Política
Advogado da Odebrecht que escapou da Lava Jato fala pela primeira vez
Rodrigo Tacla Durán diz que empresa lhe ofereceu pagar 15 anos de salário para ele aceitar delação
Rodrigo Tacla se transformou em uma bomba-relógio. Em um dos homens mais temidos pelos presidentes e altos funcionários da América Latina. Aos 44 anos, este advogado conhece bem os segredos da Odebrecht, a gigante brasileira da construção que abalou as estruturas políticas do continente depois de confirmar o pagamento de subornos milionários a Governos de 12 países. Até 2016, Tacla trabalhou como advogado do Departamento de Operações Estruturadas da empresa, a hermética unidade de negócios especializada em comprar vontades. Campanhas eleitorais, presentes, festas, prostitutas... Tudo valia para afagar os políticos. Como contrapartida, presidentes e chefes de Estado correspondiam com contratos de obras públicas, principal fonte de receita da maior construtora da América Latina. Um colosso com 168.000 empregados e tentáculos em 28 países.
O EL PAÍS localizou em Madri esse advogado de nacionalidade hispano-brasileiraque foi preso em novembro por ordem do juiz de Curitiba, estrela da Operação Lava Jato, Sérgio Moro. Depois de passar 72 dias na prisão de Soto del Real –acusado de suborno e lavagem de dinheiro–, encontra-se em liberdade provisória. Tacla será julgado na Espanha depois que um tribunal superior do país rejeitou o pedido de extradição feito para que voltasse a seu país natal, Brasil. O advogado só tem nacionalidade espanhola desde 1994, porque seu pai e avô eram galegos.
A Justiça brasileira pede sua extradição por supostamente lavar mais de 50 milhões de reais a pedido da empresa. E a Odebrecht afirma que o contratou para lavar as comissões ilegais. Tacla nega. Argumenta que só prestou serviços. E que conheceu os esgotos da empresa porque “avaliou riscos” como advogado naqueles países onde a construtora comprou dezenas de políticos.
O advogado, que está colaborando com o Departamento de Justiça dos EUA e a Procuradoria anticorrupção espanhola, revela em sua primeira entrevista os pontos-chave do maior escândalo da América. Uma bomba política carregada de metralha que já afeta os presidentes Michel Temer (Brasil), Juan Manuel Santos (Colômbia) e Danilo Medina (República Dominicana), e os ex-mandatários Ollanta Humala (Peru) e Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil).
Pergunta. Você foi preso em um hotel em Madri em 18 de novembro de 2016, dois dias após desembarcar na Espanha. Foi detido por ordem do juiz Sérgio Moro que o acusa de suposto delito de suborno, lavagem de dinheiro e de integrar uma organização criminosa, por que veio para Madri?
Resposta. Não fugi do Brasil. Cheguei a Madri para participar da inspeção do Ministério da Fazenda nas minhas duas empresas espanholas. Depois da explosão do caso Odebrecht, as autoridades brasileiras e a construtora tentaram me pressionar para ser parte do acordo, um documento que assinaram 78 diretores da empresa e que significou reconhecer crimes em troca de uma redução da sentença e uma multa. No meu caso: seis meses de prisão domiciliar com tornozeleira, serviços comunitários e uma multa de até 44 milhões de reais. Odebrecht se ofereceu para me pagar 15 anos de folha de pagamento, se eu aceitasse o acordo. Neguei por uma questão de princípios. Enquanto falava com o Departamento de Justiça em Washington, o Brasil exigiu minha prisão em julho e setembro de 2016. Os EUA, no entanto, não me prenderam. Não quero trair ninguém.
P. A Audiência Nacional (tribunal espanhol para crimes especiais) decidiu não extraditá-lo ao Brasil, por que quer ficar na Espanha?
R. Os promotores do Brasil querem que eu reconheça crimes que não cometi. Não respeitaram meus direitos como advogado. Além disso, também querem atribuir crimes por informações que obtive na minha condição de advogado. Estão me atribuindo delitos sem provas, com base em declarações. Não houve nenhuma investigação policial.
