Bizarrice, estilo, requinte e personagens inquietantes. David Lynch resgatou o universo de Twin Peaks e entrega ao público um produto extremamente bem acabado e tão cool que chega a ser irritante (no bom sentido, claro). Este retorno, que funciona como uma terceira temporada, era uma das estreias mais aguardadas do ano, afinal, é a volta de um clássico absoluto. A volta foi neste domingo (21) nos EUA e na segunda (22) na Netflix, inclusive no Brasil.

A história acontece 25 anos depois dos eventos vistos nas duas primeiras temporadas, exibidas em 1990 e 1991. Praticamente todos os personagens do passado estão de volta, o que inclui o Agente Cooper (Kyle MacLachlan), que dá as caras de duas maneiras diferentes nestes dois episódios iniciais (veremos um por semana no total de 18). Cooper aparece no mundo dos sonhos como o agente do FBI que todo mundo conhece e também no mundo real, onde surge incorporado por Bob, entidade maligna que quem viu a série antiga conhece bem.

O que vemos nesse início de terceiro ano é uma história nova que, diferentemente do passado, tem desdobramentos na própria cidade de Twin Peaks, em Nova York, Las Vegas e algumas outras cidades do interior americano. Muita coisa tem ligação com o que foi visto lá no início dos anos 90 e é bom ter assistido aos episódios originais para ter uma experiência mais completa.

Já no começo vemos alguns assassinatos esquisitíssimos e altamente misteriosos. Também há aparições estranhas, alguns elementos sobrenaturais, gente falando de maneira estranha, sumindo no ar e por aí afora. É o diretor David Lynch em plena forma, comandando as imagens e os personagens como só ele sabe fazer. As cenas, ângulos e interpretações são todas feitas com esmero, tudo muito caprichado, o que faz o espectador ver na tela da TV (ou do computador/tablet etc) uma superprodução digna de cinema. E esta temporada da série foi filmada desta maneira: como um longa-metragem único, apenas dividido em 18 partes. Aliás, foi ótimo que nesta nova vida Twin Peaks não tenha sido disponibilizada com todos os episódios na Netflix. É que como nos EUA ela está sendo exibida semanalmente, não daria para colocar tudo de uma vez no serviço de streaming. Bem legal, porque dá aquela sensação de estar assistindo a tudo lá nos anos 90, um episódio por semana, aguardando ansiosamente pelo próximo passo.

A série de Lynch e do roteirista Mark Frost voltou e não decepciona em nada até aqui. Claro, ainda há mais 16 episódios, mas com esta dupla tendo o controle sobre toda a história (o que não aconteceu no segundo ano, em 91), dá para confiar que estamos diante de um novo clássico. Certamente haverá muitas surpresas e personagens únicos, que vão estarrecer todo mundo. Twin Peaks foi feita para amantes de seriados e de esquisitices estilosas. Aproveite.

CLÁSSICO DA TV

Quando estreou, lá no começo dos anos 90, Twin Peaks foi uma revolução na TV. Ela era diferente de tudo o que estava no ar, que eram aqueles seriados tipo novelões, como Dallas, Barrados no Baile, ou coisas MacGyver, Blossom, Saved By the Bell, Um Maluco no Pedaço etc. O seriado de David Lynch chegou mostrando um estilo inédito. Seu diretor, vindo do cinema, mostrava um produto bem acabado, com interpretações densas, personagens com muita profundidade e um mistério que deveria ser desvendado ao longo dos episódios. A revelação sobre quem matou Laura Palmer ficou martelando na cabeça dos espectadores durante meses. Para acompanhar a trama, as pessoas tinham de prestar atenção a todas as dicas, todo o trabalho no Agente Cooper pela cidadezinha de Twin Peaks. A série virou mania nacional, mesmo sendo algo ousado e com doses de bizarrice.

Os primeiros oito episódios, que formam a primeira temporada, são irretocáveis e mostram por que Twin Peaks é um clássico absoluto que influenciou o mundo da TV dali em diante. O segundo ano teve problemas de produção, com brigas entre Lynch e a direção do canal ABC, o que provocou uma queda na qualidade dos episódios. A emissora também insistiu para que fosse revelado logo quem matou Laura Palmer, coisa que o diretor era contra. Isso fez com que a audiência caísse fortemente, afinal o grande mistério havia acabado.

De qualquer maneira, a série deixou sua marca para sempre e sua influência se espalhou pela TV. Arquivo X, Carnivale, Desperate Housewives, Bates Motel, Fringe, Hannibal, Veronica Mars, True Detectives, entre outras, têm características que apareceram pela primeira vez em Twin Peaks. Percebeu a importância?

Agora, o seriado está de volta e do jeito que Lynch e Frost queriam. É hora viver tudo aquilo de novo.