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Pai de Neymar diz em depoimento ter idealizado contratos sob investigação

Ao MPF paulista, empresário defende legalidade, enquanto à Justiça espanhola ele afirma que o "Santos não precisava saber" de acordo

Por Globo Esporte 18/01/2017 08h01
Pai de Neymar diz em depoimento ter idealizado contratos sob investigação
Reprodução - Foto: Assessoria

Em depoimento ao Ministério Público Federal de São Paulo, o pai de Neymar, Neymar da Silva Santos, afirma ter sido dele a ideia dos acordos assinados em 2011 para a transferência do atacante ao Barcelona, que seria concretizada apenas dois anos depois. Os contratos se tornaram alvo de polêmica e resultaram em investigações fiscais e criminais no Brasil e na Espanha. Além disso, geraram uma disputa milionária com o Santos na Fifa.

Em gravação obtida pelo GloboEsporte.com, o empresário detalha à Procuradoria Regional da República, em Santos, passos da negociação que levaram o principal astro brasileiro ao futebol europeu. As declarações, de 8 de maio de 2015, são parte de procedimento que apurava a suspeita de crimes de falsidade ideológica e sonegação fiscal nos rendimentos recebidos pelo atleta do Santos, do Barcelona e de patrocinadores.

No depoimento, Neymar da Silva Santos declara que os acordos se tornaram modelo para o clube espanhol, que teria utilizado o formato com outros atletas após a transferência de Neymar.

– Aprenderam comigo – diz o empresário ao procurador Thiago Lacerda Nobre.

Os mesmos contratos, entre a N&N Consultoria, empresa de Neymar da Silva Santos, e o Barcelona, geraram questionamentos também da Audiência Nacional de Madri, órgão do judiciário espanhol que investiga a negociação.

Ao juiz José de la Mata, o empresário diz que o Santos "não precisava saber" das negociações com o Barcelona, que ocorreram quando Neymar ainda tinha mais de dois anos de vínculo com o clube brasileiro, de acordo com a transcrição do depoimento concedido em 2 de fevereiro de 2016, também obtida pelo GloboEsporte.com. Neymar foi inquirido no mesmo dia.

O pai do atleta também diz que os dirigentes da equipe catalã tentaram evitar o pagamento de 30 milhões de euros à N&N quando o jogador se transferiu em 2013. A atitude gerou reação de Neymar da Silva Santos, que ameaçou não autorizar a transferência se não recebesse o valor.

A assessoria de imprensa de Neymar foi procurada, mas não respondeu aos questionamentos do GloboEsporte.com até a publicação desta reportagem. O Barcelona informou, por e-mail, que não comentaria as declarações.

"Adianta uns 10 milhão"

Em novembro de 2011, de posse de uma carta assinada pelo então presidente do Santos, Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro, morto em 2016, que o autorizava a negociar o futuro do Neymar, Neymar da Silva Santos assinou, através da N&N, um contrato de 40 milhões de euros com o Barcelona para garantir a transferência do jogador em julho de 2014, quando fosse encerrado o vínculo do atacante com o Santos – a empresa se declarava a detentora dos direitos de Neymar a partir do momento em que ele se tornasse agente livre.

Menos de um mês depois, o Barcelona aceitou pagar 10 milhões de euros através de um contrato de empréstimo, forma utilizada para evitar que o pagamento fosse caracterizado formalmente como um adiantamento, o que desrespeitaria as regras de transferência da Fifa.

Ao MPF, Neymar utiliza a transferência do filho para falar, de forma hipotética, sobre o modelo desenvolvido por ele.

– Você quer esse moleque pra... não, só entrego daqui a dois anos. Adianta uns 10 milhão aí (sic), como a título de empréstimo, legaliza – conta Neymar ao procurador.

No último dia 4, o GloboEsporte.com revelou áudios dos depoimentos do ex-presidente do Barcelona Sandro Rosell, e do atual, Josep Maria Bartomeu, à Justiça de Barcelona em que ambos admitem terem pagado um "sinal" e contratado Neymar em 2011, muito antes do prazo permitido pela Fifa, que só autoriza a assinatura de pré-contratos a jogadores com no máximo seis meses de vínculo – Neymar estava a dois anos e meio do fim de seu contrato com o Santos.

