Interior
FPI descobre pinturas rupestres em sítios arqueológicos de Olho d"Água do Casado
Pinturas encontradas durante fiscalização na terça-feira eram desconhecidas até então
A 16 km do centro do município de Olho d'Água do Casado, a vegetação da caatinga esconde um patrimônio histórico e cultural conhecido, na linguagem popular dos sertanejos mais velhos, como “letreiro de caboclo brabo” – são as pinturas rupestres. Na terça-feira (29), a FPI do São Francisco descobriu desenhos pré-históricos inéditos em sítios arqueológicos localizados no território do assentamento Nova Esperança, na região do Purdinho, zona rural da cidade.
As imagens recém-descobertas em três pontos sugerem figuras antropomórficas (homem) e zoomórficas (animais), além de formatos geométricos, sempre em fendas de formações rochosas do tipo arenito. Ao lado delas, pequenas cavações no chão, como se fossem pilões para amassar sementes, inclusive de ocre, que, junto ao óxido de ferro e gordura animal, serviam de tinta para as pinturas rupestres. Ranhuras na parede das fendas também formavam os desenhos.
Segundo a arqueóloga Rute Barbosa, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), há imagens presentes em sítios arqueológicos de todo mundo, como é o caso dos círculos concêntricos ou espirais. “No entanto, há algumas que são mais comuns de encontrar na Região do Baixo São Francisco, a exemplo das pinturas relacionadas a aves”, explica.
(Foto: Assessoria / MP-AL)
Encontram-se nas paredes imagens de traços mais finos ou mais grossos, indicando a presença de vários grupos na localidade. A FPI do São Francisco solicitará ao Iphan que registre os três novos focos de pinturas rupestres logo após o término da operação para, assim, dar início às ações de preservação e conversão.
“Em virtude do desplacamento do arenito, podemos ter perdido muitas pinturas ao longo do tempo. Se fizermos escavações no local, é possível que encontremos pedaços de rochas com gravuras e até o material usado na sua confecção”, explica a arqueóloga do Iphan, segundo quem a ocupação na região do Baixo São Francisco data de 10.000 A.C.
Estiveram presentes na visita aos sítios arqueológicos representantes do Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Batalhão de Polícia Ambiental de Alagoas, Fundação Nacional do Índio (Funai) e Iphan. Todos integram a equipe de Patrimônio Cultural e Comunidades Tradicionais nessa edição da FPI do São Francisco.
(Foto: Assessoria / MP-AL)
Queimada ameaçam desenhos
Além da deterioração decorrente de ações naturais como o vento e a chuva, as pinturas rupestres de Olho D'Água do Casado convivem com a ameça da degradação do próprio homem ao patrimônio, a exemplo das pichações. Num quarto foco visitado pela Fiscalização, este já tombado pelo Iphan, alguém desenhou a palavra “Erica” na mesma formação rochosa das gravuras.
A Constituição Federal e Lei n. 3.924/61 protegem os sítios arqueológicos no país. A destruição ou retirada de qualquer material ou remoção de terra do local constitui crime sujeito a pena de multa e detenção.
Mas degradação também ocorre a partir das queimadas, que, por meio da fuligem, pode encobrir e até apagar os desenhos. A FPI do São Francisco encontrou vários locais com vegetação queimada durante o percurso de hoje no sítio arqueológico em busca das gravuras. Um dos resquícios de fogo que mais chamou a atenção ficava em frente a um paredão de imagens já registradas pelo Iphan.
(Foto: Assessoria / MP-AL)
De acordo com a fiscalização, a queimada teria como finalidade objetivo facilitar a alimentação do gado, mas também justificar a extração vegetal no local, já que as árvores estariam mortas. “Tanto a queimada de mata nativa quanto a extração vegetal ilegal são crimes passíveis de pena”, afirma o técnico do IBAMA, Felippe Dias.
A região de Purdinha também é rica em vegetação, que conta com várias espécimes barrigudas, iburanas, urtigas, jatobás, xique-xiques, mandacarus, flores manuês, angicos e até mesmo de bromélias.
Prevenção e conservação
Para o Iphan, a melhor forma de preservar o patrimônio histórico e cultural dos sítios arqueológicos é contar com o apoio da comunidade. Segundo a representante do instituto, será desenvolvido um projeto que garanta não só a preservação e conservação das pinturas rupestres, como também educação patrimonial para os moradores do assentamento Nova Esperança.
(Foto: Assessoria / MP-AL)
“A comunidade deve abraçar a história do local, porque não existe patrimônio dessa natureza sem pessoas. Queremos retomar com o projeto de educação ambiental no assentamento para que os assentados preservem o sítio arqueológico e, ao mesmo tempo, gere renda em benefício da própria comunidade”, disse a arqueóloga Rute Barbosa
Em 2008, o Iphan desenvolveu um trabalho de conscientização com os sertanejos simultaneamente a ações de mapeamento e conservação de sítios arqueológicos, visto que muitos são danificados por fungos, líquens e até casas de insetos, como abelhas e maribondos.
O Instituto tem mais de 300 sítios arqueológicos registrados na Região do Baixo São Francisco, que abrange municípios como Olho D´Água do Casado, Delmiro Gouveia, Piranhas e Pão de Açúcar.
Índios não reivindicam pinturas
Questionado a respeito da autoria das pinturas rupestres, o antropólogo do Ministério Público Federal em Alagoas, Ivan Soares Farias disse que os índios nunca reivindicaram os desenhos. De acordo com ele, os índios brasileiros são ágrafos, ou seja, apesar de terem linguagem, não fazem uso da escrita.
(Foto: Assessoria / MP-AL)
"Sabemos que a arte rupestre é do período pré-histórico. E embora o homem pré-histórico possa ter dado origem aos grupos indígenas da região, interessante saber que em nenhum momento os atuais grupos indígenas reivindicam para si ou como seu, as artes rupestres. O que nos serve também de prova que os índios atuais que conhecemos, apesar de toda a transformação que tem passado ao longo de mais de 500 anos, são grupos humanos muito além dos grupos pré-histórico que datam de mais 10 mil anos”, explica o antropólogo.
Segundo o coordenador da equipe de Patrimônio Cultural e Comunidades Tradicionais, em todas pesquisas de campos que fez para demarcação de territórios reservados, as comunidades tradicionais indígenas nunca mencionaram as pinturas rupestres como se fosse algo dos seus antepassados. “Os índios costumam ser muitos verdadeiros nos seus relatos, certamente reivindicariam a autoria se de fato tivessem algo a ver com os desenhos”, completa Ivan Soares.
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