Interior

Avanço de mineradora fecha escolas e até igreja no Agreste de Alagoas

Desapropriação de terras começou há cerca de três anos e atingiu oito povoados de Craíbas

Por Arapiraca News 10/04/2017 19h55
Avanço de mineradora fecha escolas e até igreja no Agreste de Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria

Às margens do mundo. Assim pode-se retratar a situação de 600 famílias de trabalhadores rurais que invadiram uma pequena parte dos mais de 30 milhões de m2 de terras hoje pertencentes à Mineradora Vale Verde, localizada na Zona Rural do município de Craíbas, no Agreste alagoano.

A desapropriação de terras começou há cerca de três anos e atingiu oito povoados de Craíbas levando centenas de trabalhadores rurais a engrossarem a lista de desempregados, sem-teto e sem-terra. Uma parte deles, resolveu pegar o pouco dinheiro pago pelas terras e seguir com as respectivas famílias para São Paulo numa iniciativa, cujo final é previsível.

O Povoado Laje é um dos que se tornou um misto de abandono e descaso. O que antes era frequentado por cerca de 300 estudantes das redondezas, hoje é usado apenas por bois e vacas em busca vazia por algum alimento numa localidade outrora repleta de plantações de milho e fumo, por exemplo.

Da estrutura que até 2014 abrigava a Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Luciano Peixoto restam apenas as paredes e o cercado em torno. Eram duas salas de aulas, uma cozinha e dois banheiros nos fundos. Além do lixo, fezes de animais enfeiam e tornam o ambiente insuportável para o olfato humano.

Logo em frente à unidade escolar, outra edificação vazia chama a atenção. Uma igreja católica está igualmente suja, fétida e abandonada. No local, antes destinado a preces, as mesmas só podem ser feitas em pé ou de joelhos e, assim mesmo, pela falta de tudo, é rezar com mais fé para que os pedidos sejam “ouvidos” e “atendidos”. Além disso, bois e vacas também circulam livremente pelo espaço onde apenas os restos de uma cruz pregada na parede lembra o que já foi um dia.

Na mesma área, outro flagrante do descaso provocado pelo que seria a redenção econômica da cidade de outras vizinhas, é visto na torre de telefonia, cujos equipamentos já foram de pronto retirados. Apenas a estrutura de metal da antena foi abandonada pela operadora responsável.

A área, com pouco mais de 10.500 tarefas de terra, foi desapropriada há cerca de três anos e deveria ser utilizada pela empresa para extração de minérios, a exemplo de vanádio e cobre, mas se tornou um verdadeiro espaço vazio, sem produção e, segundo denúncia dos agricultores, vem sendo utilizada apenas para arrendamento a fazendeiros de Craíbas e até de cidades fora de Alagoas.

No entanto, após mais de três anos de promessas vazias, trabalhadores rurais de Craíbas cansaram de esperar pela esperada ascensão da economia local e resolveram ocupar uma parte da área pertencente à empresa de mineração localizada entre as cidades de Craíbas e Arapiraca.

Os agricultores integram a Frente Nacional de Luta (FNL) e o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST). Eles afirmam que invadiram a área porque enquanto passam necessidades financeiras, os representantes da empresa em Alagoas desmatam e desocupam terras e alugam as áreas, que deveriam ser utilizadas na mineração, para grandes latifundiários de Craíbas.

Segundos os trabalhadores que invadiram dois espaços, a Vale Verde enganou uma cidade inteira, com a promessa de gerar empregos e renda. “Todos os moradores de Craíbas foram enganados pela mineradora. Nos prometeram tantas vantagens, mas até agora o que recebemos é descaso. Não temos lugar sequer para plantar nossos alimentos”, desabafou o agricultor João Farias dos Santos.

