Esportes
Jogadores da Argentina completam 10 meses sem entrevistas; entenda a polêmica
Silêncio começou após acusação de jornalista de que Lavezzi teria fumado maconha na concentração; repórteres veem decisão como injusta
As dezenas de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas se amontoam na sala de zona mista. Primeiro, sai Romero. Depois, vem Biglia. E aí vem Banega. E saem todos, pouco a pouco. Messi passa. Cabisbaixo, com aparente abatimento. Tira fotos com um torcedor que o aguardava na saída, dá autógrafo e se vai. Passam todos calados após o empate por 1 a 1 com a Venezuela. E assim foi, pelo sexto jogo seguido da Argentina. A seleção completou 10 meses sem trocar uma palavra com a imprensa. Não há entrevistas coletivas durante o período de treinamentos, e os jogadores não falam após as partidas. E assim continuará sendo até a Copa do Mundo – caso a Albiceleste esteja lá. Mas a Afa pretende agir.
A greve de silêncio dos jogadores é uma polêmica que se retroalimenta há quase um ano na Argentina, desde a vitória por 3 a 0 sobre a Colômbia. Começou quando, no dia 16 de novembro do ano passado, Messi e os demais jogadores foram até a sala de imprensa do estádio em San Juán, e o capitão anunciou que não falariam mais. O motivo alegado pelo camisa 10 foi as acusações do jornalista Gabriel Anello, da rádio Mitre, de que Lavezzi teria fumado maconha na concentração. Mas os atletas argentinos preferiram o silêncio total. O que ainda gera mal-estar entre os demais jornalistas que cobrem a seleção.
– Nós trabalhamos de maneira igual. O jornalista tem que informar, buscar focos, mas é feio porque parece que é uma parte do trabalho que não estamos fazendo. Para nós, entrevistar é importante. É incômodo, é injusto, porque em geral, foi injusto. Deveriam se irritar com algumas pessoas pontuais, como todos nós fazemos. Quando alguém lhe falta com respeito, deixamos de cumprimentá-la, brigamos. Mas, nesse caso, não foi todo mundo que faltou com respeito, mas todos estamos pagando – opina o repórter do canal TyC Sports, Martín Arévalo.
Há quase um ano, os torcedores argentinos só ouvem as vozes e palavras de seus ídolos por meio de manifestações nas redes sociais. Ao menos enquanto estão servindo a seleção. O jornalista Maximiliano De Vita Lemus, da rádio Belgrano AM 650, concorda com Arévalo. Acredita que a postura dos jogadores esteja equivocada e se sente injustiçado.
– Ficou difícil cobrir a seleção. É um tema delicado, tocou em um tema pessoal, mas parece que o problema foi com um só jornalista e que todos os outros pagaram. É a nossa revolta. Por culpa de um pagamos todos. A verdade é que não está bom. Que se resolva com esse jornalista e nós, que viemos com boas intenção de cobrir a seleção, tenhamos a possibilidade de perguntar, conversar e fazer todo o tipo de cobertura – declara.
Jornalista Gabriel Anello mantém denúncia
Autor da denúncia que gerou a crise na relação entre jogadores e imprensa, o jornalista Gabriel Anello mantém um programa diário na rádio Mitre, mas não cobre a seleção como setorista. Ele não tem problemas em falar sobre o assunto. Pelo contrário. Ratifica a denúncia e diz que tem provas, mas só irá mostrá-las em um possível processo judicial. Na época, Lavezzi declarou que iria à Justiça contra Anello, mas, segundo o jornalista, isso nunca ocorreu.
– Lavezzi consumiu uma substância proibida enquanto estava concentrado para servir a seleção. Tenho provas, sim. Mas não me parece que um jornalista tenha que mostrar as provas para confirmar a informação. É direito do jornalista resguardar sua fonte. A porta judicial está aberta, Lavezzi pode tentar, é um direito dele. Mas tem só mais um ano para demandar isso, visto que dois anos após o fato a possível denúncia prescreve – declara Anello.
O jornalista reforça que, quando fez as acusações a Lavezzi, disse que Edgardo Bauza, técnico à época, o deixaria fora do banco de reservas do jogo diante da Colômbia, e assim o fez. Normalmente, em jogos de eliminatórias, treinadores colocam todos atletas à disposição no banco. Para Anello, os jogadores da seleção estavam irritados com as críticas da imprensa argentina há tempos. E usaram o episódio como um trampolim para tomarem a decisão.
– Creio que não foi o motivo pelo qual deixaram de falar. Sempre ameaçaram isso. Foram muito inteligentes em desviar o foco. Há uma crítica muito grande à seleção da Argentina. É a seleção que fez menos gols depois da Bolívia e jogou mal com Uruguai – argumenta.
O repórter da TyC Sports, Martín Arévalo, vê coerência no que Gabriel Anello diz, mas não deixa de ressaltar que acredita que a acusação do colega de profissão seja falsa e, portanto, motivo suficiente para uma medida drástica.
– Creio que fizeram isso porque sabem que isso (denúncia contra Lavezzi) foi muito grave, então ninguém ia questionar. A realidade é que eles já estavam incomodados, porque a Argentina, depois das três finais perdidas, muitos falaram que eram fracassados. Se esqueceram que a Argentina ficou 24 anos sem chegar a uma final de Copa. Não sinto que são fracassados, sinto que chegaram a um lugar que nos custou chegar. Evidentemente estavam incomodados com a forma como os tratam em seu país.
Afa espera que jogadores voltem a falar
Oficialmente, a Afa se limita a dizer que “respeita a decisão dos jogadores”. No entanto, internamente a entidade trabalha para que a lei do silêncio acabe na seleção. O trabalho tem sido feito, mas “aos poucos”, segundo dizem dentro da associação. Há resistência dos atletas para dar entrevistas e falar até mesmo com a assessoria de imprensa da Afa.
É esperado que eles voltem a falar com a imprensa até antes da Copa do Mundo, quando, por contrato, os jogadores terão que dar entrevistas. Um representante da Afa ressaltou que, no momento, não há qualquer obrigação prevista em contrato para que eles se manifestem enquanto estejam com a camisa da Albiceleste.
– Esse é um trabalho de formiga que a assessoria da seleção está fazendo, falando com eles, e que todos estejamos em harmonia. É uma informação falsa que surgiu no WhatsApp e que quebrou a relação. Já basta. Há que admitir que isso não aconteceu e que por culpa disso estamos prejudicados – conclui o jornalista Maximiliano Lemus.
Nesta semana, houve um episódio parecido. Um rumor sobre uma suposta crise interna na Argentina surgiu em mensagens aos setoristas, mas a Afa, diante do que ocorreu com Lavezzi, tratou de agir rápido. Desmentiu, postou fotos de um jantar entre os jogadores, comissão técnica e diretoria para mostrar que o clima era agradável. E Sampaoli também se manifestou. Havia a esperança de que os jogadores voltassem a dar entrevistas na próxima rodada dupla. Após os dois empates, com Uruguai e Venezuela, é pouco provável que isso aconteça.
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