Política
Delator afirma que Temer recebeu R$ 15 milhões e "guardou 1 milhão no bolso"
Ricardo Saud, da JBS, disse que repasse foi feito a pedido do PT para financiar campanha de Temer, então vice de Dilma
Procurada, a assessoria de Temer respondeu: "O presidente não pediu nem recebeu dinheiro ilegal."
Os detalhes estão em um vídeo de 23 minutos, que faz parte do material divulgado à imprensa nesta sexta-feira (19) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e baseia um dos inquéritos que apuram atos ilícitos de políticos.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Edson Fachin determinou a abertura de inquérito para investigar Temer, o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) e o deputado afastado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) por corrupção passiva, obstrução à Justiça e organização criminosa.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirma que Temer e o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) agiram "em articulação" para impedir o avanço da Lava Jato.
'Só o Temer e o Kassab'De acordo com Saud, além de Temer, Gilberto Kassab, que deixou o governo Dilma em abril de 2016 e passou a apoiar o impeachment da petista, e hoje é ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, também usou dinheiro de caixa 2 de campanha em proveito próprio.
"Eu já vi o cara pegar o dinheiro da campanha e gastar na campanha. Agora, ganhar um dinheiro do PT e guardar pra ele no bolso dele, eu acho muito difícil. Aí, ele e o Kassab fizeram isso. Só o Temer e o Kassab guardaram o dinheiro pra eles usarem de outra forma", afirmou ele.
O ministro Kassab informou, via assessoria, que "as apurações em andamento são importantes para o país e devem continuar como determina a legislação." "Com relação às menções a repasses durante o processo eleitoral em 2014, cabe apontar que não houve 'negociação do partido' e as doações recebidas foram registradas junto à Justiça Eleitoral. O ministro sempre pautou sua conduta pelo cumprimento à legislação."
No depoimento, o delator diz que Temer negociou o valor junto ao PT e que os R$ 15 milhões foram repartidos em diversas frentes: R$ 9 milhões teriam sido pagos em cinco parcelas ao PMDB nacional, como "propina dissimulada em forma de doação oficial"; R$ 3 milhões teriam sido entregues a um intermediário do ex-deputado Eduardo Cunha em um posto de gasolina no Rio de Janeiro; e R$ 2 milhões teriam sido repassados a Duda Mendonça como parte do pagamento pela campanha de Paulo Skaf ao governo de São Paulo.
De acordo com Saud, o pagamento a Duda Mendonças foi "simulado como se ele tivesse prestado um serviço" para uma das empresas do Grupo JBS.
ArgeplanO R$ 1 milhão restante, que Saud afirma ter ficado com Temer, foi, segundo ele, entregue na sede da Argeplan Arquitetura e Engenharia, na Vila Madalena, em São Paulo. A empresa pertence a João Baptista Lima Filho, amigo de Temer, e já foi alvo de investigações da Operação Lava Jato.
Segundo Saud, "o Michel Temer fez uma coisa até deselegante. Porque nessa eleição só vi dois caras roubar deles mesmos. Um foi o Kassab, o outro o Temer. O Temer me deu um papelzinho, e falou: 'Ó, Ricardo, tem um milhão, que quero que você entregue em dinheiro nesse endereço aqui'. O Temer falou isso. Na porta do escritório dele, na calçada. Só eu e ele na rua. Na Praça Panamericana."
O diretor da JBS disse que enviou Florisvaldo Caetano de Oliveira, seu funcionário que realizava as entregas de dinheiro a político, até o local, para saber do que se tratava, e descobriu que era a sede da Argeplan.
"Até então, eu achava que esse dinheiro seria para o [José] Yunes [advogado e amigo de Michel Temer]." Saud disse ainda que Florisvaldo teria sido recebido pelo próprio Lima Filho, que teria pedido que ele retornasse dias depois e dito que só ele colocaria a "mão nesse dinheiro".
A partir do minuto 15', Saud descreve como Florisvaldo estacionou de ré na calçada para entregar o dinheiro, e mostrou fotos da fachada do imóvel, afirmando quem uma câmara de vigilância teria filmado o encontro.
Origem do dinheiroO dinheiro teria saído de uma conta que a JBS disse manter com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar a campanha do Partido dos Trabalhadores em 2014.
