Polícia

Joana morreu porque era mulher

Advogada da família da professora que foi brutalmente assassinada a facadas fala da importância de se discutir o feminicídio

Por Thayanne Magalhães 18/10/2016 11h55
Joana morreu porque era mulher
Reprodução - Foto: Assessoria

Joana de Oliveira Mendes foi morta de forma violenta no último dia 5 de outubro. A professora, de 34 anos, tinha dois filhos: um adolescente de 14 anos, fruto do primeiro casamento, e um menino de apenas 2 anos, fruto do seu relacionamento com o homem que tirou a sua vida, Arnóbio Henrique Melo.

A vítima teve seu rosto completamente desfigurado, comprovando que o autor do crime, que lhe deferiu 31 facadas, tinha o intuito, não só de tirar a vida, mas desfigurar a mulher. Destruir sua imagem.

A advogada que acompanha o caso, Andrea Carvalho Alfama, considera o brutal assassinato como um crime de ódio.

“Precisamos parar de rotular o feminicídio como crime passional. Esse termo sequer existe na legislação. Esse homem não agiu por emoção, não é louco, não surtou. Ele premeditou o crime. Ele é muito inteligente e articulado e já possui um histórico de violência doméstica contra Joana e outras mulheres”, afirma a advogada.

Arnóbio respondia por quatro acusações com base na Lei Maria da Penha. Segundo Andrea, a mãe da filha mais velha do acusado, a ex-mulher, uma prima – que sofreu ameaça de morte grávida de nove meses -, e Joana já o tinham denunciado.

“Joana morreu porque era mulher. O ex-companheiro é misógino, sente desprezo pela mulher, pela condição de mulher. A imprensa tem tratado o caso como crime passional e a justificativa que tentam abordar é a de que ele não aceitava o fim do relacionamento. Mas não é isso. Eu digo que ele possui um profundo desprezo pelas mulheres. Ele se sente superior por ser homem. Isso se percebe observando o histórico de violência que o indivíduo possui”.

Andrea conta que a delegada responsável pelo caso, Rebecca Cordeiro, já concluiu o inquérito, que foi remetido à Justiça.

“A grande preocupação a família é que Arnóbio seja solto. Foi decretada a prisão preventiva dele e, se o caso não for logo julgado, ele pode ser posto em liberdade. A gente quer que a Justiça entenda que Joana morreu pelo fato de ser mulher, pelo profundo desprezo que esse homem sente pelas mulheres em geral, e se ele for solto, irá cometer outros crimes”.

No dia em que foi preso, Arnóbio teria dito que não lembrava do que tinha acontecido durante o ataque à Joana.

“Ele é muito inteligente e articulado. De doido não tem nada. Ele premeditou o crime”, afirma.

No dia do crime, Joana pretendia que Arnóbio assinasse um documento para que ela pudesse sair do estado com o filho do casal em comum acordo.

“Acredito que ele tenha atraído Joana para assinar esse documento, mas, nenhuma pessoa civilizada vai ter uma conversa armado com uma faca e nem atrai o outro para uma rua deserta. Joana queria sair do estado exatamente para fugir desse ciclo de violência que ela vinha sofrendo. Queria começar uma vida nova”.

Ciclo de violência

Andrea Alfama destaca a cultura machista que ainda predomina o nosso país e principalmente o estado de Alagoas, o segundo estado mais violento para mulheres no país.

“É impressionante como nesses casos tentam de toda forma descontruir a imagem da vítima. Mas nada, absolutamente nada justifica uma atrocidade como essa cometida contra Joana ou contra qualquer mulher que seja. Essa questão a supremacia do homem sobre a mulher é cultural, secular. Uma cultura machista e nefasta e isso tem que de toda forma ser rechaçado”.

A advogada citou os exemplos de mulheres que sofrem estupros e muitas vezes ouvem que “provocaram” o seu agressor.

“O homem ainda se acha no direito de decidir sobre a vida das mulheres. E muitas vítimas de estupro ouvem que provocaram o criminoso porque usavam roupas curtas. Isso é abominável”.

No caso de Joana, segundo a opinião da advogada, a lógica do criminoso era a de que se a vítima não “lhe pertencesse, então ela não seria de mais ninguém”.

