Educação
Em mutirão de aprendizagem, MPT e SRTE garantem vaga de aprendiz para adolescente vítima de trabalho escravo
Alagoano foi resgatado numa fazenda de café em Minas Gerais; ele será contratado por uma loja comercial de Santana do Ipanema assim que retomar os estudos na escola
O adolescente Mário José*, 17 anos, retomará o Ensino Médio em 2026, após ter abandonado o colégio para trabalhar. Em breve, ele conciliará os estudos com um curso técnico profissionalizante e exercerá as funções de aprendiz numa loja comercial de Santana do Ipanema, que já garantiu sua contratação. “Só quero estudar e focar no que importa para conseguir meus objetivos”, afirma. A cena, por si só, já demonstra uma história de superação, mais um relacionada ao trabalho infantil, se não fosse por um fato: Mário José foi vítima de trabalho análogo à escravidão.
Em junho deste ano, uma força-tarefa do Ministério do Trabalho resgatou o adolescente alagoano de uma fazenda de café localizada no estado de Minas Gerais. Lá, era submetido à jornada de trabalho de mais de 12 horas, em condições degradantes, recebendo abaixo do acordado, endividamento constante e com limitações de contato com a família. Nesse cenário, o trabalho análogo à escravidão coincide com o trabalho infantil, já que¸ com menos de 18 anos, ele trabalhava à noite, num ambiente perigoso e insalubre.
Desde o resgate, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) de Alagoas acompanham de perto a situação de Mário José para que sua condição de vulnerabilidade social não o leve novamente para o trabalho infantil ou mesmo para o trabalho escravo. Na semana passada, a procuradora Cláudia Soares esteve em Santana do Ipanema para realização do Mutirão da Aprendizagem Profissional, que teve como destaque o compromisso de contratação do adolescente como aprendiz assim que retomasse os estudos regulares.

“Com a oportunidade de retomar os estudos, fazer um curso profissionalizante e se tornar um aprendiz, a articulação dos atores locais, instituições públicas e empresas privadas de Santana do Ipanema promove atuação efetiva, intersetorial e integrada da rede de proteção no momento do pós-resgate e do retorno do adolescente à sua cidade de origem. Trata-se de uma atuação centrada na sua reintegração familiar, comunitária e laboral, que culminará na profissionalização dele por meio da aprendizagem profissional”, comemorou a procuradora do MPT.
A titular regional da Coordenadoria de Combate ao Trabalho Infantil e de Promoção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Coordinfância) do MPT em Alagoas também reforça a necessidade de fluxos pactuados com a rede de proteção local para casos como o de Mário José. Segundo Cláudia Soares, caberá agora à rede proceder com o monitoramento e acompanhamento contínuo do adolescente a fim de garantir uma bem sucedida reintegração social e o respeito ao direito à profissionalização.
O auditor-fiscal do Trabalho Leandro Carvalho acompanhou de perto os primeiros passos da reintegração social de Mário José, em especial, no que se refere à oportunidade de aprendizagem profissional na cidade sertaneja. “Hoje a gente está falando de esperança. Por intermédio de uma vaga de aprendiz, o adolescente terá todos os direitos garantidos, tanto os trabalhistas como os previdenciários. Tudo isso com a continuidade dos estudos e capacitação permanente”, comemorou o representante do Ministério do Trabalho.
Sociedade acolhe adolescente
Foi o empresário Almir Rogério quem garantiu a vaga de aprendiz para Mário José em sua loja. O empregador se comprometeu com as instituições do mundo do trabalho não só por força da obrigação legal de preencher a cota legal de aprendizagem profissional, mas também por acreditar que oportunidades como essas transformam vidas.
“Ele viveu algo muito difícil. Eu também tive uma história de vida muito difícil. Foi sobre isso que conversamos antes de torná-lo o mais novo integrante da minha empresa. Vamos acolhê-lo, estar bem próximo dele no dia a dia de trabalho, para que esse adolescente tenha uma história bonita, bacana de vencedor. É isso que desejamos. Queremos trazer essa juventude para o mundo empresarial, para participar do setor produtivo”, disse Almir Rogério.
