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Rei do Futebol esteve em Alagoas por quatro vezes

Tribuna mostra os passos do atleta do século nas suas viagens pelo estado contrariando projeto de lei que queria retirar seu nome de estádio

Por Wellington Santos / Tribuna Independente 24/10/2020 17h48 - Atualizado em 27/12/2022 00h32
Rei do Futebol esteve em Alagoas por quatro vezes
Governador Lamenha Filho ao lado do Rei do Futebol em 25 de outubro de 1970, na segunda passagem de Pelé por Alagoas, para inaugurar o estádio que leva seu nome e que projeto de lei quer alterar - Foto: Arquivo

Às vésperas de completar 80 anos, data festejada mundialmente na última sexta feira (23), Pelé, ex-jogador e craque aclamado Rei do Futebol em todos os tempos no planeta, presenteou seu fiel público e torcida com um vídeo gravado em sua casa. Ele fez uma reflexão sobre a idade e a data. Pelé disse aos fãs que está feliz e saudável, e satisfeito ao alcançar os 80 anos “com lucidez”.

Essa lucidez da qual fez referência o Rei do Futebol provavelmente tem faltado à boa parte dos parlamentares da Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE) que ainda irá votar uma emenda ao esdrúxulo e deselegante projeto de lei - como têm classificado pelas redes sociais muitos torcedores, crônica especializada, personalidades e até pessoas alheias ao futebol em Alagoas - que retira, mesmo que parcialmente, o nome de Pelé de uma das maiores homenagens feitas a ele ao redor do mundo, na maior praça esportiva de Alagoas: o Estádio Rei Pelé. O argumento é de que o rei do futebol “não teria dado a devida atenção aos alagoanos com a homenagem”.

Inaugurado em 25 de outubro de 1970, cujos 50 anos são comemorados neste domingo, o Estádio Rei Pelé, o Trapichão - como também é popularmente conhecido - teve seu nome alterado para Rainha Marta, num “drible” político que, para muitos, põe a alagoana jogadora Marta em uma “saia justa”. A propositura foi do deputado Antônio Albuquerque (PTB).

As últimas informações sobre o assunto dão conta que os deputados devem analisar uma emenda que pode deixar o novo batizado do estádio com dois nomes: “Rei Pelé e Rainha Marta”.

O tema deve voltar à discussão, mas, com a pandemia do novo coronavírus, o assunto dormita na ALE e ainda não tem data definida para a votação da emenda.

Simpático, Pelé cumprimenta torcedores alagoanos no jogo do dia 25 de outubro de 1970 (Foto: Museu dos Esportes)


A emenda modificativa do texto que alteraria a proposta para que o nome fique “Estádio Rei Pelé e Rainha Marta” é de iniciativa do deputado Sílvio Camelo, líder do governo na Casa, e foi costurada nos bastidores, com o intuito de evitar a supressão do nome de Pelé e para “acalmar” um pouco a insatisfação e pressão popular em torno do polêmico projeto.

Segundo Albuquerque, em entrevistas anteriores, a mudança  para Rainha Marta foi motivada pelo fato de Pelé, “ter desprezado os alagoanos e nunca ter pisado em Alagoas”.  A Tribuna Independente tentou falar com o deputado através de sua assessoria, mas não conseguiu contato.

Nesta reportagem, a Tribuna Independente demonstra que o argumento do deputado e seus pares é um erro, ao trazer à baila a evidência da ignorância histórica dos fatos. Em outras palavras, o projeto que retira (ou minimiza) parcialmente o nome do Rei do Futebol do estádio briga com a história.

Em uma rede social sobre a polêmica, o jornalista Plinio Lins sugeriu: “acho que essa polêmica teria um fim merecido se a nossa querida Marta fizesse o que se espera dela: vir a público agradecer a lembrança do seu nome e pedir que não mudem o nome do estádio. Seria um gesto de grandeza dela”.

1965: Rei é apresentado a Alagoas pela primeira vez    

Para iniciar a derrubada do argumento de que Pelé nunca teria pisado em Alagoas, é preciso voltar ao ano de 1965. É desta data a primeira apresentação de Pelé em solo alagoano e foi registrada no dia 25 de julho. Depois de ter ganho duas Copas do Mundo, 1958 e 1962, o Rei do Futebol entrou em campo no lendário Estádio Severiano Gomes Filho, na Pajuçara. Foi um amistoso entre CRB e Santos.

