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Padre Fábio de Melo sobre trajetória: "Nunca quis construir um personagem"

Divulgando biografia sobre sua vida, ele relembra romance que quase o tirou do seminário: "Me deu condições de fazer uma escolha mais consistente"

Por Ego 23/11/2016 14h16
Padre Fábio de Melo sobre trajetória: 'Nunca quis construir um personagem'
Reprodução - Foto: Assessoria

Seu nome quase sempre aparece nas listas dos CDs, DVDs e livros mais vendidos no Brasil. O programa que apresenta na TV Canção Nova é um dos líderes de audiência da emissora. E suas palavras têm um alcance que atinge não só católicos.

A trajetória que tornou padre Fábio de Melo em um dos líderes religiosos de mais influência no Brasil e seus pensamentos sobre diferentes questões podem ser conferidos agora em "Humano Demais", biografia que o jornalista Rodrigo Alvarez acaba de lançar sobre o sacerdote pela Globo Livros.

Divulgando a obra pelo Brasil, padre Fábio de Melo conversou com o EGO durante um evento no Rio e falou sobre as surpresas que teve enquanto o autor pesquisava sobre sua vida, o que o fez aceitar a proposta e relembrou os envolvimentos amorosos que teve. Um deles quase o tirou do seminário. "Um homem que amou verdadeiramente uma mulher tem atributos muito interessantes que o ajudam a ser padre", diz ele.

Leia a entrevista:

Capa da biografia de Padre Fábio de Melo,'Humano Demais' (Foto: Divulgação Globo Livros)

EGO: Como foi a experiência de ter sua vida contada em um livro?Padre Fábio de Melo: O primeiro momento foi desconfortável, não acho bom alguém investigando a vida da gente assim com tanta vontade. Acaba tendo que mexer em aspectos dolorosos que a gente gostaria de não lembrar mais, mas, por outro lado, foi uma grande surpresa e alegria.

Se surpreendeu com algo ao revisitar sua história?O Rodrigo me desconstruiu em muitos aspectos. Eu achava que era de um jeito e acabava que era de outro. Tive pouco acesso à família do meu pai por motivos que desconhecia pelo próprio silêncio dele. O Rodrigo, por incrível que pareça, tirou a pedra do sepulcro e fez meu pai falar, mesmo depois de morto, através das histórias que fomos descobrindo e foi surpreendente.

A ideia de ser biografado já havia passado antes pela sua cabeça?Nunca e ainda mais por um homem como o Rodrigo, com essa qualidade humana, além de grande jornalista. Foi um presente que nunca imaginei ganhar. Tive a oportunidade de acessar fatos da minha vida que eu jamais teria acesso se não fosse pela minha biografia.

Como o quê?No livro, as pessoas vão descobrir os bastidores dos bastidores. Tive uma história extremamente difícil e dolorosa. Nunca me fiz de vítima e nunca aceitei essa condição, mas minha vida não foi fácil. Essas páginas revelam justamente as dificuldades que enfrentei desde muito menino. As pessoas vão ter oportunidade de conhecer o menino que sempre quis ser padre, mas que também foi marcado pelo secularismo. Nunca deixei de sentir o mundo, nunca deixei de amar as questões humanas. O próprio título da biografia me expõe assim.

Sua música 'Humano Demais' tem um trecho que aborda isso como se estivesse numa conversa com Cristo: 'Sou humano demais pra compreender / Humano demais pra entender / Este jeito que escolheste de amar, quem não merece'.Nunca quis construir um personagem para ser padre. Queria apenas que as pessoas compreendessem que eu, no meu jeito de ser padre - e nunca imaginei que seria famoso -, que era possível ser padre e ser humano. Não preciso abrir mão da minha humanidade para ser um homem religioso, pelo contrário. Quanto mais aprofundo as questões humanas, mais tenho acesso aos mistérios da eternidade. E acho que a biografia vai me ajudar a contar isso de maneira natural.

A biografia conta sobre dois relacionamentos que o senhor teve e um deles quase o fez desistir do sacerdócio.Foram duas mulheres que poderiam ter sido minhas esposas. Essas histórias aconteceram e me deram condições de fazer uma escolha mais consistente. A primeira delas foi platônica, mas, com o tempo, pude entender que se tratava muito mais de uma amizade espiritual. Na segunda história que vivi já estava fazendo meus primeiros votos e foi muito importante para eu poder ter condições de escolher o sacerdócio. Sou muito grato a elas por tudo que me deram.

De que forma a vocação falou mais alto?Um homem que amou verdadeiramente uma mulher, que pôde de fato entender o significado do vínculo, tem atributos muito interessantes que o ajudam a ser padre. Minha relação com Deus é esponsal, né? Eu me caso com minha opção, a minha castidade tem sentido por isso. Ela me dá oportunidade de ser esposo da igreja e oferecer minha vida, meu trabalho, a tudo aquilo que envolve minhas questões como padre.

 

Rodrigo Alvarez é o autor de 'Humano Demais',biografia de Padre Fábio de Melo(Foto: Divulgação Globo Livros)

O que o fez aceitar o convite do Rodrigo Alvarez para escrever sua biografia?O fato de ser ele. Nós nos conhecemos em Jerusalém e ficamos amigos enquanto esperávamos o momento da reportagem que ele preparava para o 'Jornal Nacional' sobre Pentecostes. Ficamos conversando e, de repente, nosso papo evoluiu e, em um determinado momento, ele me disse: 'Você é padre, pensando assim no Brasil?'. Respondi que sim e ele continuou: 'Você expõe publicamente esses pensamentos e sua maneira tão humana de ver o Evangelho?'.

E aí?No dia seguinte, ele me viu pregando e se interessou por mim assim, pelo padre que tinha o que dizer. Estudei muito, me preparei 16 anos para poder dizer o que digo e acreditar como acredito. Quando o Rodrigo se interessou em escrever sobre o padre, senti que ele não estava atrás de uma história superficial, que tinha muito mais o desejo de mostrar os caminhos que me deram a oportunidade de ser quem sou e transgredir como transgrido. Eu me sinto um transgressor no sentido mais positivo da palavra.

Como assim?Quando percebo que as questões humanas estão sendo deixadas de lado por causa de regras que já perderam o sentido, faço questão de reivindicar de pelo menos refletir sobre isso. Acho que esse é o papel de um líder religioso que possa fazer diferença na sociedade. Refletir aquilo que nós obedecemos, senão ela se torna uma obediência cega e não nos leva a lugar algum.

Suas palavras têm um alcance que ultrapassa barreiras de religião, atingindo não somente católicos. O que acha disso?Quando a gente usa uma linguagem que é religiosa, mas não abre mão daquilo que é humano, estamos falando das mesmas necessidades. Choramos pelas mesmas causas, nos alegramos pelas mesmas, temos preocupações semelhantes. Os budistas, judeus, muçulmanos, ateus, cristãos... Se formos espremer tudo o que somos, é o mesmo caldo. Então por que não falar de questões que nos são pertinentes?

Então esse é o 'segredo'?Quando tenho que fazer meus discursos doutrinários, eu os faço dentro do contexto de pessoas que são adeptas à minha religião. Mas, na hora que posso falar com todo mundo, prefiro alçar os assuntos que nos são comuns. Acredito que a chance que tenho de falar com tantas pessoas diferentes advém justamente dessas oportunidades que uso de forma positiva, falando de assuntos que são tão comuns a todos nós.

Fábio de Melo com seu pai em 1980 (Foto: Arquivo Fábio de Melo) Padre Fabio de Melo beijando a mãe, Dona Ana (Foto: Instagram / Reprodução)