Atualmente cerca de 600 famílias ocupam os assentamentos, um deles denominado “Ouro Verde”, que faz alusão à promessa, considerada por eles como frustrada, de extração de minérios no local. Ainda de forma improvisada, os trabalhadores rurais passaram a ocupar cabanas cobertas com lonas plásticas e feitas de jurema. São pequenos casebres, onde homens, mulheres e crianças ocupam em condições subumanas, sem água e eletricidade, já que a maioria dos postes já não têm mais fiações para fornecimentos de energia.

Apesar do curto tempo de ocupação, os trabalhadores denunciaram que recebem, com frequência, ameaças supostamente feitas por representantes da Mineradora Vale Verde. “Eles sempre param o carro, nos fotografam e ficam armados nos ameaçando. Somo homens de bem, estamos nesse espaço porque sabemos nossos direitos”, desabafou o agricultor José da Silva.

Ele, que é uma das lideranças dos trabalhadores, argumentou que os invasores não ocupam a área em busca de riquezas. “Estamos aqui para plantar milho, batata, macaxeira, inhame, feijão... Não queremos dinheiro, queremos terra para plantar e sobreviver”, justificou.

Já o agricultor José Rodrigues de Lima mostra-se descontente com a forma adotada pela Mineradora Vale Verde para ocupar as terras onde deverá fazer a extração de minérios. “Moro aqui desde criança. Chegaram do dia para a noite desocupando e derrubando tudo. Não recebemos propostas dignas. Quem tinha suas terrinhas vendeu e foi embora. Quem não tinha ficou aqui e sem direito a nada”, falou.

Ele tem duas tarefas de terras onde planta milho, feijão e às vezes mandioca para sustento da própria família. “Isso aqui era bem habitado. Depois que começaram a comprar as terras, cortaram até a energia elétrica. Precisamos trabalhar e cadê o emprego que prometeram a nós?”, indagou emocionado.

O agricultor João dos Santos é outro que busca novamente uma fonte de renda. Ele foi mais além ao justificar que sempre sobreviveu dos seus plantios. “O ouro daqui está em cima dessa terra e não embaixo e tiraram ele da gente. Vi muitos pais de famílias irem para São Paulo e para Arapiraca. Uma parte a gente já sabe que está passando por necessidade”, lamentou.

ERRO DA JUSTIÇA

Nos últimos dias, os trabalhadores foram surpreendidos por uma decisão da Justiça em Arapiraca, a pedido da Mineradora Vale Verde, que iniciou a batalha jurídica com os agricultores. A liminar concedida pede a desocupação das terras, de forma pacífica, até o próximo dia 16.

No entanto, o advogado contratado pelos movimentos, Welhington Wanderley, explicou ao Portal Arapiraca News que, até a próxima terça-feira (11), entrará com um pedido de agravo junto ao Tribunal de Justiça de Alagoas, pois “a empresa errou ao entrar com o pedido na Comarca de Arapiraca”, frisou. “Por se tratar de um conflito agrário coletivo, apenas a 29ª Vara Cível da Capital, que integra o Fórum Agrário do TJ/AL, pode tratar dos interesses dos trabalhadores agrícolas de Craíbas”.

O advogado afirma também que o prudente no âmbito legal era ter sido convocada uma audiência de justificação para ouvir os dois lados, os trabalhadores e a mineradora. “Por isso alegaremos incompetência do juiz que concedeu a liminar à Vale Verde. Ele deveria ter enviado o pedido a um juiz agrário que tem conhecimento de causa para julgar processos ligados a questões agrárias”, frisou.

Welhington Wanderley acredita que, até a data determinada na liminar, o TJ/AL deverá se pronunciar sobre a situação nas terras da Mineradora Vale Verde. “Pedimos a suspensão de tudo. Estamos entrando também com uma petição junto ao juiz pedindo compreensão sobre o nosso agravo e, assim, possamos resolver o assunto na 29ª Vara Cível”, argumentou o advogado.