O casal estaria em processo de separação depois de terminar e se reconciliar algumas vezes.

“O que mais preocupa é a desconstrução do perfil da vítima. Querem justificar a monstruosidade cometida contra a mulher e a colocam no banco dos réus, mesmo quando ela nem está mais aqui para se defender”.

Andrea explica que Joana foi vítima de feminicídio íntimo, cometido pelo ex-companheiro.

“O feminicídio íntimo é cometido por aquelas pessoas que tenham convivência íntima, como marido, ex-marido, pai, imrão, tio. O não íntimo é cometido por homens com as quais a vítima não mantinha relação íntima, familiar ou de convivência”, explica.

A maioria dos casos como o de Joana já possui um histórico de violência. O relacionamento é mantido, mesmo com os abusos cometidos pelo homem.

“Esse tipo de relacionamento abusivo começa com a violência psicológica. O homem tenta diminuir a mulher, a chama-la de louca, e dizer que ninguém a suporta e em seguida, acontecem as agressões físicas. São abusos que vão sendo cometidos e infelizmente, muitos dos casos acabam em tragédia, porque a mulher perdoa a agressão. O homem promete que aquilo não irá se repetir, pede perdão e passa um tempo sem abusar da mulher. Mas depois repete. Eles sempre repetem os atos de violência”.

Andrea explica que o contexto da violência doméstica possui uma série de fatores, entre eles a dependência financeira da vítima, o medo, a vergonha de se expor.

“O Brasil é o terceiro país do mundo onde se mata mais mulheres. Maceió é a segunda capital do país. A taxa de mortes violentas de mulheres é muito alta e aumenta ainda mais dependendo da escolaridade, da estruturação familiar e classe social. As negras são a maioria das vítimas”.

Trazendo o caso de Joana à tona para o debate, Andrea Alfama espera que a história não caia no esquecimento e que esse não seja apenas mais um número para as estatísticas.

“Estamos fazendo de tudo para que o caso de Joana não caia no esquecimento. Para que outras vítimas se encorajem e denunciem seus agressores. Esse ciclo de violência, principalmente aqui no nosso estado, tem que ser interrompido. São números alarmantes, chocantes. Estamos buscando Justiça por Joana, pelos seus filhos e familiares e também para que outras mulheres não venham sofrer qualquer espécie de violência doméstica. Mas também e principalmente para que Arnóbio não seja solto”.

*Mapa da Violência 2015

Dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex.

Essas quase 5 mil mortes representam 13 homicídios femininos diários em 2013.

O Mapa da Violência 2015 revela ainda que, entre 1980 e 2013, 106.093 brasileiras foram vítimas de assassinato. De 2003 a 2013, o número de vítimas do sexo feminino cresceu de 3.937 para 4.762, ou seja, mais de 21% na década.

Homicídio de negras aumenta 54% em 10 anos

O Mapa também mostra que a taxa de assassinatos de mulheres negras aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. Chama atenção que no mesmo período o número de homicídios de mulheres brancas tenha diminuído 9,8%, caindo de 1.747, em 2003, para 1.576, em 2013.

Sobre o Mapa

O Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil foi elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), com o apoio do escritório no Brasil da ONU Mulheres, da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.

A série Mapa da Violência é um trabalho desenvolvido pelo pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz desde 1998 e que tem como principal fonte de dados para análise o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS).

Como o foco do Mapa 2015 é o estudo da violência letal contra a mulher e as declarações de óbito utilizadas como fonte para qualificar os homicídios não fazem referência aos autores da violência, a Flacso esclarece que foi necessário recorrer a fontes alternativas, como os registros de violências que, tendo as mesmas características e circunstâncias daquelas letais, não necessariamente levaram à morte da mulher agredida. O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, registra de forma compulsória desde a Lei nº 10.778/2003 os atendimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde diante da suspeita de violência contra as mulheres que demandam atenção médica no sistema.

Em um capítulo do estudo, apresenta-se uma análise sobre os atendimentos realizados pelo SUS em 2014, por UF, idade da vítima, agressores, tipos de violência, local da agressão, reincidências e encaminhamentos realizados.

*Fonte: http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/