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Tremores de terra crescem 200% em Arapiraca

Estudo da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal) suspeita de ação humana devido à padronização irregular, frequência e horários dos abalos sísmicos

Por Davi Salsa - Sucursal Arapiraca / Tribuna Independente 01/12/2023 08h45 - Atualizado em 01/12/2023 09h15
Tremores de terra crescem 200% em Arapiraca
Arapiraca vem sofrendo com os tremores e estudo indica que fenômeno pode estar ligado à ação humana - Foto: Willian Almeida / Cortesia

Nos últimos meses, a população de Arapiraca está vivenciando fenômenos que até então eram desconhecidos em toda a história da cidade.

No dia 25 de agosto deste ano, por volta das 16h34, um tremor de terra com magnitude de 2.1 na escala Richter assustou moradores de vários bairros.

O abalo ganhou repercussão na imprensa alagoana. Diversas causas foram apresentadas nos noticiários, mas sem dados e informações mais precisas.

Na sequência dos fatos, outros tremores de baixa magnitude ocorreram em datas próximas ao dia 25 e também foram relatados nos principais boletins sismológicos do país, a exemplo do Laboratório de Sismologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

A maior parte dos abalos sísmicos não foi sentida pela população, e, diante dos acontecimentos registrados, os alunos do curso de Geografia da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), Willian Almeida Melo e José Marcos de Araújo Feitas, iniciaram uma pesquisa de análise de caso, sob a orientação da professora-doutora Lucicleide da Silva.

O grupo fez um levantamento do fenômeno que vem ocorrendo na região. Os dados analisados na pesquisa são do LabSis - Laboratório Sismológico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) - e do Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP).

Willian Almeida informa que a pesquisa tem como propósito maior a busca pelo entendimento acerca de quais foram as causas da série de tremores de terra em Arapiraca e Craíbas.

O estudo também pretende mostrar se existe algum risco para a população, com base nas análises críticas e geográficas dos dados sismológicos disponibilizados pelos principais laboratórios de sismologia e geologia do Brasil.

Zona de cisalhamento pode estar sofrendo impulso ou gatilho

O acadêmico de Geografia relata que o movimento entre placas tectônicas não é a única origem de tremores de terra na dinâmica do Planeta. Willian Almeida esclarece que há um fenômeno natural de escala bem menor e que também ocasiona sismicidade: as falhas geológicas.

O Brasil apresenta 48 fissuras do tipo, suscetíveis à atividade sísmica a qualquer momento, e a maioria delas no Nordeste Brasileiro, local onde milhões de anos atrás sofreu com a dinâmica tectônica da separação do antigo continente da Pangeia.

Ainda de acordo com o estudo, algumas das fissuras está presente em terras alagoanas. “A partir dessa informação, iniciamos a pesquisa”, explica.

Contudo, acrescentam os responsáveis pela pesquisa Willian Almeida e José Marcos, no desenvolvimento da pesquisa foram trabalhadas informações e dados para identificar se existe alguma forma de gatilho que esteja impulsionando o movimento da falha geológica na região de Arapiraca.

“Verificamos se é um fenômeno natural ou antrópico, ou seja, uma ação do ser humano sobre o meio ambiente”, observa.

Eles citam o abalo ocorrido no dia 25 de agosto de 2023, por volta das 16h34 da tarde. “A população de Arapiraca sentiu um leve tremor que durou apenas alguns segundos. Apesar do curto tempo, o tremor assustou os moradores de vários dos principais bairros da cidade. Durante as semanas seguintes, muito se especulou nos veículos de imprensa sobre as causas dos tremores, e uma delas foi a existência de uma falha geológica que passa por Arapiraca. Esse foi o ponto de partida de nossa pesquisa”, explica.

Dezessete tremores em quatro anos

O grupo de pesquisa da Universidade Estadual de Alagoas consultou os dados disponíveis nos boletins do Laboratório Sismológico da UFRN, notadamente com referência ao município de Arapiraca.

“Os dados que conseguimos nos revelaram 17 amostras, e a partir delas iniciamos a análise dos dados, verificando se os mesmos convergem com as informações que obtivemos”, adianta.

