Economia

Mulheres se reinventam e criam oportunidades de negócios em meio à pandemia

Pesquisa aponta que 71% das mulheres empreendedoras inovaram durante os dias de isolamento para manter as vendas

Por Lucas França com Tribuna Hoje 23/09/2021 15h30 - Atualizado em 03/06/2022 12h14
Mulheres se reinventam e criam oportunidades de negócios em meio à pandemia
Para empreendedora Geane da Silva, empreender resulta em ter liberdade - Foto: Edilson Omena

Danúbia, Geane e Agneide. Três mulheres distintas, mas com o mesmo objetivo: empreender. Cada uma em seu nicho, elas apostaram no empreendedorismo como caminho para se reinventar na pandemia causada pela Covid-19.

De acordo com a Pesquisa de Impacto da Pandemia nos Pequenos Negócios, realizada pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV), em 2020, 71% das mulheres empreendedoras inovaram durante os dias de isolamento para manter as vendas. Entre os homens, esse índice ficou em 63%.

Necessidade, oportunidade ou sonhos antigos fizeram essas novas empreendedoras “arregaçarem as mangas” e driblar a crise econômica em um momento tão difícil. E segundo as pequenas empresárias, seus negócios estão indo bem.

A reportagem do portal Tribuna Hoje mostra como essas mulheres estão se destacando no mercado de trabalho alagoano. Elas são donas de casa, profissionais talentosas, mães, empoderadas e agora, empreendedoras de sucesso.

 “Empreender com criatividade é a única saída”

A socióloga e pesquisadora de moda Danúbia Barbosa disse que a ideia de empreender surgiu em um bate papo com amigos, mas até então ela não sabia o que seria o empreendimento.

“Na verdade, sempre quis ter meu próprio negócio, mas não sabia o que seria. E a ideia de empreender de fato, mesmo na pandemia, surgiu em conversa com amigos. Tínhamos a ideia, mas não sabia que rumo tomar”, comenta Danúbia.

Ela conta que apesar de ser socióloga sempre foi apaixonada por gastronomia. “Então, surgiu à ideia de abrir uma chocolateria. Na verdade eu e meu sócio somos chocólatras – não gosto de usar essa palavra, digo chocolateira, e como viajamos muito ficamos procurando chocolates onde vamos para avaliar a qualidade e sabor. E nisso vimos que em Maceió não tem uma chocolateria artesanal, seria algo novo, diferente. O que existe são confeitarias onde se tem uma mistura com bolos e outros itens e queríamos algo que fosse trabalhado especificamente com chocolate, daí surgiu a Cacau Especial”.

Loja de Danúbia Barbosa vai completar um mês de funcionamento em espaço físico (Foto: Edilson Omena)


A nova empreendedora diz que em 90 dias foi desenhado todo o projeto da loja, da marca e inclusive início da produção. “Fizemos todo o planejamento e em seguida já iniciamos a produção em fase teste. Decidimos trabalhar com uma pegada mais regional. Por exemplo, no Pará, tem chocolate com cupuaçu, açaí, e no nordeste não temos esse DNA. E por isso, começamos a pensar no recheio. Como eu sou pesquisadora de moda, quis ligar uma coisa à outra e surgiu a ideia de fazer coleções, assim como se faz com roupas e acessórios nas estações do ano – começamos os chocolates com recheios de frutas, como a jaca, abacaxi, que são frutas sazonais, também com tapioca, doce de banana e outros – foram testes, e os protótipos já fizeram sucesso. Os amigos e familiares que provaram começaram a encomendar”, disse Barbosa.

Com a aceitação do negócio, Danúbia Barbosa conta que outros serviços estão sendo agregados à chocolateria. 

“Estamos agregando outros serviços no espaço, como a cafeteria, mais a harmonização de bebidas com chocolate – eu mesma sempre usei o chocolate quando tomo vinho, conhaque e não temos esse hábito, vemos apenas como sobremesa, acompanhamento, mas o chocolate é um alimento democrático, está entre os cinco mais consumidos do mundo e precisamos ressignificar a forma de se usar, de ser consumido, e nisso surgiu a Cacau Especial para fazer essa consultoria”.

DESAFIO

Apesar do sucesso em um mês de inaugurado, a pequena empresária conta que é um desafio. “Confesso que é um desafio em meio à pandemia abrir uma loja física, mas temos o delivery, as vendas on-line, porém por ser um espaço novo com uma pegada inovadora, tínhamos que ter o espaço físico para as pessoas acreditarem no nosso serviço”.