P. Como a Odebrecht atuava?
R. A construtora arranjava tudo pagando. Distribuía comissões ao funcionário mais baixo da Administração e ao chefe de Estado. O primeiro contato era estabelecido na campanha eleitoral. A Odebrecht arcava com os gastos do marketing político dos candidatos. Tinha um acordo com o publicitário João Santana [responsável pelas bem-sucedidas campanhas dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff]. A construtora sugeria depois as obras que seriam incluídas nos planos do Governo.
P. O político devolvia o favor quando chegava ao poder...
R. Sim. O dirigente incluía em seu plano de Governo as obras que interessavam à Odebrecht. A construtora, em alguns casos, assessorava os países sobre como conseguir financiamento por meio de órgãos como o Banco Mundial ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
P. Quantos funcionários, candidatos e presidentes a Odebrecht subornou?
R. Mais de 1.000. Através da empresa, receberam desde gerentes de empresas públicas a chefes de Estado. Somente no Brasil há 500 pessoas afetadas. E existem políticos e altos funcionários brasileiros cujos nomes ainda não apareceram.
P. A Odebrecht pagou em 2016 a maior multa da história –-8,25 bilhões de reais– aos Governos do Brasil, Suíça e EUA para poder voltar a se candidatar a licitações públicas. A construtora reconheceu com este acordo que desde 2001 distribuiu subornos em 12 países. Consta a existência de mais Estados implicados?
R. Sim. Por exemplo, a empresa desembolsou 11 milhões de reais em janeiro de 2016 ao primeiro-ministro de Antígua e Barbuda, Gaston Browne. [O EL PAÍS tentou sem êxito contactar Browne. O primeiro-ministro de Antigua e Barbuda negou a meios locais ter recebido propina da Odebrecht]. O pagamento foi feito por intermédio do diplomata desse país Casroy James. E contou com o aval do vice-presidente jurídico da Odebrecht, Maurício Ferro. O dinheiro tinha por objetivo evitar que Antígua e Barbuda comunicasse às autoridades judiciais do Brasil as movimentações no Meinl Bank, uma instituição local adquirida pela Odebrecht e que foi utilizada para a lavagem de recursos dos subornos.
Embora Browne tenha recebido 11 milhões, a operação custou à Odebrecht 39 milhões. A maior parte desse dinheiro acabou no bolso de vários diretores da construtora e do Meinl Bank. A decisão [do suborno de Browne] foi adotada em setembro de 2015 durante uma reunião no Hotel InterContinental de Madri da qual eu mesmo participei.
P. Pode explicar qual era a missão desse pequeno banco de Antígua e Barbuda comprado pela construtora?
R. O Meinl Bank era uma fachada nesse paraíso fiscal do Caribe, tinha só três empregados em um pequeno escritório. Sua sede em São Paulo estava no Consulado. Era o centro nevrálgico de onde se faziam os pagamentos irregulares. Daí se transferia dinheiro a outros bancos, como a Banca Privada de Andorra (BPA), uma instituição fechada em 2015 por corrupção. Mediante pagamentos internos se evitava deixar rastro e escapar das digitais dos fundos quando se inclui o Swift (código de transferência internacional).
P. Que papel desempenharam na estrutura de lavagem a Banca Privada de Andorra (BPA) e sua filial na Espanha, o Banco Madrid?
R. A BPA era o banco encarregado dos pagamentos finais. A Odebrecht abria contas nessa instituição em nome de Pessoas Politicamente Expostas (PEPs), que é como se denominam os cargos públicos suscetíveis de lavar dinheiro. A construtora ordenava transferências ao BPA de seu banco em Antígua e Barbuda. Depois, o dinheiro no BPA era transferido através de movimentações internas –alheias aos registros– até as contas dos beneficiários.
P. Quanto a empresa gastava por ano em propina?
R. Cerca de 960 milhões de reais. Era movimentado em dinheiro por meio de contas em paraísos fiscais e transferências internacionais. A construtora, por segurança, nunca pagava nos países de origem do beneficiário. E usava o Meinl Bank para enviar fundos a Pessoas Politicamente Expostas (PEP). Assim se fez chegar dinheiro a Michelle Lasso, uma pessoa próxima ao presidente do Panamá, Juan Carlos Varela.