Ele diz que na página do LabSis, o registro informa que há um atraso de 03:00h entre o epicentro do abalo até o local do sensor que mediu o tremor de terra.

“Com base nesses dados, iniciamos a análise das informações do quadro utilizando o Microsoft Excel. A primeira etapa foi retirar o atraso do horário do tremor, e o resultado nos causou certa estranheza, pois a maioria dos abalos ocorre às 12 horas, o que também nos levou a analisar os dias da semana em que os tremores aconteciam. O que nos indicava que a causa dos tremores possivelmente não era de ordem natural”, pontua.

José Marcos revela também que o grupo buscou com a equipe do LabSis da UFRN os dados dos anos anteriores, para a construção de um modelo de acompanhamento para analisar o histórico de tremores da região, uma vez que já existem reportagens e relatos de outros tremores em cidades do Agreste.

Técnicos fizeram demonstrações durante uma visita realizada pelo MPF e Defensoria Pública da União (Foto: Divulgação)

O grupo de pesquisa da Universidade Estadual de Alagoas entrou em contato com a equipe do Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP) e foi enviada uma planilha no dia quatro de setembro de 2023.

Na planilha há registros de diversos casos de Alagoas, mas pouquíssimos relacionados à cidade de Arapiraca. Ainda sobre os dados da UFRN, o grupo verificou no gráfico o número crescente de tremores de terra somente em Arapiraca.

Os bairros onde mais testemunhas sentiram os abalos foram: Planalto, Brasília, Alto do Cruzeiro, Cavaco e Centro. Além disso, o grupo de estudo queria saber também a opinião das pessoas sobre a causa do tremor daquele dia, e o resultado incide diretamente com os dados que o grupo extraiu dos diversos órgãos de pesquisa em Geologia.

Mobilização da sociedade

No último dia 17 de outubro, a Defesa Civil de Arapiraca realizou uma reunião técnica com o objetivo de discutir e analisar os recentes abalos sísmicos que foram registrados no município e na vizinha cidade de Craíbas. A reunião aconteceu no Centro Administrativo Municipal e mobilizou representantes de órgãos públicos, representantes de diversas instituições e especialistas para compreender o fenômeno e buscar soluções.

“Recebemos o convite da Defesa Civil para participar da reunião e apresentamos nossa pesquisa para contribuir de forma significativa para identificar as possíveis causas dos tremores de terra e na buscar de soluções”, relata o representante do grupo de pesquisa da Uneal.

Diante do que foi analisado criteriosamente por nossa equipe, acrescenta Willian Almeida, chegamos à conclusão de que os tremores ocorridos nos últimos anos em Arapiraca não poderiam ser de causa natural.

“Devido à frequência das ocorrências e a padronização dos horários e dias dos acontecimentos, é aberta a suspeita para ação humana. Vale ressaltar que o nosso trabalho não é um laudo técnico, mas um levantamento cronológico e geográfico das causas dos abalos sísmicos que ocorreram e que podem vir a ocorrer mais vezes em Arapiraca e região. Deixamos claro também que os abalos até o momento não causaram riscos de vida à população, visto que a magnitude dos mesmos é muito baixa, mas podem causar danos a construções e desencadear problemas de saúde, medo e pânico nas pessoas”, complementa o pesquisador.

Os pesquisadores finalizam dizendo que, após a análise dos casos citados na pesquisa, ocorreram mais dois tremores de terra em Arapiraca, sendo um no dia cinco de outubro, na quinta-feira, às 12 horas, e o mais recente na sexta-feira, dia 24 de novembro que aconteceu durante a madrugada.

MPF e DPU entram no caso

No último dia 14 de novembro, o Ministério Público Federal (MPF) em Alagoas participou de uma visita às instalações da Mineradora Vale Verde, em Craíbas, a 150 quilômetros de Maceió. A inspeção foi promovida pela Justiça Federal em Arapiraca e faz parte de uma ação movida pela Defensoria Pública da União (DPU) que busca avaliar os possíveis impactos das operações da mineradora na população local ao longo dos últimos dois anos.