Estudo, pesquisa de mercado e consultoria foram essenciais para a abertura do empreendimento, segundo Danúbia Barbosa. “Não tem como abrir um empreendimento e não fazer uma pesquisa de mercado, delimitar espaço, traçar segmento que deseja atuar. Deve ser feito o plano de negócios e ir ajustando, até porque de cara não dá para identificar o público-alvo”, aconselha.

Para o sucesso do negócio, a socióloga conta que a divulgação por meios remotos foi e ainda é imprescindível.

“Precisamos ter a vitrine nas redes sociais, colocar fotos, vídeos, processo de como é feito, para chamar atenção e atrair clientes. Nossos primeiros clientes foram virtuais e hoje eles já vêm até o nosso espaço, inclusive uma vez por semana estão por aqui”, disse, acrescentando que apesar de já ter empreendido antes, as situações são diferentes. “Nas outras vezes, empreendia apenas de forma virtual – era empresa virtual, a gente fazia um trabalho, trazia para agência e montava o resultado, mas com loja física e com contato direto com cliente é a primeira experiência, no entanto, por ser professora já tinha esse contato com o público. Mas, mesmo assim, buscamos estudar, ir atrás de cursos, buscamos consultorias com empresas especializadas para o negócio melhorar cada dia mais. Por enquanto somos MEI, até pela questão burocrática mesmo, impostos, mas com o crescimento iremos modificando as siglas”, lembra.

Amor por decoração resulta em empreendedorismo

“Tudo começou após eu fazer a aquisição do meu apartamento. Depois que comprei, resolvi criar um perfil no Instagram @ap.inspiracao205 que era para aliviar a ansiedade, já que ele foi comprado na planta. Fui colocando dicas de decoração, receitas e surgiu a ideia das almofadas. Apaixonei-me por decoração com as almofadas e transformei um sonho que é a casa própria em negócio. Então, comecei a revender – comprava-as prontas e vendia, mas queria que tivesse a minha marca. Meu objetivo é que os clientes peguem as almofadas e vejam a minha logomarca. E isso vem dando super certo”, conta a jornalista Geane da Silva.

Para Geane, empreender resulta em mais tempo com a filha. “Juntei uma coisa com a outra. O empreendedorismo não é de agora apenas por conta da pandemia. É bem antigo, já vendi várias coisas como chocolates, mas nesse caso da decoração surgiu há pouco tempo. Este espaço tenho há três meses. Quando era carteira assinada, resolvi sair do trabalho para ficar mais tempo com a milha filha, já que sou mãe solteira e notei que por conta desse momento que estamos passando ela estava mais ansiosa. E isso foi polêmico, muita gente achou que daria errado e até me chamaram de doida por sair do emprego para empreender em plena crise”, lembra Geane.

A empreendedora, que já tem em seu DNA o empreendedorismo como ferramenta de mudança de vida, conta que a @deccore.com.amor tem o propósito de levar amor às casas das pessoas em forma de decoração. “Meu desejo é levar amor em forma de almofadas, e isso surgiu já Geane montou um espaço em cômodo da casa pensando no meu espaço. Quero que elas tenham aconchego e afeto, podemos colocar amor em tudo que fazemos e o nosso lar tem que ser repleto de amor para vivermos leves”, comenta.

REDES SOCIAIS

Assim como Danúbia, Geane conta que foi feita uma pesquisa de mercado para só assim seguir em frente com o objetivo da empresa. E também começou a fazer divulgação e vendas nas plataformas digitais. “É um novo momento e não tem como fugirmos disso, as redes sociais são uma vitrine para divulgação e vendas, apesar de não ter muitos seguidores, o retorno vem sendo importante pra mim. Utilizo algumas ferramentas digitais como WhatsApp Comercial, onde os clientes têm acesso ao catálogo”.

Focada no trabalho, Geane conta que tudo foi pensando com carinho. “As formas geométricas, os detalhes são pensados com carinho e seguindo tendências. Eu contratei uma designer para fazer realmente isso, deixar tudo com minha cara e com o que os clientes desejam. Temos que observar o gosto de cada cliente, mas sem fugir do nosso objetivo. Foi justamente pensando nisso, que atualmente estou vendendo as mantas decorativas para sofás e camas junto com as almofadas”.