O prefeito de Craíbas, Ediel Leite, em entrevista ao Portal Arapiraca News, disse desconhecer a situação da Escola Dr. Luciano Peixoto, mas tomará as devidas providências já a partir desta terça-feira (11).  “Estou sabendo disso agora. Amanhã mesmo terei reunião com a secretária de Educação e iremos lá para verificarmos a situação e ouvir os trabalhadores”, falou.

Ele explicou também que, desde a gestão passada, entre os anos de 2013 e 2014, houve um remanejamento de estudantes e professores da rede municipal de ensino em diversas localidades do município. “Ninguém ficou sem aulas ou sem trabalhar, inclusive o pessoal da Escola Dr. Luciano Peixoto”, disse.

A informação do prefeito Ediel Leite foi confirmada pelos trabalhadores ouvidos pela reportagem nesta segunda-feira (10). Os mais de 300 estudantes da unidade localizada no Povoado Laje foram transferidos para outras escolas da região e são transportados por ônibus escolares do município.

EXPECTATIVA

Ediel Leite afirmou que, poucos dias após assumir, procurou os responsáveis pela Mineradora Vale Verde que está há 10 anos instalada no município. “Eles já investiram mais de R$ 150 milhões em estrutura, manutenção e compra de terras, por exemplo, mas precisam de mais U$ 150 milhões [o equivalente a R$ 450 milhões], que deverão vir de algum investidor para começar as atividades até 2019”, revelou o prefeito.

O gestor municipal disse estar esperançoso com o início das atividades da mineradora que vem honrando seus compromissos com o município desde a sua chegada. “A Mineradora Vale paga seus impostos regularmente e pode fazer o que quiser com as suas terras, pois pagou por elas. Serão 1.200 empregos diretos a serem gerados. Me disponho a provocar reuniões com o Governo do Estado e até com o Governo Federal se for preciso”, finalizou.

LAMENTO DA EMPRESA

Em nota enviada ao Portal Arapiraca News, a Mineradora Vale Verde, por meio da sua assessoria de comunicação, informa que a empresa lamenta que tais fatos estejam ocorrendo em áreas por ela ocupadas de maneira legítima, para a instalação do Projeto Serrote de Laje e assegura que “vêm sendo desenvolvidas atividades em conjunto com as comunidades, para garantir a utilização racional da área nessa fase que antecede a instalação definitiva do Projeto”.

Com relação aos arrendamentos de áreas da empresa, enquanto o projeto Serrote da Laje permanece em preparação para entrar em funcionamento, a Mineração Vale Verde nega o aluguel de terras e informa que as cessões têm sido feitas com pessoas das comunidades circunvizinhas, como forma a permitir uma utilização dos terrenos, até que a empresa execute as obras do empreendimento.

“Todos os terrenos da empresa terão destinação certa. O que está havendo em relação a esses arrendamentos, que evidentemente não têm fins lucrativos, pois esse não é o negócio da empresa, é que estamos amadurecendo constantemente a forma de trabalhar e modificando o formato dos acordos, buscando atender a todas as demandas das comunidades que chegam a nós”, garante a empresa. 

A MVV destaca que o mercado de commodities minerais começa a dar sinais de recuperação, o que permite à empresa retomar o planejamento de investimentos em um futuro próximo, com vistas a permitir a plena retomada de suas atividades. A queda no valor dos minérios, ocorrida em todo o mundo nos últimos anos, provocou uma retração econômica no setor e, assim como diversas empresas de mineração, atingiu também o projeto Serrote da Laje.

“Nesse contexto, intervenções indevidas e a disseminação de informações equivocadas podem acarretar atrasos na retomada das atividades, com prejuízos diretos para a população, que se beneficiará com a entrada em operação do Serrote da Laje. A despeito dessa situação momentânea, a Mineração Vale Verde e seus colaboradores permanecem engajados no desenvolvimento social e econômico da região, em permanente diálogo com as comunidades e demais partes interessadas”, acrescentou a direção da empresa.