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Jornalista relembra o cantor Belchior em livro: "Ele rompeu com o mundo"
Cantor morreu aos 70 anos em abril deste ano
Belchior morreu, mas está bem longe de ser esquecido. Além de inúmeros tributos feitos por músicos de todas as gerações, chega às livrarias a biografia Apenas um Rapaz Latino-Americano (Ed. Todavia). No livro, o jornalista Jotabê Medeiros teve o desafio de compreender o fenômeno Belchior.
Jotabê não conseguiu entrevistá-lo, apesar de ter começado a biografia meses antes do falecimento do cantor. E pior: ele havia tentado um encontro com o ídolo justamente na semana do triste fato.
Mesmo assim, Jotabê cobriu as incríveis histórias de Belchior através de pesquisas e conversas com parceiros musicais, amigos de infância, familiares e produtores musicais. Poeta, filósofo moderno, compositor e cantor de voz única, o cearense fez muito sucesso nos anos 70.
A partir do segundo disco, Belchior deixou o experimentalismo de lado e acertou um tiro certeiro chamado Alucinação. Ao contrário do fracasso de vendas na estreia, o novo trabalho foi bem. Na época, Elis Regina regravou do cearense Como Nossos Pais e Velha Roupa Colorida — duas músicas que são hits eternos na discografia da cantora.
A partir dos anos 2000, Belchior surpreendeu os brasileiros ao sair de cena. Sumiu. Notícias polêmicas estamparam manchetes de uma possível fuga do cantor para o Uruguai por conta de dívidas.
A geração atual ficou ainda mais curiosa quando Belchior se autoexilou. Como já aconteceu em outros casos no mundo artístico, o sumiço dele o elevou a artista cult. Jovens passaram a procurar os vinis em sebos e a usar camisetas estampadas com frases de letras do ídolo. Para Jotabê, "ele rompeu com o mundo por uma decisão filosófica".
Porém, a notícia infeliz veio em abril. Belchior morreu, aos 70 anos, em Santa Cruz do Sul, onde vivia o anonimato com sua recente companheira.
Para saber mais sobre Bel, como o cantor era conhecido pelos amigos, o R7 conversou com Jotabê Medeiros.
R7 — Como surgiu a ideia de escrever sobre o Belchior? Jotabê Medeiros — Meu antigo editor, Miguel de Almeida, tinha me perguntado se eu não gostaria de fazer uma biografia e de quem escolheria, se fosse fazer. Não soube responder de imediato, mas depois vi que Belchior era um dos que eu mais admirava. E havia um mistério a ser resolvido, o do sumiço dele, que me desafiava enquanto repórter. Resolvi fazer e comecei há um ano e meio.R7 — Você tentou falar com o Belchior para propor uma autobiografia? Jotabê Medeiros — Eu ia tentar um encontro com ele na semana que ele morreu. Estava tudo pronto para viajar para Santa Cruz do Sul, onde ele viveu os últimos anos da vida dele. Fui surpreendido pela morte. Eu pensava escrever uma biografia como uma obra aberta, com o desaparecimento dele como um capítulo especial. Mas aí tive que reformular.
R7 — Quais foram as dificuldades para encontrar o Belchior? Jotabê Medeiros — Não falei com ele. Por sinal, raríssimas pessoas falaram com ele nos últimos 10 anos. Eu tinha feito uma entrevista com ele nos anos 1990, mas nunca mais nos encontramos.
R7 — Você lembra foi sua primeira experiência com a música de Belchior? Jotabê Medeiros — Sim, lembro. Em 1980, eu vivia em Curitiba. Tinha um toca-fitas de carro adaptado onde ouvia os únicos três discos que possuía: Desire (Bob Dylan), A Peleja do Diabo com o Dono do Céu (Zé Ramalho) e Alucinação (Belchior). Parte do que eu me tornei tem influência direta das letras dele, da musicalidade.R7 — Quanto tempo você levou pra escrever o livro e quais foram os momentos mais emocionantes que você se deparou pelo caminho? Jotabê Medeiros — Demorou um ano e meio. Acho que o momento mais emocionante foi quando fui tomar um café com Camila Belchior, filha dele. Eu queria muitas informações dela, mas ela tinha perdido o pai. Eu me senti meio egoísta, mas ela foi muito compreensiva e doce e deu um impulso fundamental para finalizar o livro.
R7 — Houve algum problema na hora de pesquisar sobre a vida de Belchior? Você encontrou artistas e familiares que se recusaram a falar sobre ele? Jotabê Medeiros — Antes da morte dele, não foi fácil me aproximar de ninguém. Belchior não queria ser encontrado nem que falassem sobre ele e as pessoas respeitavam isso. Após a morte dele, quase todos perderam o receio de se abrir.R7 — Em sua pesquisa, você descobriu algum material inédito de Belchior? Jotabê Medeiros — Sim. Jorge Mello, parceiro dele em 29 canções, tem diversas inéditas, assim como Lúcia Menezes, cantora cearense. Há outros artistas que têm músicas dele ainda não gravadas. Mas eu creio que a voz de Belchior era o que mais fazia falta, e é uma pena que não vamos poder ouvi-lo novamente.R7 — O Belchior acabou virando cult após seu autoexílio? Jotabê Medeiros — Sim, ele se tornou objeto de um culto posterior ao desaparecimento. Mas ele teve reconhecimento em vida. Foi um dos raros artistas brasileiros a vender meio milhão de discos nos anos 1970. Fez shows lotados. Daí encaminhou-se para um caminho mais independente, mas por decisão própria. Ainda assim, podia tranquilamente fazer mais de 150 shows por ano, todos com grande público. Ele rompeu com o mundo por uma decisão filosófica.
R7 — Elba Ramalho chegou a dizer que Belchior talvez tenha morrido de "decepção". Você concorda? Jotabê Medeiros — Acho que ele não tinha planos de morrer. Amava a vida. Mas Elba está certa em relação à decepção. Ele não suportava mais os jogos de exercício de poder e a domesticação de certa parcela da atividade cultural no Brasil.
R7 — Qual é a importância de retratar um artista como Belchior? No Brasil, vários artistas são reverenciados após a morte... Recentemente, perdemos Luis Melodia e Wilson das Neves, só pra dar dois exemplos. Jotabê Medeiros — Eu creio que há artistas cuja obra e independência são tão agudas e contundentes que tornam-se incômodos para o establishment. Belchior e Melodia certamente pertencem a esse grupo. Mas eles sabiam perfeitamente que eram incômodos.
R7 — Como você recebeu a notícia da morte de Belchior? Sendo que você estava tão próximo de um encontro com ele... Jotabê Medeiros — Fiquei desolado. Muito triste mesmo. Eu sonhava com um diálogo com ele, um papo, um vinho, uma conversa sobre música e cinema. Tinha uma esperança de que voltasse.
R7 — Qual foi a mensagem mais importante que a arte de Belchior nos deixou? Jotabê Medeiros — Há muitas mensagens importantes, mas talvez a maior delas, no momento, é a da grandeza do espírito humano. Belchior nasceu numa pequena cidade do sertão nordestino, de família modesta. Aprendeu sete idiomas estudando sozinho. Leu os clássicos e nutriu-se do conhecimento sobre psicanálise e filosofia. Mas não usou todo esse background para exercitar algum poder sobre sua gente; ele o usou para tentar compreender a alma do brasileiro, suas motivações e seu arcabouço cultural. E, ao entender tudo, traduziu em música e alegria popular o que sentia. Esse é o tesouro.
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