P. Quem idealizou o esquema de lavagem de dinheiro? Quem era o cérebro?
R. Não há um cérebro. Há um banco como cérebro: o Meinl Bank de Antígua e Barbuda. O funcionário do Departamento de Operações Estruturadas (o escritório que distribuía os subornos), Luiz Eduardo da Rocha Soares, idealizou o sistema. Ele foi também o responsável pela compra do Meinl Bank. Havia dois diretores da construtora que eram acionistas dessa entidade em Antígua e Barbuda sem que a empresa soubesse, o próprio Rocha Soares e Fernando Migliaccio.
P. Quantas empresas a Odebrecht manejava em paraísos fiscais?
R. Mais de uma centena. Eu cheguei à construtora em 2011. Mas a estrutura já existia desde 2006.
P. O presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, foi condenado a 19 anos de prisão. Junto com ele, 77 executivos da empresa colaboraram com o Ministério Público do Brasil em troca da redução de suas penas. A Odebrecht admitiu o pagamento de 2,5 bilhões de reais em subornos. Esse número está correto?
R. Não. Um ex-diretor do Meinl Bank declarou que essa instituição movimentou 8,15 bilhões de reais. E esse banco trabalhava exclusivamente para a Odebrecht. Não tinha clientes normais.
P. Por que a Odebrecht aceitou um acordo que implicava a admissão de culpa?
R. Porque havia muita pressão por parte dos funcionários. Se os diretores não tivessem feito o acordo, os trabalhadores o teriam feito individualmente. E a empresa não teria controlado o processo.
P. Foram pagos subornos em espécie?
R. Sim. Em 2014 a Odebrecht tentou dar um avião ao ex-presidente Panamá, Ricardo Martinelli. O político recusou. A empreiteira queria agradar Martinelli e o candidato do seu partido (o governista Mudança Democrática), que disputava as eleições gerais de 2014, José Domingo Arias, o Mimito.
A Odebrecht também organizava festas. E mandava mulheres do Brasil para festas com políticos no Panamá e na República Dominicana. Era a maneira de a empreiteira manifestar sua gratidão. Mas isso também se tornou uma chantagem...
P. Eram feitas fotos nessas festas?
R. Sim. E eram guardadas. O executivo da Odebrecht no Panamá, André Rabello, sabia como usar essas fotos. Rabello também lidava com informações sobre as esposas e as relações extraconjugais dos políticos panamenhos. A empreiteira dava presentes às esposas destes. Participei de uma reunião na qual Rabello disse que tinha a confirmação do presidente do Panamá, Juan Carlos Varela, de que o país não iria responder às solicitações da Justiça do Brasil [sobre o caso Odebrecht].
P. A Odebrecht sabia que as esposas e as amantes dos políticos recebiam subornos?
R. Sim. A empreiteira resolvia a vida financeira das esposas dos políticos. Especialmente a das ex-mulheres.
P. No Brasil, a Odebrecht admitiu o pagamento de 1,12 bilhões de reais em subornos para obter contratos de obras no valor de 1,6 bilhões durante as presidências de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff...
R. O montante foi muito maior. A empresa gastava 481 milhões de reais por ano em propina. O pagamento era feito em espécie ou por meio de transferências. Até o porteiro recebia. Os subornos respingaram em todos os partidos. De direita, de esquerda... Do Governo, da oposição... E não há somente políticos entre os beneficiários... A empresa apostava. Por exemplo, na disputa entre Lula e Dilma, a Odebrecht preferiu Lula.
P. A empresa confirmou que na Colômbia pagou 37 milhões de reais em subornos para conseguir contratos no valor de 159 milhões entre 2009 e 2014. O montante está correto?
R. Não conheço em profundidade o caso da Colômbia, como tampouco tenho detalhes da situação na Argentina, Peru, Venezuela ou Guatemala. Mas os números da Colômbia reconhecidos pela empresa são muito baixos. Não acredito que a Odebrecht tivesse uma estrutura no país por causa de apenas 159 milhões de reais.
P. E no Equador, a empreiteira admitiu ter destinado 107 milhões de reais para propina ilegais para obter contratos no valor de 370 milhões durante o mandato do presidente Rafael Correa (2007-2017). Quais políticos equatorianos estão envolvidos?
R. Acabo de responder na Espanha a uma comissão rogatória –pedido de auxílio judicial entre Estados– do Equador. Informei que o ex-ministro de Eletricidade do Governo de Rafael Correa, Alecksey Mosquera, que foi preso pelo caso Odebrecht, recebeu uma comissão de 3,22 milhões de reais por meio da Banca Privada de Andorra (BPA), onde teve uma conta. Desconheço porque Mosquera recebeu essa comissão.
