Mundo

Travesti Dandara dos Santos é tema de trabalho em Universidade de Londres

Artista visual Nayara Leite é a autora da instalação apresentada na University of the Arts, na capital inglesa, que busca alertar para a homofobia e transfobia no Brasil; Assassinato de Dandara chocou o Brasil e repercutiu internacionalmente

Por G1 19/08/2017 09h00
Travesti Dandara dos Santos é tema de trabalho em Universidade de Londres
Reprodução - Foto: Assessoria

Morta em fevereiro deste ano e com vídeo da barbárie exposto na internet, a travesti Dandara dos Santos alertou o Brasil para a violência a gays, lésbicas, bissexuais, trans e travestis (LGBTs). Em maio, virou tema de obra de uma instalação na University of the Arts, em Londres. A autora do trabalho é a ativista e artista visual Nayara Leite, de 28 anos, cearense que faz mestrado em Fotografia Documental na capital da Inglaterra. O resultado do trabalho está disponível no site da artista.

Para a disciplina "Rethink" ("Repensar"), ela utilizou 136 fragmentos do vídeo do espancamento de Dandara, além do nome das 136 pessoas trans mortas no Brasil entre fevereiro de 2016 e fevereiro de 2017, segundo os números divulgados pela Rede Trans Brasil.

"O trabalho da Dandara foi muito desgastante. Eu passei horas e horas vendo notícias de morte, vendo quantas pessoas trans foram assassinadas, a causa da morte delas. Fiz uma instalação de arte, com um pôster com imagens que eu tirei do vídeo. Tinha um carrinho de mão, porque ela foi carregada no carrinho de mão e para mim ele é o símbolo-chave do vídeo. Dentro do carrinho de mão, eu enterrei fotos da Dandara com terra", afirma Nayara Leite ao G1.

"É como se fosse um ritual fúnebre que eu performei. Em cada foto, eu coloquei o nome de cada pessoa trans que foi assassinada no Brasil entre fevereiro de 2016 e de 2017. Foram 136 pessoas, com ela. Usei esse número no pôster e nas fotos da carrinho de mão e o número de vezes que eu joguei terra no carrinho. Usei esse número para impactar. Quando a gente vê número, a gente reflete. Quase uma pessoa a cada três dias. Foi uma estatística que me preocupou. Lá (na Inglaterra), ninguém sabia disso", completa.

Visibilidade e voz

Em cada foto, não só o nome das vítimas de violência no Brasil. Nayara traduziu para o inglês também a causa das mortes das pessoas trans em cada cartão com o rosto de Dandara dos Santos. A ideia é dar visibilidade a uma luta de uma minoria da qual faz parte e mostrar, no exterior, que o Brasil é o País do mundo que mais mata pessoas transexuais e travestis. Nayara se assume lésbica.

"Quando comecei o mestrado, eu queria muito focar no tema LGBT. É uma minoria que eu faço parte, que eu queria dar voz, e eu acho que com arte eu conseguia dar voz. Quando teve o vídeo na internet, em fevereiro, eu fiquei sem ação. Eu não queria ver, na verdade. Achei que ia ser muito pesado para mim. Mas pensei que estava acontecendo no meu país, na minha cidade natal. E eu vi e comecei a chorar. Foi um choro de angústia, de raiva, de dor. O nome da cadeira na faculdade chama 'Repensar', então eu tinha que fazer uma coisa diferente do que eu estava fazendo, e eu pensei em fazer uma instalação, que eu nunca tinha feito. Não usei a câmera, que era uma coisa nova. Pensei na Dandara, pensei no meu aís", comenta a artista.

Em julho, Nayara foi convidada a falar sobre o projeto "The Good Garden", onde mistura foto e instalação, mo Porto Iracema das Artes, em Fortaleza. Agora, já começou o novo trabalho, que também tratará da temática da homofobia e transfobia. Mas, dessa vez, com os LGBTs expulsos de casa pela família. A pesquisa já começou e a concepção ainda está sendo construída.

"Lá fora, a gente tem essa imagem do país do Carnaval, da alegria e não é bem assim. Acho que quando você mistura arte com ativismo e consegue dar voz a uma minoria, acho que a sociedade fica mais impactada com o tema inteiro. É sobre pessoas que foram expulsas de casa por serem LGBTs. Vi um artigo sobre uma casa que recebe LGBTs expulsos de casa, em São Paulo. O tema me incomodava muito. Na minha família, foi tranquilo eu me assumir. Mas eu sei que tem gente que não passa pela mesma coisa. Qual o problema para expulsar o próprio filho de casa? Perguntei no meu Facebook, e amigos e conhecidos de amigos falaram. Está tão perto.

Ódio e homicídios

No Ceará, somente em 2017, até julho, pelo menos cinco trans foram assassinadas. A última foi uma travesti de 21 anos assassinada em julho no município de Maracanaú, Região Metropolitana de Fortaleza. O corpo da vítima foi encontrado na faixa de acostamento da rodovia CE-060 com marcas de tiros.

Segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), a travesti, registrada como Paulo Henrique Carneiro de Sousa, foi abordada por dois homens em uma motocicleta. Os suspeitos atiraram contra a vítima e depois fugiram. Não foi informado o nome social da vítima. Mas foi Dandara quem abriu os olhos da sociedade para um assunto considerado por muito, até então, banal.

"Ela [Dandara], para mim agora é uma luta da transfobia. Com o vídeo que foi horrível, foi angustiante. Mas como a gente viu a gente conseguiu dar nome à estatística. Comecei a pesquisar e ver que o país não é esse quadro da Tarsila do Amaral. Foi quando eu comecei a achar a minha voz na arte e misturar arte com ativismo. A gente tem de transformar essa dor que a gente está sentindo e que os outros estão sentindo em arte e luta. A gente tem de se rotular e se mostrar para lutar. Eu me rotulo e estou lutando por isso. A gente tem de sair do armário e mostrar que está aqui na luta", encerra a autora da arte.