Economia

Sociedade civil celebra vetos na lei das eólicas em alto-mar, mas ainda teme impactos e lobby dos fósseis

A Lei Nº 15.097, aprovada este mês, é marco regulatório para implantação de turbinas eólicas em alto-mar 

Por Assessoria 20/01/2025 10h50
Sociedade civil celebra vetos na lei das eólicas em alto-mar, mas ainda teme impactos e lobby dos fósseis
Mesmo celebrando a vitória contra o lobby dos combustíveis fósseis, a sociedade civil se mostra apreensiva com os impactos socioambientais das eólicas offshore - Foto: Reprodução

Os vetos presidenciais aos chamados jabutis (trechos incluídos em um projeto de lei mesmo sem ter relação com o tema) estão sendo comemorados pelo Plano Nordeste Potência e outras entidades que, nos últimos meses, acompanharam no Congresso Nacional a tramitação da Lei Nº 15.097/2025. Marco regulatório para implantação de usinas de energia renovável em alto-mar, a lei foi aprovada em 10 de janeiro. Mesmo celebrando a vitória contra o lobby dos combustíveis fósseis, a sociedade civil se mostra apreensiva com os impactos socioambientais das eólicas offshore.

Bióloga e mestranda em Ciências Marinhas Tropicais da Universidade Federal do Ceará, Alanna Carneiro destaca os riscos à biodiversidade marinha e à pesca artesanal. “Estamos diante da privatização de territórios pesqueiros. Os pescadores não poderão mais acessar suas áreas de pesca por causa da distância obrigatória dos aerogeradores”, alerta a integrante do Eco Maretório, instituição que atua no litoral do Ceará, Estado com 26 empreendimentos de eólica offshore aguardando o licenciamento, de acordo com o Ibama.

Alanna defende a necessidade de demarcação de territórios pesqueiros, além da proteção e do investimento em políticas públicas que salvaguardem a categoria, como formas de evitar os impactos sociais das usinas offshore. “Antes de garantir estatística pesqueira e demarcação dessas áreas no mar, o governo priorizou lotear os espaços marinhos para o capital estrangeiro”, observa.

“Tem ainda o impacto acústico submerso, que pode afetar mamíferos marinhos e peixes, entre outros seres vivos, como tartarugas marinhas. Elas dependem do campo eletromagnético para seu deslocamento para áreas de reprodução e alimentação”, afirma Alanna. Segundo a bióloga, aves migratórias podem sofrer com a colisão nas hélices.

João Paulo Diogo, do Coletivo Assessoria Cirandas, no Rio Grande do Norte, Estado com 14 empreendimentos de eólica offshore aguardando o licenciamento do Ibama, considera significativos os riscos das turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos offshore às pessoas e ao meio ambiente. O assistente social e especialista em Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais chama a atenção para a delimitação dos prismas, termo dado na nova lei aos locais onde será permitida a instalação dos aerogeradores.

“Os prismas restringem o acesso a áreas tradicionais de pesca, impactando diretamente a subsistência de comunidades pesqueiras”, alerta o ambientalista. Para ele, a instalação de turbinas, painéis e cabos subaquáticos alterará habitats e rotas de espécies marinhas, reduzindo a disponibilidade de recursos pesqueiros.

Além disso, afirma João Paulo, as usinas representam riscos à transferência de saberes e conhecimentos tradicionais, promovendo mudanças no ecossistema e causando, consequentemente, mudanças culturais. “Na etapa de construção, esses impactos podem ser ainda mais acentuados”, adverte.

Por outro lado, o marco legal traz dispositivos de interesse de comunidades tradicionais, como a exigência de consulta livre, prévia e informada para grupos afetados (Art. 4º, inciso X) e a garantia da integração de políticas públicas para evitar conflitos de uso de áreas marítimas (Art. 6º). No entanto, diz João Paulo, apesar de prevista na lei, a consulta prévia pode ser realizada de forma superficial ou não vinculante, deixando comunidades vulneráveis a decisões que ignoram seus direitos e saberes.

A consulta livre, prévia e informada é estabelecida por convenção da Organização Mundial do Trabalho (OIT) ratificada pelo Brasil em 2002. Com o mesmo status de lei, a Convenção Nº 169 da OIT foi promulgada em 1989 pelo organismo das Nações Unidas voltado aos trabalhadores e assegura aos povos e comunidades tradicionais o direito de serem consultados previamente sobre empreendimentos que possam alterar seu modo de vida ou território. Também determina que essa consulta seja continuada.

Vetos


Ao todo, a nova lei teve 17 vetos, mas dois deles - dos artigos 22 e 23 - estão entre os mais relevantes, pois tratavam de incentivos a combustíveis fósseis. Na justificativa dos vetos, a Presidência da República explicou o motivo da remoção dos jabutis incluídos pelos congressistas: "(...) Por fim, a possível ampliação da contratação de fontes fósseis não é compatível com os compromissos internacionais assumidos pelo País ou com as políticas públicas voltadas à transição energética, à mitigação das mudanças climáticas e à descarbonização da matriz energética brasileira"

“A posição do Presidente Lula em aprovar o PL 576/2021, vetando os jabutis, é um claro aceno institucional do Governo Brasileiro de que estará empregando esforços para cumprir os compromissos firmados na COP 28”, opina João Paulo, do Coletivo Cirandas.

Cecília Oliveira, co-coordenadora do Plano Nordeste Potência, iniciativa voltada à transição energética sustentável e justa, avalia os vetos como uma demonstração de que o Governo Federal está alinhado a sua agenda de sustentabilidade e principalmente nos reflexos da realização, no Brasil, da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas.

A COP 30, que debaterá e estabelecerá metas de redução de emissão de gases do efeito estufa, ocorrerá em Belém (PA), em novembro. “Além disso, os vetos também demonstram um alinhamento com a agenda de transformação ecológica do Ministério da Fazenda, o que é muito importante para que a transição energética ocorra de forma que os empreendimentos do setor de renováveis cada vez mais contemplem a redução dos danos ambientais e sociais”, diz Cecília.

No Brasil, 103 projetos de usinas offshore estão em processo de licenciamento no Ibama, 30 no Rio Grande do Sul, 26 no Ceará, 16 no Rio de Janeiro, 14 no Rio Grande do Norte, 7 no Piauí, 6 no Espírito Santo, 3 no Maranhão e 1 em Santa Catarina.