Segundo Saud, a "conta da propina" tinha R$ 300 milhões. No início do vídeo, ele explica que, em meados daquele ano, Guido Mantega teria solicitado a Joesley Batista, dono da JBS, que sacasse R$ 35 milhões para entregar a senadores do PMDB para garantir o apoio de todo o partido à reeleição de Dilma.
Perguntado por um procurador para nomear os senadores, o delator respondeu: "Eduardo Braga, Vital do Rêgo, Jader Barbalho, Eunicio Oliveira, Renan Calheiros, e tinha um milhão pra Kátia Abreu, mas esse um milhão a Kátia nunca recebeu, ficou pra eles lá."
Saud diz que esse grupo "estava jogando para fazer o Jucá presidente do PMDB nacional, Eunício presidente do Senado, Vital do Rêgo no TCU, Renan líder da bancada."
Reação de TemerSaud afirmou que "o PT agiu rápido" para impedir a debandada de senadores peemedebistas para a campanha do rival rival Aécio Neves, candidato do PSDB nas eleições de 2014. No dia 3 de julho de 2014, disse ele, Mantega fez uma solicitação a Joesley para que a JBS distribuísse o dinheiro entre o grupo.
O dono da JBS, então, decidiu relatar a história a Michel Temer. De acordo com o delator, Joesley teria dito: "Vamos fazer o seguinte? Isso aqui não tá passando por ninguém, pega esse bilhete e vai lá e conversa com o Temer."
A pedido de Joesley, Saud então esteve com Michel Temer em sua residência em São Paulo para assistir ao jogo entre Holanda e Costa Rica pelas quartas-de-final da Copa do Mundo de 2014. O jogo aconteceu no domingo seguinte, dia 5 de julho. De acordo com ele, Temer teria ficado "muito indignado" ao descobrir do esquema dos senadores do PMDB.
Ainda segundo o delator, o então vice-presidente teria pedido para que a JBS aguardasse "uma semana" para que ele reassumisse a presidência nacional do partido.
Isso aconteceu em 16 de julho de 2014, 11 dias após a suposta conversa. "Poderei ter protagonismo maior de natureza exclusivamente politica e não somente administrativa. Vamos percorrer o país para tentar fazer prevalecer o nosso PMDB", disse Temer na época.
Pedido de financiamentoEm agosto, Saud afirmou que teria tido novo encontro com o então vice-presidente, e que ele perguntou sobre o financiamento de sua própria campanha com dinheiro da "conta de propina" do PT.
"Aí ele [Temer] me perguntou: 'tá, e pra mim o que o PT mandou?' Eu falei 'ó, Temer, por enquanto não mandaram nada. O senhor vai lá conversar porque não tem nada aqui... Por enquanto não tem nada pro senhor. Acho que o PT tá entendendo que o senhor é vice, o senhor vai arrumar o dinheiro do senhor.' Ele falou: 'Não, uai. Eu entrei nisso aqui, já trouxe o PMDB inteiro, eles vão ter que me dar o dinheiro pra minha campanha.'", relatou Saud
No encontro seguinte, o delator afirma que Temer teria dito que combinou um valor com o PT.
"Nós estávamos ali no escritório político dele na Praça Panamericana. Ele me chamou e disse: 'Olha, Ricardo, o pessoal do PT vai mandar 15 milhões pra mim. Pra minha campanha. Tá tudo certo?' Eu falei: 'Nada, tudo errado. Eles não mandaram nada pro senhor até agora.' 'Mas não pode, eu tô lá esperando esse dinheiro, não sei o quê, como é que vou fazer com isso?' Eu falei: 'Não sei, eu vou conversar com o Joesley, vou pedir ao Joesley pra ver se está sabendo de alguma coisa pro senhor, porque não chegou nada.'
Em seguida, Saud diz que, em um encontro com Edinho Silva, prefeito de Araraquara (SP) pelo PT, ele descobriu que o valor que o partido queria destinar à campanha de Temer era de R$ 5 milhões, e disse que o vice-presidente teria definido que a quantia fosse três vezes maior. Edinho, então, prometeu analisar os valores. "Aí veio a ordem para dar os R$ 15 milhões pro Temer. Do PT para o PMDB, para a campanha do Temer", disse Saud.
Depois disso, Saud disse que teve mais um encontro com Temer, dessa vez no escritório da Vice-Presidência em Brasília, onde o atual presidente teria definido como gastaria os R$ 15 milhões.
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