Interior

Donos de pousada denunciam abuso de poder em Piranhas

Caso de ameaça registrado na delegacia da cidade só teve andamento após ser transferido para Delmiro Gouveia

Por Texto: Sidinéia Tavares - Especial para a Tribuna com Tribuna Independente 19/12/2020 11h36
Donos de pousada denunciam abuso de poder em Piranhas
Reprodução - Foto: Assessoria
Até onde pode ir a influência de empresários sobre agentes públicos? Esse foi o questionamento que os irmãos Ferraz se fizeram ao terem sua propriedade, em Piranhas, invadida e ainda serem ameaçados de prisão por parte de um agente da segurança pública, que segundo eles teria agido em benefício de um empresário da cidade. Para entender essa situação, é preciso voltar para 2017, data em que o empresário Flávio Ferraz e as irmãs, Ana Carla e Ana Flávia, retornaram de uma breve viagem e encontraram a propriedade onde funciona a Pousada Trilha do Velho Chico, invadida e com um encanamento, para captação de água do Rio São Francisco, oriundo do Hotel Aconchego do Velho Chico. O fato causou estranheza uma vez que há uma área comum onde poderia ter sido feito esse encanamento, sem necessidade da invasão do terreno do Pousada, que é devidamente cercado. Ainda em 2017, Ana Carla Ferraz entrou em contato com o proprietário do Hotel Aconchego do Velho Chico, identificado como Raimundo Antônio da Silva, conhecido como Dindo. No primeiro contato, Carla Ferraz afirma que foi desrespeitada, mas que ficou acordado que haveria um encontro pessoal onde seria decidida a situação sobre a colocação do encanamento. Porém, segundo ela, Dindo não retornou mais o contato, não atendeu ligações e não realizou a retirada do material colocado ilegalmente na propriedade da Pousada. E essa espera pacífica de retirada do material durou anos. Já em 2020, durante o período de pandemia, a família Ferraz entendeu que seria o melhor momento para a retirada do encanamento, uma vez que os locais, Hotel Aconchego do Velho Chico e Pousada Trilha do Velho Chico, estariam sem grande fluxo de pessoas. Ana Carla Ferraz conseguiu o novo contato telefônico do empresário Dindo. Na conversa, explicou que já havia contratado um encanador para a retirada do encanamento e sustentou a viabilidade da colocação do encanamento pela área de “servidão de passagem”. Ana Carla ainda explicou que Dindo não arcaria com nenhum custo, devendo apenas desligar a bomba de captação de água do Rio São Francisco, durante a execução do serviço. O empresário afirmou que estava viajando e que retornaria o contato. Após meses de espera, em 26 de agosto Ana Carla foi pessoalmente ao Hotel Aconchego do Velho Chico, conversou com o gerente, identificado como Marco, e informou que iria fazer a retirada do encanamento no dia 28. Na data marcada, o gerente Marco, o encanador Ronaldo e o filho de Dindo, Romulo, conversaram sobre a retirada dos canos da propriedade particular e teriam concordado sobre a viabilidade da ação. Porém, pediram para aguardar uma resposta de Dindo. Ana Carla Ferraz afirma que momentos depois recebeu uma ligação de Dindo e sofreu ameaça. Segundo ela, Dindo foi extremamente desrespeitoso e afirmou que ela “iria ver e ter que ser muito mulher” para mexer na encanação. O caso de ameaça foi registrado em um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Piranhas, no dia 28 de agosto. Em 9 de outubro, Ana Carla Ferraz notificou extrajudicialmente o empresário, para a realização da retirada dos canos. Cansados de esperar e notando que nada seria feito por parte do empresário e que o poder policial da cidade não tinha agido sobre a situação, a família Ferraz realizou a retirada do encanamento no dia 3 de novembro. “Boletim de Ocorrência contra empresário ficou engavetado” Qual foi a surpresa dos irmãos Ferraz, quando, no dia 4 de novembro, policiais civis foram até a Pousada Trilha do Velho Chico, em posse de uma intimação para Flávio Ferraz Júnior, comparecer na Delegacia de Piranhas devido a um Boletim de Ocorrência registrado pelo empresário Dindo, acusando Flávio Ferraz de ameaça e crime de dano, pela retirada dos canos. “Estranhamos porque, o BO aberto contra Dindo ficou engavetado na delegacia desde o dia 28 de agosto. Mas o BO do senhor Dindo foi encaminhado pelos policiais no mesmo dia de sua elaboração”, comentou Carla Ferraz. Imagens de câmeras de segurança flagraram o momento da chegada da polícia na pousada e nas imagens é possível notar que o policial civil Sérgio Daniel chegou ao local dirigindo um veículo particular, um Saveiro modelo 2012/2013, de cor vermelha, que não pertence a PC. Ainda segundo a denúncia, no momento da ação, o PC Sérgio Daniel tentou intimidar Flávio Ferraz, e ameaça-lo de prisão em flagrante, mesmo sem haver procedimento criminal instaurado, agindo totalmente em desacordo com o artigo 302 do Código de Processo Penal (PCPP). O caso foi denunciado na Corregedoria da Polícia Civil de Alagoas, através do processo e investigação preliminar número: 0378/2020 - CPJR4 e enviado para a corregedora Kelly Kristine Amorim de Souza, no dia 24 de novembro deste ano. No processo consta que o policial teria agido de forma autoritária e intimidatória, solicitando inclusive que Flávio Ferraz se dirigisse para a delegacia sem tempo hábil de constituir advogado e exigindo a assinatura de um documento por ameaça. “E o pior, os policiais civis deram cobertura para que os funcionários do Hotel Aconchego do Velho Chico recolocassem os canos no mesmo lugar, permitindo que a propriedade particular fosse novamente invadida, sem qualquer autorização judicial, em absurda ilegalidade e arbitrariedade”, contou Carla Ferraz. Para permitir a colocação ilegal dos canos, o policial teria afirmado que Dindo possui um documento qual lhe autorizaria a passagem do encanamento. “A informação é inverídica, pois o único documento que o empresário Dindo possui é uma certificação de ocupação de solo. É um documento que faz referência ao solo que o Hotel Aconchego se encontra, não dá nenhum direito de invadir nossa propriedade”, explica Carla Ferraz. Diante das circunstâncias, a família Ferraz conseguiu que os procedimentos criminais, referente ao caso, fossem transferidos da delegacia de Piranhas para a Delegacia de Delmiro Gouveia. RESPOSTAS A reportagem entrou em contato com a Corregedoria da Polícia Civil de Alagoas, para saber o andamento do processo contra o policial civil, mas foi informada que “o sigilo é inerente à IUP, com exceção das partes envolvidas e de seus procuradores”. A resposta foi dada em nome do corregedor-geral de Polícia Judiciária, Valdeks Pereira da Silva. A reportagem também tentou contato com o Hotel Aconchego do Velho Chico, via telefone. a ligação foi atendida por Alice Fernanda Rocha, a qual solicitou que contatasse o advogado responsável pelo caso, identificado como Luiz José. O primeiro contato com o advogado foi realizado no dia 9 de dezembro, mas até o último dia 17, a reportagem não obteve resposta do representante jurídico do Hotel.