Interior

Centenária canoa Luzitânia, tombada pelo Iphan, será recuperada pela Ufal

Canoa de Tolda tem importantes traços de convergência cultural, servia para movimentar a economia pelo Rio São Francisco e já foi usada por Lampião

Por Manuella Soares / Ascom Ufal 29/11/2024 19h59
Centenária canoa Luzitânia, tombada pelo Iphan, será recuperada pela Ufal
Luzitânia navegando, por Nilton Souza - Foto: Divulgação / Ufal

A Unidade Educacional da Ufal em Penedo está prestes a receber uma importante embarcação para a história do país. A Luzitânia, canoa de tolda que é uma das poucas embarcações tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), passará por alguns reparos em sua estrutura graças a um projeto com apoio da Prefeitura de Penedo.

A Ufal foi selecionada formalmente pelo Iphan, por meio de um Termo de Execução Descentralizada (TED) para execução técnica do projeto, com coordenação geral do professor Igor da Mata e apoio operacional do professor Rômulo Pires, do curso de Engenharia de Pesca.

"Essa escolha nos enche de orgulho, considerando que se trata de uma verdadeira joia do patrimônio naval e cultural do Brasil, a primeira embarcação tombada como patrimônio nacional", ressaltou o professor Igor.

A canoa está estocada em Traipu, aguardando o traslado até um estaleiro provisório em Penedo, que está sendo preparado num galpão cedido pela prefeitura para viabilizar o trabalho de reparos. De acordo com o docente, o local escolhido considerou aspectos logísticos, como a proximidade da Ufal e do Rio São Francisco. Ainda não há data para finalizar a obra no estaleiro, mas depois dessa etapa, o Iphan, como fiel depositário do bem, vai providenciar o transporte.

“Trata-se de uma operação complexa que, embora de responsabilidade do Iphan, está sendo objeto de toda a orientação necessária, junto com a ONG Canoa de Tolda. Não mediremos esforços para garantir que esse processo seja conduzido com segurança e profissionalismo", destacou Igor da Mata.

A Ufal ainda vai receber um novo aporte de recursos para contratar uma equipe composta por mestre artesão, carpinteiro naval, gerente do canteiro de obras e auxiliares. Após o início das obras, a estimativa é que o trabalho deve durar cerca de um ano. A ideia é que o projeto desperte também o interesse dos alunos em áreas como tecnologias navais, navegação e patrimônio histórico, além de promover o engajamento da população de Penedo.

História sendo reparada

As canoas de tolda eram um símbolo do poder econômico do Rio São Francisco. As embarcações feitas de madeira por mestres artesãos locais, eram adaptadas para navegar o rio, entre o sertão nordestino e a foz, transportando mercadorias como arroz, queijo, leite, querosene e gasolina.

Com capacidade de levar até 250 sacos de 60 quilos e 22 passageiros, a canoa de tolda Luzitânia é uma remanescente herdeira da barcaça costeira, que por sua vez evoluiu da Sumaca brasileira, uma embarcação vinda da sumaca holandesa, utilizada tradicionalmente na costa norte da Alemanha e nos Mares Bálticos durante os séculos 16 e 17.

Ufal vai receber canoa para reparos na estrutura (Foto: Ascom Ufal)


O professor Igor da Mata, explica que esse design naval se disseminou por outros países, adquirindo características locais ao longo do tempo.

Por sua vez, a barcaça costeira desempenhou um papel integrador no litoral nordestino brasileiro, enquanto a canoa de tolda foi crucial para a integração do São Francisco. É interessante notar que esta embarcação também incorpora elementos asiáticos, africanos e indígenas.

“Até onde sabemos, não existe outro exemplo no mundo que demonstre tamanha convergência cultural, além de uma adaptação tão eficiente de tecnologia naval tradicional", destacou, lembrando que na década de 30, ainda com o nome de Rio Branco, a Luzitânia chegou a ser o transporte do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.

As canoas de tolda foram substituídas pelos barcos a motor e o transporte rodoviário depois das mudanças ocorridas no rio ao longo dos últimos cem anos, incluindo a construção de barragens e hidrelétricas e, mais recentemente, a transposição.

A Luzitânia, um dos últimos exemplares da embarcação, chegou a naufragar, enquanto passava por reformas, em 2022. Desde então, um processo judicial movido pela Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco – Canoa de Tolda, resultou na posse do Iphan para resgatar a Luzitânia.

Cabe mencionar que a Ufal não é parte envolvida nessa ação, priorizando seu empenho nas ações de conservação de um dos mais importantes elementos do patrimônio naval brasileiro.

Um novo capítulo com a Ufal

A chegada da Luzitânia é aguardada com entusiasmo pela comunidade acadêmica da Ufal em Penedo. O projeto de reparo vai ser a base para a criação de um núcleo de tecnologias aquáticas na região. "Existe um plano de trabalho que vai muito além do reparo da Luzitânia. Queremos que esse seja um espaço de preservação e de desenvolvimento de embarcações sustentáveis", adianta o professor do curso de Engenharia de Pesca, Igor da Mata Oliveira.

O galpão cedido pela Prefeitura não tem o espaço necessário para abrigar o futuro Estaleiro Modelo, mas será um valioso ponto de partida. De imediato, a equipe vai implantar um Laboratório de Tecnologias Aquáticas, voltado para a preservação do patrimônio naval tradicional. Assim, servirá como referência nacional no estudo, recuperação, restauração, conservação e replicação de embarcações tradicionais, incluindo o desenvolvimento de tecnologias e técnicas específicas para estes segmentos.

Igor adianta, ainda, que o local vai abrigar projetos de protótipos de embarcações de trabalho com propulsão sustentável, tripuladas e/ou autônomas, incluindo a conclusão do drone aquático de baixo custo, para medição de vazão e batimetria de rios, desenvolvido pelo MapSãoFrancisco. Essas ideias se alinham com o desenvolvimento de tecnologias navais sustentáveis para embarcações utilitárias do futuro.

E para a proposta de criar o Estaleiro Modelo será necessário um espaço maior, em negociação com a Prefeitura, onde também vai ser lançada a ideia do Museu do Rio, que poderia receber o acervo que a ONG Canoa de Tolda planeja doar à Ufal para ficar exposto e disponível para a sociedade.