo e o concurso está aberto para 15 vagas e a prova ocorrerá em novembro. Acreditamos que até o mês de junho do ano que vem, as nomeações serão efetivas. Assim, até o final de 2018 todo o estado – no regime de acumulação, como os magistrados e os promotores – os defensores públicos estão em todas as comarcas.

Tribuna Independente – Mas esse regime de acumulação é o ideal?

Ricardo Melro – O ideal era que tivesse um juiz, um promotor e um defensor por comarca, mas a gente está num estado que também precisa de professores, policiais e engenheiros. Então, dentro do possível e com um sistema virtualizado você consegue analisar os autos e fazer as petições imediatamente. Então, dá para prestar esse serviço à população. Agora neste momento, por exemplo, em relação às 19 comarcas, todos os juris em que somos notificados para fazer, nós fazemos. Todos os juris em que somos notificados para fazer, nós fazemos. Então, mesmo nessas comarcas sem defensor, basta o juiz notificar que o defensor comparece e faz todos os atos processuais que se precisa, até porque a virtualização contribui para isso. Fala-se também que o acúmulo impede a presença do defensor diariamente nas comarcas, o que poderia configurar que a Defensoria não suficientemente organizada. Ora, juízes e promotores também acumulam e não estão diariamente nesses locais e essas instituições não estão suficientemente organizadas?

Tribuna Independente – Então há alternativas à contratação dos advogados dativos?

Ricardo Melro – Tem. Hoje, e isso é sabido, temos uma enxurrada de profissionais todos os anos porque temos muitas faculdades de Direito e o mercado não consegue absorver esses profissionais. E nessa impossibilidade de não se acomodar no mercado, se vê no erário uma forma de suprir essa demanda. Se a OAB tivesse preocupação com a prestação jurisdicional ou com o jurisdicionado, ela viria ao encontro da Defensoria Pública para, se fosse o caso, criar mais cargos de defensor para proteger esse cidadão. O custo que essas contratações de dativos podem causar ao erário, inclusive ao Funjuris [Fundo Especial de Modernização do Poder Judiciário], porque há quem defenda que o pagamento aos advogados dativos saia desse fundo, é de R$ 1.396.000 por ano. Isso somente se contar dois juris por mês e nas 19 comarcas sem defensor.

Tribuna Independente – Na área penal, como tem sido a atuação da Defensoria Pública?

Ricardo Melro – Temos um programa chamado “Defensoria no Cárcere”, criado em 2014, que funciona mensalmente em todas as unidades do sistema prisional. De modo que não há como que qualquer problema no sistema, como em outrora e de forma injusta, imputar à Defensoria. Hoje não tem ninguém, que não tenha advogado, sem pedido de liberdade nos processos. Isso está claro para o Judiciário, OAB, Ministério Público. Esse programa abrange todas as unidades do sistema, de forma permanente, em regime de mutirão com peticionamentos constantes. Além disso, uma lei federal de 2010, diz que o auto de flagrante delito deve ser encaminhado não só ao juiz ou promotor, mas também para a Defensoria. Então, toda prisão que é feita a Defensoria tem de ser comunicada e assim, imediatamente, entra no processo com os devidos pedidos de defesa, como Habeas Corpus. Também fomos ao CNJ [Conselho Nacional de Justiça] para instalar em Alagoas a audiência de custódia, para ouvir o preso para saber se é necessário mantê-lo preso.

Tribuna Independente – Qual a avaliação que o senhor faz das condições dos reeducandos?

Ricardo Melro – A gente tem de lutar para garantir que aquelas pessoas voltem melhor para a sociedade. No Brasil não há pena de morte nem prisão perpétua e em algum momento eles vão voltar. Para mim, e digo isso sem pestanejar em qualquer lugar, a pior unidade era a Casa de Custódia, que ficava no Jacintinho e que foi interditada. A Defensoria trabalhou nesta interdição e para recuperá-la. O governador concordou e agora está em reforma.  Lá não tinha pátio. O cidadão ficava trancado numa celinha por  24h. Lá não tinha refeitório, o chão era a cama e a cadeira a mesa. Na cela tinha uma latrina aberta. Parecia os filmes sobre a Idade Média, um calabouço.

Tribuna Independente – A Idade Média também é chamada da Idade das Trevas por algumas razões, entre elas esse tipo de trato...

Ricardo Melro – Exatamente. E aí a Defensoria, nessa área, tem uma atuação que chamo de “contra-majoritária”. Por que a defesa da saúde, da educação, do consumidor, vai com a opinião pública favorável. Mas nessa área criminal, se for depender da voz comum, você coloca todos esses presos num ginásio de esportes para atear fogo. A gente vai contra a vontade popular nessa área. Contudo, todo cidadão pode ser preso um dia. Estudiosos afirmam que todos são criminosos passionais em potencial. Uma briga de trânsito; numa cervejinha que se tomou imprudentemente, ficou detido e teve de ir para um depósito de gente, como este que me referi. Quem pode contratar um advogado, ele vai lá para fazer a defesa, tirar o cidadão da cadeia e a família vai cuidar para que ele nunca mais se desvie do caminho. Mas, para quem não pode contratar um advogado, quem faz a defesa é a Defensoria Pública. Inclusive, quando os policias são acusados de qualquer crime, a Defensoria quem faz a defesa. Além do mais, algumas pessoas falam que, na área criminal,  o Ministério Público está do lado da sociedade e a Defensoria do bandido. Mas e quando esse suposto bandido é inocentado, de que lado está a Defensoria? Não é interesse da sociedade que um inocente vá para a cadeia. E não se engane. Há muitos casos de absolvição.