O espaço físico da loja foi montando em um cômodo da residência que mora, mas a empreendedora afirma que sonha alto e já imagina até a fachada de outras lojas em pontos da cidade.

“Quem é empreendedor tem que sonhar alto e não desistir dos sonhos. Eu mesma costuro as peças e nunca tinha pegado em uma máquina de costurar, mas pesquisei, vi vídeos e hoje estou aqui com um retorno essencial nesse momento. Tudo que fiz foi com a cara e a coragem. Por isso, minha mensagem para as pessoas é que elas nunca desistam de seus ideais. Não é fácil, mas também não é impossível. Mesmo que seu negócio seja em um nicho novo, diferente, pesquise, busque, estude e vá em frente. Sonhe grande”, finaliza Geane.

Enfermeira produz e cria marca de sabonetes artesanais em meio à pandemia

Criatividade, necessidade, mudança de rotina e muito foco em estudos para se aperfeiçoar – esses foram os principais “itens” para a enfermeira alagoana Agneide Cavalcante da Silva Régis começar a produzir sabonetes artesanais. A ‘Cheiro de Fulô’ nasceu em meio à pandemia com o principal objetivo de complementar a renda de casa.

Agneide conta que buscou na internet formas de ganhar uma grana extra já que o esposo estava parado há meses por conta da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19). “Iniciei a produção em outubro de 2020 por conta da pandemia. Meu marido faz transporte escolar e ano passado ficou parado. E para tentar complementar o orçamento, comecei a pesquisar alternativas e vi na internet essa ideia de produzir sabonetes diferentes. Gostei, e em seguida tomei a iniciativa de me preparar para fazer os sabonetes artesanais em casa”.

Como não é apenas decidir e fazer, a enfermeira afirma que precisou se aperfeiçoar já que o produto é para uso humano e não pode ser feito de qualquer jeito. “Fiz cursos on-line e todos com certificação, inclusive pelo MEC [Ministério da Educação], porque não podia fazer os sabonetes de qualquer jeito, estou levando ao mercado um produto para a pele, então precisam ser seguidas as recomendações”.

Enfermeira começou produção em outubro de 2020 (Foto: Edilson Omena)

Agneide Cavalcante conta que sempre planeja sua produção e organiza a atividade para levar um produto de qualidade feito de forma artesanal. A ‘Cheiro de Fulô’ oferece produto natural, e artesanal, livre de ingredientes nocivos à saúde. “Parte dos produtos encomendo fora porque é difícil de encontrar em Alagoas, muitos dos pedidos que faço é em São Paulo”.

Com as encomendas chegando, Agneide se preparou para as datas comemorativas. Ela fez uma linha exclusiva para Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Namorados, entre outras, para atrair clientes.

São sabonetes em barra, líquidos, cremosos, sabonetes de colher – com essências, cores e extratos que seguem a tendência dos produtos convencionais da época – são tão realistas que dá vontade até de comer. Cavalcante conta que toda a divulgação dos produtos é feita via redes sociais e no boca a boca.  “Nosso meio de divulgação é via as redes sociais e um falando para o outro. E nisso, acredito que as encomendas comecem a chegar”.

Os sabonetes artesanais podem ser opções de lembrancinhas para aniversários, despedidas de solteiro, casamentos e outros eventos. “O cliente pode criar sua identidade olfativa com sua personalidade e encomendar uma fragrância – cheirinho específico com sua personalidade para colocar em sua casa, estabelecimento, e isso é uma tendência, vai do gosto de cada cliente”.

Além de sabonetes artesanais de vários sabores/aromas e formatos e aromatizantes, a enfermeira também irá produzir uma linha de perfumaria tanto para homens quanto para as mulheres.

ESCAPE PARA O ESTRESSE

A enfermeira, que trabalha na linha de frente de enfrentamento à pandemia na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), conta que a produção também a ajuda a diminuir o estresse não só em casa como também no ambiente de trabalho. “Este trabalho também me ajudou a diminuir o estresse causado com a rotina de trabalho por conta da Covid-19, já que atuo na linha de frente, em UTI”, pondera Cavalcante.

Em AL, apenas no primeiro semestre de 2021, 17.507 MEIs foram constituídos

De acordo com dados da Junta Comercial do Estado de Alagoas (Juceal), no primeiro semestre deste ano, 17.507 MEIs (Microempreendedores Individuais) foram registrados. No mesmo período de 2020, no ápice da pandemia, o número foi 10.500. Em todo o ano passado foram constituídos no estado, 23.467 MEIs.