Melhor jogador de todos os tempos posa com o timaço do Santos, na Pajuçara, em 1965 (Foto: Museu dos Esportes)


Em campo, o Santos não tomou conhecimento do adversário e goleou o então campeão alagoano CRB por 6 a 0, com dois gols do Rei.

Naquela tarde de maio de 1965, todo foco era em Pelé, que  vivia o auge de sua fama no Santos. Segundo conta o historiador esportivo Lauthenay Perdigão, a torcida começou a chegar às dez da manhã, todos queriam ver o rei. As arquibancadas e as cadeiras sociais estavam lotadas, como também os muro e árvores ao redor do campo.

O primeiro tempo terminou em zero a zero e o inesperado aconteceu: Pelé chegou a ser apupado pela torcida alvirrubra. E olhe que era apenas um amistoso.

Mas, no segundo tempo, toda a constelação santista e Pelé brilharam e  “carimbaram” a faixa do campeão alagoano, com uma goleada e show do rei.

“Mangaram do Pelé e ele se encabulou, mas deu a troco no segundo tempo. Eu já estava na banheira me ensaboando, pois tinha sido substituído pelo Humaitá, quando ouvi os gritos de fora, gol do Pelé! e depois outro, e outro. Ele fez dois, o CRB perdeu de seis a zero. Não sei para que o povo foi mexer com o Pelé”, lembra o ex-atacante do CRB Xavier, o Flecha Negra, um dos que participaram do jogo épico, em depoimento à Tribuna Independente.

Pelé (de branco, no canto à direita) pelo Santos, em 1965, no campo do CRB, na goleada que o time paulista sapecou no Galo por 6 a 0 (Foto: Museu dos Esportes)


Tricampeão mundial, em 1970 Pelé volta e inaugura estádio

Depois de deixar sua marca em 1965, no lendário estádio Severiano Gomes Filho, Pelé volta a Alagoas pela segunda vez, agora como tricampeão do mundo pela Seleção Brasileira para uma honraria ainda maior: inaugurar o estádio que leva seu nome, fato que ocorreu no dia 25 de outubro de 1970. E nesta segunda vinda a Alagoas, o grande homenageado marcou presença no amistoso entre Santos e Seleção de Alagoas. Com Pelé em campo, o Peixe santista goleou por 5 a 0.

A camisa número 10 de Pelé, autografada pelo ídolo naquela partida de inauguração do estádio que leva seu nome, é a prova viva da presença do rei na primeira partida oficial naquele gramado, diante de cerca de 40 mil pessoas. A badalação sobre a equipe paulista era tão grande que no dia anterior à inauguração, as autoridades alagoanas ofereceram um jantar aos jogadores do time paulista no Clube Fênix Alagoana.

O autor do primeiro gol do estádio foi o meia Douglas.  Pelé marcou dois gols e Nenê mais dois.

Naquele dia a Seleção de Alagoas jogou com Cocorote, Ciro, Dida, Lourival e Aranha; Rinaldo e Zito; Canavieira, Adeildo, Zezinho e Canhoteiro. O Santos formou com Cejas, Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Marçal (Ramos Delgado) e Rildo; Clodoaldo (Lima) e Nenê; Davi, Douglas, Pelé (Luz Carlos Feijão) e Abel. O juiz da partida foi Armando Marques.

Sobre o batismo (e a mudança repentina) do nome do estádio que se chamaria Governador Lamenha Filho, de acordo com Lauthenay Perdigão, em julho de 1970, quando o Brasil ganhou o tricampeonato mundial no México, foi organizada uma grande festa na Praça dos Martírios, em frente ao Palácio do Governo. Jornalistas que trabalhavam com o governador Lamenha Filho disseram que ele ficou entusiasmado com as comemorações e a conquista. Como Pelé foi o grande nome da Seleção e estava se despedindo das Copas, o governador retirou o seu nome, que seria dado ao estádio, e colocou o nome de Rei Pelé.

O ex-governador Teotônio Vilela, jornalista Eliane Aquino e o Rei do Futebol, em 2010, nas Alagoas (Foto: Divulgação)


O jornalista Bernardino Souto Maior, em uma rede social, classificou assim o atual projeto: “Maior desrespeito foi com governador Lamenha Filho, que retirou seu nome para homenagear o jogador do século”.