Rosell deixa claro em seu interrogatório, de 2015, que negociou um adiantamento, e que o departamento jurídico do Barcelona é quem entendeu ser melhor formalizar o repasse como um empréstimo.

No tribunal de Madri, Neymar da Silva Santos justifica o pagamento dos 10 milhões adiantados para a gestão da carreira do filho.

– Se estamos fazendo um contrato para que Neymar chegasse livre em 2014, eu tinha três anos para trabalhar. [...] Então me adianta alguma coisa para que eu trabalhe e faça a gestão do jogador.

A resposta não satisfez o juiz:

– Esse empréstimo era um pagamento antecipado dos 40 milhões (de euros), de uma parte dos 40 milhões (de euros) – insiste de la Mata.

– Sim, poderia ser – afirma Neymar da Silva Santos, que depois contemporiza:

– Se eu não entrego Neymar, eu tinha que devolver o empréstimo e pagar 40 milhões (de euros). [...] E eu tinha que fazer a gestão desses 10 milhões de euros, não? Porque eu tinha que devolver na (cotação atual da) moeda.

"Não precisava hablar para Santos"

O Santos só soube do acordo entre o pai do jogador e o Barcelona, assinado em 2011, após a transferência ser concretizada em 2013. Pela rescisão, o clube paulista recebeu 17,1 milhões de euros, valor dividido com os fundos de investimentos DIS (40%) e Teisa (5%).

Apesar do vínculo vigente e superior aos seis meses em que a Fifa permite a assinatura de um pré-contrato, Neymar da Silva Santos defendeu ao juiz de la Mata que não tinha a obrigação de informar ao Santos sobre os acertos com o Barcelona.

– Ele (Santos) sabia que ia eu negociar meu filho futuramente. Que eu poderia falar para os clubes (interessados) que não sairia agora, só sairia em 2014 – respondeu.

De la Mata, novamente, insiste em saber se o Santos tinha conhecimento dos acordos firmados com o Barcelona.

– Santos não faz parte, não precisava saber – completa Neymar.

O assunto volta à tona mais à frente no interrogatório, quando o juiz questiona se o contrato de 40 milhões de euros influenciou no valor que o Barcelona pagou ao Santos em 2013, de 17,1 milhões de euros.

– Não precisava hablar para Santos – diz Neymar, misturando português com espanhol.

No mesmo depoimento o pai do atacante afirma que o Barcelona tentou evitar o pagamento dos 30 milhões de euros restantes do acordo com a N&N quando definiu a contratação de Neymar em 2013. O empresário conta que bateu o pé e exigiu o cumprimento do combinado.

– Barcelona achou que pagaria para Neymar, para mi empresa, pagaria de multa 17 milhões e 100 (mil euros), e eu perdoaria (o pagamento dos 30 milhões de euros restantes), e (o Barcelona) me perdoaria o empréstimo de 10 milhões (de euros). Eu executei, eu falei para o Barcelona: "Ou tu me paga ou Neymar não vai".

Os 30 milhões de euros exigidos por Neymar da Silva Santos foram pagos: 25 milhões de euros em setembro de 2013, os 5 milhões de euros finais no começo de 2014.

Por conta desses contratos, a DIS denunciou Neymar, seu pai e o Barcelona na Justiça da Espanha por fraude – a promotoria local pediu, em novembro, que o atacante fosse condenado a dois anos de prisão, além de multa equivalente a R$ 36 milhões.

No Brasil, os mesmos personagens protagonizam denúncia do Ministério Público, que os acusa de sonegação e falsidade ideológica. O pedido foi rejeitado pela Justiça Federal em fevereiro do ano passado, mas sem a análise das acusações. O argumento para o arquivamento foi o de que a denúncia só poderia ser feita após o fim de processo administrativo na Receita Federal. O caso ainda não se encerrou no Fisco – um recurso será julgado a partir desta quinta-feira (19) pelo Carf (Conselho Administrativos de Recursos Fiscais), em Brasília.

"Ninguém pode falar nada"

Ao MPF paulista, Neymar da Silva Santos defendeu a legalidade de toda a operação:

– Tanto que hoje lá na Fifa o Neymar é exemplo. É um modelo de gestão que está sendo utilizado – afirmou.

Ele cita o próprio Barcelona como clube que implantou o formato após a contratação de Neymar. À época do depoimento, em maio de 2015, os catalães estavam impedidos pela Fifa de registrar novos jogadores por aliciar atletas menores de idade.