O objetivo da visita foi compreender o processo de desmonte de rochas para a extração de cobre. Moradores da região relataram que as explosões vêm causando rachaduras nas residências e gerando preocupações com a segurança, além de relatos de problemas respiratórios devido à liberação de partículas de rocha, bem como transtornos decorrentes da poluição sonora. A procuradora da República Juliana Câmara, representante do MPF, destacou que a visita não se tratou ainda de uma inspeção judicial, mas uma aproximação entre as instituições da Justiça, do poder público e população para entender as causas locais das queixas.

Os técnicos da mineradora afirmaram que estudos de impacto de vibração sonora são realizados semestralmente e que as explosões controladas são incapazes de provocar movimentações de terra semelhantes a abalos sísmicos. A empresa destacou a diferença nas frequências das vibrações causadas pelo processo de mineração em comparação com os abalos sísmicos naturais. Uma parte da visita consistiu na observação de uma detonação com medição sismográfica a partir da casa de um dos moradores nas proximidades da área de mineração.

Após a visita, as equipes estiveram em algumas casas de moradores para verificar os danos que eles alegam ter relação com a atividade da mineradora. Entre os mais visíveis, a poeira decorrente da mineração e fissuras na estrutura de alvenaria nas casas. Também foram relatados problemas respiratórios em crianças, e também de origem psicológica, relacionados a incertezas quanto à manutenção das moradias, bem como impactos econômicos negativos como a morte de animais e prejuízos na produção agrícola.

Moradores de Craíbas e Arapiraca vêm alegando problemas decorrentes das operações da Vale Verde na região, há cerca de dois anos. Isso motivou a DPU a ajuizar a Ação Civil Pública destacando a necessidade de diagnosticar os reais impactos nas residências e na qualidade de vida dos moradores. A ação ressalta a necessidade de uma atuação conjunta para resolver os problemas enfrentados pela comunidade. O MPF acompanha a ação fiscalizando a legalidade do processo.

A juíza da 8ª Vara Federal, em Arapiraca, Camila Monteiro Pullin, ressaltou que o objetivo é buscar compreender melhor a realidade da situação, para além dos laudos e documentos da instrução processual, de forma a orientar uma melhor resolução do conflito. Ainda assim, uma inspeção oficial poderá ser realizada pela Justiça, com o intuito de sanar todas as dúvidas sobre o processo de mineração e os eventuais efeitos negativos na população.

Além do MPF, representado pela procuradora da República Juliana Câmara e DPU, representada pelo Defensor Público Federal Diego Alves, também integraram a visita a Agência Nacional de Mineração (ANM), Advocacia-Geral da União (AGU), Defesa Civil Nacional, Defesa Civil Estadual e Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA), que integram o polo passivo da ação, e também levantaram informações com os moradores para subsidiar a revisão da documentação técnica em relação às atividades de mineração em Craíbas.

Mineradora se defende e estação vai monitorar fenômenos

A polêmica acerca dos constantes tremores de terra em Arapiraca e também na vizinha cidade de Craíbas, a direção da Mineradora Vale Verde chegou a publicar uma nota à imprensa.

No documento, a empresa diz que os recentes tremores de terra sentidos em Arapiraca não têm nexo causal com os desmontes controlados pela mineradora.

“Os desmontes são preferencialmente agendados para ocorrer às quintas-feiras, por volta de 12h (meio-dia). Essa escolha foi feita em consenso com as comunidades locais, com vistas ao menor impacto possível e garantindo que a população seja sempre devidamente informada antes e após cada evento. A MVV mantém o compromisso contínuo de transparência e comunicação fluida com as comunidades anfitriãs, mantendo-se aberta ao diálogo com todas as partes interessadas e tendo a Segurança como seu principal valor.", diz a nota

Em parceria com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), a Prefeitura de Arapiraca já iniciou o processo para implantação da primeira estação meteorológica do município.

A iniciativa também conta com ação conjunta da Secretaria Municipal de Ordem Pública, Defesa Civil Municipal e Secretaria Municipal de Infraestrutura.

De acordo com o coordenador municipal de Defesa Civil, Lindomar Ferreira, a estação meteorológica vai funcionar em uma área cedida pelo Clube do Servidor Municipal. O espaço vai permitir a previsão mais completa do clima em tempo real e também fornecerá alertas imediatos acerca da possibilidade de respostas rápidas para o surgimento de desastres naturais.