P. O que nos pode dizer sobre o México?
R. Que a Odebrecht acreditava que o presidente do México seria o ex-diretor geral da companhia petrolífera estatal Petróleos Mexicanos (Pemex), Emilio Lozoya Austin. E gostava da ideia. A empreiteira tinha muito interesse em Lozoya.
P. A Odebrecht admitiu que pagou 189 milhões de reais em subornos a funcionários do Governo no Panamá entre 2010 e 2014, o número está correto?
R. A quantia é maior. A empresa arcou com as despesas dos principais candidatos às eleições gerais panamenhas de 2014: o situacionista José Domingo Arias e seu adversário, o atual presidente Juan Carlos Varela. Apostou nos dois. A empreiteira também pagou 3,7 milhões de reais a dois fornecedores de uma empresa de rum de propriedade de Varela. O pagamento foi feito através de uma conta no HSBC em Hong Kong. Quando Varela era vice-presidente (2009-2014), foi enviado dinheiro a Michelle Lasso, uma pessoa ligada ao político que tinha uma conta no banco da Odebrecht em Antígua e Barbuda. A empreiteira ficou assustada porque Lasso teve um problema de negócios nos EUA e temia que fosse investigada.
P. A empreiteira reconheceu o pagamento de 296 milhões de reais em comissões ilegais na República Dominicana, onde conseguiu contratos no valor de 526 milhões. Quem se beneficiou desses subornos?
R. A Odebrecht tinha uma relação muito próxima com o presidente da República Dominicana, Danilo Medina. E recomendou a Medina o publicitário João Santana. Além disso, Marcelo Odebrecht, presidente da empreiteira, decidiu mudar o departamento de Operações Estruturadas (o escritório que pagava os subornos) de São Paulo para Santo Domingo em 2015. O objetivo era ter maior controle contra possíveis operações policiais e investigações.
P. O senhor já recebeu ameaças nos EUA ou na Espanha?
R. Sim, por telefone e pelas redes sociais. Exigiam que me calasse. Minha mãe também foi ameaçada. Denunciei essa situação às autoridades da Espanha e dos EUA. [Tacla mostra uma mensagem de WhatsApp da mãe com o seguinte: texto: “Filho, estou sendo ameaçada por telefone. Eles dizem que te amarraram. Que é um assalto. Que querem joias, dinheiro para te libertar... São três horas da manhã..."].
P. O senhor acredita que altos funcionários e governantes da América Latina temem sua confissão?
R. Sem dúvida. Meu depoimento pode afetar muita gente poderosa no mundo.
"Nunca paguei políticos"
Rodrigo Tacla enfrenta a acusação de ter lavado mais de 44 milhões de reais em cinco anos para a Odebrecht. De acordo com dois diretores da empresa brasileira UTC, envolvida no chamado caso Petrobras, o advogado criou uma constelação de empresas para lavar os fundos da construtora que acabavam em subornos.
Tacla diz que pode esclarecer até o último centavo de seu patrimônio. E, como exemplo, indica que está colaborando com as autoridades suíças para justificar suas contas naquele país. Acrescenta que seu principal depósito, 48 milhões de reais em uma empresa de Cingapura, é produto da venda de uma empresa de telefonia. E diz que recebeu da Odebrecht, em seis anos, 28 milhões de reais pelos seus serviços como advogado.
P. Qual o papel que desempenharam suas nove empresas no pagamento de comissões?
R. Nenhum. Nunca paguei a políticos. Jamais
P. Uma de suas empresas na Espanha, Vivosant, recebeu em 2010 um total de 37 milhões de reais de uma empresa ligada à Odebrecht através do banco Pictet de Cingapura. O que tem a dizer sobre isso?
R. É falso. Essa quantia corresponde à venda de uma empresa de telefonia. Já apresentei os detalhes do pagamento para a Promotoria Anticorrupção espanhola.
P. A empresa assegura que você foi contratado para uma missão: evadir capitais.
R. A Odebrecht diz que eu me dedicava a transformar fundos em dinheiro. Nunca retirei dinheiro em espécie.
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