– Sabe qual a gerência que eles estão estudando? A nossa. Sabe o que eles fizeram? Eles estão contratando. Contrata para pegar depois.

Um dos casos que se aproximam ao que foi dito por Neymar é o do meia turco Arda Turan. O jogador, então do Atlético de Madrid, foi contratado pelo Barcelona em julho de 2015, quando a punição ainda estava vigente. O atleta, porém, ficou seis meses apenas treinando e só pôde estrear em janeiro de 2016, quando o clube já podia registrar novos reforços.

Há diferença importante com relação ao caso de Neymar, entretanto. O Barcelona entrou em acordo com o Atlético para ter Turan, enquanto ignorou o Santos ao fechar um contrato diretamente com Neymar – só procurou a direção alvinegra em 2013 ao decidir não esperar o fim do vínculo do jogador, já que era necessário negociar uma rescisão.

O pai do atacante defende ter conversado com os espanhóis com permissão do presidente do Santos na época, Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro, que assinou uma carta que autorizava o empresário a negociar a transferência de Neymar.

O Santos, hoje, entende que o documento não foi respeitado, pois, para a diretoria, só permitia a concretização de uma transferência a partir de julho de 2014 – na visão alvinegra, o negócio foi selado em novembro de 2011 com o pagamento de 10 milhões de euros ao pai de Neymar.

Carta em que o Santos autoriza o pai de Neymar a negociar a transferência do atleta (Foto: Reprodução / Instagram)

Ao Ministério Público, o empresário reforça sua tese:

– Aí o que o Barcelona está fazendo? Chegou direto no jogador, fez, daqui a dois anos eu pego você. Assim seu Neymar? Assim. Simples. Porque aí a Fifa, ninguém pode falar nada. [...] Se eu não registrar não tem problema na Fifa. E não pode registrar, mas eu posso fazer um contrato. [...] E executo lá na frente – explica o pai de Neymar.

Nos tribunais

O pré-acordo entre Barcelona e Neymar levou o Santos à Fifa, onde os brasileiros cobram uma indenização de cerca de 65 milhões de euros pela transferência supostamente irregular do atacante. O caso também pode render uma suspensão ao atleta. Não há previsão para uma definição, porém.

Em entrevista ao "Redação SporTV", no último dia 4 de janeiro, o advogado Marcos Motta, que representa Neymar na Fifa, afirmou que o pai do atacante tinha autorização para negociar "com o clube de sua escolha" pela carta de Luis Alvaro.

Mas os questionamento vão além da esfera esportiva. Há procedimentos fiscais e criminais tanto na Espanha como Brasil.

O primeiro deles, em Barcelona, de onde saíram os depoimentos em que Rosell e Bartomeu admitem o pagamento de um "sinal" ao pai de Neymar em 2011, foi encerrado em dezembro. A Justiça, que investigava crime de sonegação, fez acordo com o clube catalão, que pagou multa de 6 milhões de euros.

Outro processo está em Madri, este uma denúncia do fundo de investimentos DIS, que acusa Neymar de fraude. A ação chegou a ser arquivada em julho de 2015 – o juiz de la Mata concluiu que, apesar de Neymar e o Barcelona terem burlado as regras da Fifa, não havia indícios de crime perante a lei espanhola –, mas foi reaberto em segunda instância, quando houve o pedido de prisão ao jogador pelos promotores locais.

As autoridades brasileiras também atacaram a transferência. Primeiro foi a Receita Federal, que multou Neymar em R$ 188,8 milhões por sonegação fiscal – valor que foi bloqueado pela Justiça e já ultrapassa os R$ 200 milhões, com juros. O atacante recorre dessa decisão no Carf, em julgamento marcado para começar nesta quinta-feira, em Brasília.

A sessão do Conselho será acompanhada de perto pelo Ministério Público. Os procuradores esperam que a sanção seja mantida para que possam apresentar nova denúncia criminal contra o jogador, já que assim, esgotados os recursos administrativos, estaria ultrapassada a barreira que impediu a apreciação das acusações feitas em 2015 à Justiça Federal.

Na denúncia feita em janeiro do ano passado, os procuradores imputaram 21 crimes de sonegação e 12 de falsidade ideológica ao pai do atleta, além de outros três crimes de sonegação e seis de falsidade ideológica a Neymar. Ambos sempre negaram as acusações.