Já as extintas no primeiro semestre de ano foram apenas 4.149 contra 2.708 do mesmo período do ano anterior, enquanto em todo o ano de 2020 deixaram de existir 5.370 deles. Segundo o levantamento da Juceal, as principais atividades dos MEIs constituídos no primeiro semestre de 2021 foram para o setor de comércio. O órgão diz que nesse ponto observa as seções de atividades econômicas de acordo com a Concla – Comissão Nacional de Classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

Os setores que mais registram novos MEIs foram: comércio: 6.413; alojamento e alimentação: 2.671; transporte, armazenagem e correio: 1.649; indústrias de transformação: 1.471; outras atividades de serviços: 1.389; construção: 979; atividades administrativas e serviços complementares: 853; atividades profissionais, científicas e técnicas: 764; educação: 548; e informação e comunicação: 260.

Para se formalizar como MEI, o empreendedor precisa entrar no site (http://www.gov.br/mei) e seguir todos os passos até se formalizar, apresentando a documentação exigida.

O gerente de Relacionamento Empresarial do Sebrae em Alagoas, Marcos Alencar, esclarece que na instituição é feita uma espécie de consultoria.

“No Sebrae, o interessado, antes de se formalizar, passa por uma orientação específica, conhecendo seus direitos e deveres, responsabilidades e obrigações perante os órgãos como Receita Federal, Secretaria de Estado da Fazenda etc. O cliente para ter acesso às consultorias de atendimento basta acessar o site  (http://www.sebrae.com.br/alagoas) e agendar o dia, horário e temas de interesse. Pode também agendar pelo 0800 570 0800. As consultorias são em diversos temas, como gestão financeira, marketing, formalização, contabilidade etc. E são gratuitas. As consultorias de intervenção, como Sebraetec nos temas de design de fachada, por exemplo, são subsidiadas em 70%. Para quem ainda não se formalizou e deseja se formalizar, a orientação é buscar informações especializadas com a equipe do Sebrae, seja presencialmente ou remotamente em Maceió, Penedo, Delmiro Gouveia e Arapiraca, onde temos escritórios regionais ou nas Salas do Empreendedor que há em Maceió e em mais 72 municípios”, pontua Alencar.

ESTILO PRÓPRIO

Para o analista técnico de Gestão Estratégica Fábio Leão, as mulheres buscam espaço e estilo próprio de gestão. “Elas têm características específicas e favoráveis ao seu desempenho, porque conciliam melhor suas atividades pessoais e profissionais. Investem mais em capacitação e são mais detalhistas, sensitivas e intuitivas, o que contribui na gestão de negócios, principalmente quando aliadas a coragem, iniciativa e determinação”.

Ainda para os especialistas, as novas empreendedoras abriram empresas focando em um público específico, e de olho na modernidade da era digital. O que hoje é imprescindível para ver a empresa crescer.

Larissa Pinto, economista (Foto: Acervo pessoal)

Apesar de ser um dado positivo, a economista Larissa Pinto, diz que deve ser olhado com cuidado o aumento no número de registros de MEI’s.

‘’Temos que olhar com muito cuidado para esses dados de MEI’s, incluindo os criados por mulheres porque eles revelam algumas questões que precisam ser discutidas antes. A primeira delas diz respeito ao fato de que a maior parte desses MEI’s terem sido criado por necessidade, principalmente pela falta de emprego que a pandemia gerou. Segundo, as mulheres acabaram sendo mais afetadas com o desemprego na pandemia, principalmente por terem que cuidar mais de afazeres domésticos e por acabarem sendo cuidadoras de idosos da família ou filhos, que com a pandemia, não estavam indo para a escola. A pandemia, junto com outros fatores socioeconômicos e por falta de políticas públicas mais robustas, acabou levando o nível de desemprego entre as mulheres. Elas podem ter visto na criação do MEI e na oferta de bens ou serviços uma maneira de sobrevivência’’, pontua.

A economista acrescenta que mesmo com esse MEI, as dificuldades ainda são grandes para as mulheres. “Todos sabemos que elas têm que lidar com jornadas múltiplas de trabalho, filhos e cuidados da casa. Tem vários pontos a ser questionados e nem odos são positivos’’, ressalta.