Economia

Problemas no acesso à energia elétrica afetam negros e famílias de baixa renda em Maceió

Pesquisa alerta para relação da pobreza energética com a insegurança alimentar: principal uso da energia elétrica nos domicílios com renda mensal de até 2 salários mínimos é para conservação de alimento

26/09/2022 14h28
Problemas no acesso à energia elétrica afetam negros e famílias de baixa renda em Maceió
Aumento no número de famílias pobres energeticamente é determinado por combinação de fatores de renda, raça e gênero - Foto: Júnior Bertoldo / Secom Maceió

Estudo inédito do Instituto Pólis mostra que negros e famílias de baixa renda são as pessoas mais afetadas por problemas no acesso à energia elétrica em três capitais de diferentes regiões brasileiras: Rio de Janeiro (RJ), Maceió (AL) e Rio Branco (AC). Os dados apontam que, para as famílias com rendimento mensal de até dois salários mínimos, o principal uso da energia elétrica é para a conservação de alimentos, o que indica risco de insegurança alimentar para essas pessoas. Confira o estudo completo aqui.

A pesquisa do Instituto Pólis foi elaborada a partir de informações fornecidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) via Lei de Acesso à Informação (LAI), com dados desagregados por Unidades Consumidoras (UC) de quase todas as distribuidoras de energia do país. As variáveis informam indicadores de consumo, interrupção do serviço, além de classificar o tipo de uso – residencial, comercial, entre outros. A identificação do CEP da unidade consumidora permitiu o georreferenciamento dos indicadores e a territorialização do estudo.

Os dados e análises apresentados na pesquisa demonstram que o acesso à energia elétrica no Brasil ocorre de maneira desigual, com base em marcadores de raça, classe e gênero. Além da desigualdade no acesso, outro problema apontado é a falta de qualidade do serviço em bairros com altos índices de vulnerabilidade social nas cidades pesquisadas. A falta de qualidade resulta em interrupções no fornecimento e risco de acidentes, quando não há rede oficial de distribuição.

Segundo as informações levantadas, o número de famílias pobres energeticamente tem aumentado. “O estudo do Pólis mostra que o Estado brasileiro tem sido negligente em garantir o direito à energia para as famílias mais pobres”, afirma Clauber Leite, coordenador do estudo. “É preciso que as políticas energéticas tenham um caráter interseccional, com enfoques para raça e gênero, para além de classe”.

DESIGUALDADE NA QUALIDADE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA

Os dados referentes à iluminação pública apresentados no estudo demonstram a desigualdade no acesso ao serviço nas cidades brasileiras. Nos três casos estudados, a existência de iluminação pública no entorno dos domicílios é deficiente nas áreas de assentamentos informais, apresentando uma taxa de cobertura muito inferior às demais regiões da cidade.

Os indicadores sobre a qualidade do fornecimento de energia elétrica evidenciam como a pobreza energética também tem características socioterritoriais, consequentes das desigualdades de classe, de raça e de gênero nas cidades.

A análise territorial dos indicadores de qualidade demonstra que o padrão do serviço de fornecimento de energia elétrica não é territorialmente homogêneo nas cidades avaliadas. A desigualdade na qualidade do serviço é notada através dos indicadores de Frequência de Interrupção Individual por Unidade Consumidora (FIC) e de Duração de Interrupção Individual por Unidade Consumidora (DIC).

Os pesquisadores alertam que o preparo e a capacidade de resposta da população residente nas periferias – e demais localidades com piores índices socioeconômicos – são mais limitados. Famílias de menor renda têm menos recursos materiais para lidar com as interrupções e com as consequências da queda da rede elétrica, quando comparadas com domicílios onde a renda é superior a 10 salários mínimos.

MACEIÓ: GROTAS APRESENTAM OS PIORES ÍNDICES DA CIDADE

Na capital alagoana, também é notável a desigualdade territorial quanto à qualidade do serviço de fornecimento de energia elétrica. As áreas com piores indicadores estão mais próximas das médias municipais, o que sugere uma maior extensão e uma maior importância dessas áreas no total de Maceió. O contraste maior é produzido pelas áreas mais privilegiadas, que apresentam números melhores e mais distantes das médias municipais.

É notável que os indicadores FIC e DIC são melhores na parte baixa da cidade (Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca), onde o padrão de renda também é mais elevado. Os setores de média e alta renda (6 salários mínimos ou mais) têm média de 2,18 interrupções e somam 2,96 horas de cortes ao ano. Já a média municipal de interrupções é de 2,81 com duração média de 4,22 horas.

As maiores diferenças foram observadas na comparação entre os setores censitários que possuem renda média de até 3 salários mínimos e aqueles com 6 ou mais. As interrupções nas áreas mais pobres são 43% mais frequentes e 60% mais duradouras do que nas áreas mais ricas.



Tabela mostra índices de duração (DIC) e frequência (FIC) da interrupção do fornecimento de energia elétrica em Maceió (AL), com recortes territoriais e de renda, raça e gênero. Fonte: Instituto Pólis.

As grotas, assentamentos precários da cidade de Maceió, também possuem indicadores gerais sempre inferiores à média municipal. Ao todo, há 100 grotas em Maceió, onde residem 16,5% da população municipal. Em relação à iluminação pública, 90% das casas em Maceió têm acesso a esse serviço público – apesar da cobertura observável em boa parte da cidade, nas grotas apenas 61% dos domicílios possuem postes de luz no entorno imediato.

Em Maceió, essa realidade é ainda mais crítica, visto que apenas 52% das residências em aglomerados subnormais têm energia fornecida pela concessionária, contra 48% que têm acesso ao serviço através de outros meios.

Sobre o Instituto Pólis 

Organização da sociedade civil (OSC) de atuação nacional, constituída como associação civil sem fins lucrativos, apartidária e pluralista. Desde sua fundação, em 1987, o Pólis tem a cidade como lócus de sua atuação. A defesa do Direito à Cidade está presente em suas pesquisas, trabalhos de assessoria ou de avaliação de políticas públicas, sempre atuando junto à sociedade civil visando o desenvolvimento local na construção de cidades mais justas, sustentáveis e democráticas. São mais de 30 anos de atuação com equipes multidisciplinares de pesquisadores que também participam ativamente do debate público em torno de questões sociais urbanas. Aproxime-se https://polis.org.br/