Outro a se manifestar por rede social foi o também jornalista Enio Lins: “Me lembro bem da entrevista ao vivo dada por Lamenha Filho,  no calor das comemorações do Tri, anunciando entusiasmado que ‘a partir de agora o estádio não se chamará mais Lamenha Filho, se chamará Rei Pelé!!. Isso é história, não pode nem deve ser alterada”, escreveu Lins.

Ato político e solidário: Rei volta a Alagoas terceira e quarta vezes

Mas o Rei do Futebol pisaria o solo alagoano mais algumas vezes. Na terceira, era 25 de junho de 2010, e após fazer um sobrevoo com o então governador Teotônio Vilela para ver os estragos provocados pelas enchentes que deixaram rastro de mortes e 70 mil desabrigados naquele ano em Alagoas, Pelé desembarcou de helicóptero no estádio que leva seu nome.

Entrou pela lateral de acesso aos novos vestiários que estavam sendo inaugurados naquele dia. Depois de circular pelo novo equipamento, Pelé, muito solícito, concedeu uma tumultuada e disputada entrevista onde todos buscavam uma frase ou uma foto com o Rei. Depois, subiu o túnel de acesso ao gramado. No centro do gramado, com a bola na marca de saída, Pelé bateu bola com o governador Teotônio Vilela e o prefeito de Maceió Cícero Almeida.  Pelé ainda deixou a marca dos seus pés no Hall da Fama do Museu dos Esportes Dida.

Porém, alguns anos antes, o jornalista Enio Lins lembra mais uma data que quase ninguém se recorda ou passou despercebido, de mais uma passagem do maior jogador de futebol no mundo em todos os tempos no Estado. “Pelé esteve em Alagoas pelo menos mais uma vez, além das três assinaladas corretamente. Praticamente a única ação engajada de Pelé num evento de afirmação racial foi em nossa terra, quando ele compareceu ao Tricentenário de Zumbi, no dia 20 de novembro de 1995, em União dos Palmares”, relembra Lins.

Gilberto conta detalhes do jogo do rei na inauguração do estádio em 1970 (Foto: Edilson Omena)


Depoimentos de quem viu o Rei jogar em solo alagoano

O menino tinha então 14 anos e viu se concretizar um sonho que acalentava desde que o nome de Pelé virou lenda nos principais meios de comunicação, à época, como o rádio, o jornal e o cinema, pois a TV ainda era um artigo raro e de luxo naquele 1970 para a grande a maioria da população em Alagoas. Gilberto Lima, radialista, hoje com 64 anos, se paramentou  para ver o rei do futebol e recém-tricampeão do mundo inaugurar o estádio que leva seu nome.  “Lembro-me de que foi um dia inteiro de festa, com direito a entrevista coletiva no hotel onde o Santos estava hospedado. No estádio, não tinha lugar para mais ninguém, pois eram cerca de 45 mil pessoas. E o Pelé foi supersimpático com todos, deu volta olímpica,  descerrou placa e ainda fez dois gols”, relata Lima. O menino Gilberto ficou espremido entre cerca  de 15 mil pessoas na antiga geral, local criado para acomodar os torcedores mais pobres que ficavam em pé. Com as reformas feitas ao longo do tempo no estádio, a geral foi extinta.

Outro personagem que estava naquele dia 25 de outubro no estádio e viu Pelé   não era nenhum Garrincha, nem tampouco jogador de futebol, embora um dos seus principais instrumentos de trabalho tenham sido as carreiras que dava, além da indumentária contendo sprays, gelo e outros apetrechos na bolsa que usava no seu ofício. Mas nasceu com algo que se assemelhava ao imortal Anjo das Pernas Tortas.

Seu feito histórico? No dia 8 de abril de 1976, no clássico CSA x CRB, válido pelo quadrangular decisivo do 1° turno do Campeonato Alagoano, impediu um gol do CRB na reta final do duelo. Cícero Lopes de Araújo, o “Castanha”, 76 anos, viu Pelé quando este esteve em Alagoas pela segunda vez e conta o que estava fazendo e viu: “Eu fui o massagista da Seleção Alagoana. Me senti bem feliz pois não é comum ver uma inauguração de estádio  com o rei do futebol. Ainda  me sinto muito emocionado”, diz o lendário massagista.