O Município de Santana do Ipanema, por meio da rede de proteção, engajou-se no acolhimento do adolescente. A secretária Municipal de Governo, Renilde Bulhões, representou a Prefeitura na solenidade que marcou o compromisso de aprendizagem profissional em benefício de Mário José. “Conseguimos trazê-lo de volta para Santana, sua cidade natal. Comemoramos essa oportunidade para o adolescente, resultado de uma atuação conjunta do Município, de empresários locais, do MPT e da SRTE”, celebrou a gestora pública.
Mutirão da Aprendizagem
A procuradora do Trabalho Cláudia Soares e o auditor-fiscal do Trabalho Leandro Carvalho foram os principais palestrantes do Mutirão da Aprendizagem Profissional em Santana do Ipanema. Na ocasião, o evento promovido pelo MPT e a SRTE no dia 29 de outubro, com apoio do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) em Alagoas teve como principal objetivo direcionar adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade ou risco social para o preenchimento de cotas de aprendizagem em aberto nas empresas locais.
Para o evento, foram notificados 27 estabelecimentos que, atualmente, possuem 44 vagas de aprendizes em aberto. A maioria está localizada em Santana do Ipanema, mas as notificações também contemplaram municípios vizinhos, tais como Olho d'Água das Flores, Olivença e São José da Tapera. Em Santana do Ipanema, o percentual de cumprimento da cota de aprendizagem está em 88%.
A gerente do Senac no Agreste de Alagoas, Rosely Alves, esteve no mutirão para explicar como funcionam os cursos do serviço nacional de aprendizagem e escutar dos empresários locais quais são suas principais demandas na contratação de pessoal. “O mutirão é um momento muito importante, porque facilita o contato direto do adolescente ou do jovem com os empregadores. Estamos atuando em Santana do Ipanema há mais de um ano, facilitando a contratação de pessoas em situação de vulnerabilidade para vagas de aprendizes”, afirmou.
Diante da escuta das empresas de Santana de Ipanema e de municípios vizinhos, o Senac definirá até dezembro quais serão os cursos de formação profissional ofertados na unidade que fica na cidade sertaneja. A depender da quantidade de aprendizes contratados, o Serviço Social poderá abrir mais de uma turma para atender os empregadores. Eles não terão qualquer custo com a formação dos aprendizes.
O Senac explicou que os cursos têm 400 horas-aula. A depender do conjunto de empregadores, os aprendizes podem ficar de dois a três dias na semana na formação formativo e os demais dias no exercício prático do trabalho. Ao esgotar o conteúdo das aulas, eles passam a se dedicar com exclusividade à empresa contratante durante toda semana. Tanto a formação quanto o exercício prático do trabalho ocorrem sem prejuízos à vida acadêmica, social e de lazer do adolescente ou jovem.
Vulnerabilidade ou risco social
O Decreto nº. 9579/2018 estabelece expressamente que a contratação de aprendizes deverá priorizar a inclusão de jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade ou risco social.
Estão incluídos nesta situação jovens e adolescentes egressos do trabalho infantil; adolescentes egressos do sistema socioeducativo ou em cumprimento de medidas socioeducativas; jovens em cumprimento de pena no sistema prisional; jovens e adolescentes cujas famílias sejam beneficiárias de programas de transferência de renda; jovens e adolescentes em situação de acolhimento institucional; jovens e adolescentes com deficiência; jovens e adolescentes matriculados em instituição de ensino da rede pública, em nível fundamental, médio regular ou médio técnico, incluída a modalidade de educação de jovens e adultos; e jovens desempregados e com ensino fundamental ou médio concluído em instituição de ensino da rede pública.
Uma das dúvidas mais recorrentes dos pais dos adolescentes e jovens que se encontram em situação de vulnerabilidade ou risco social é se a remuneração do trabalho como aprendiz inviabiliza a participação da família em programas assistenciais de distribuição de renda.
De acordo com o parágrafo 9º, do artigo 20, da Lei de Organização da Assistência Social (Loas), não inviabiliza. Isso porque os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem estão fora do cálculo da renda familiar necessário para o recebimento de benefícios como o Bolsa-Família.
*Nome fictício para preservar a identidade da vítima de trabalho infantil e de trabalho análogo à escravidão.
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