Economia

Dólar dispara mais de 29% em 2020 marcado por pandemia, juros baixos e incertezas fiscais

Crise sanitária e econômica em todo o mundo balançou os mercados financeiros globais neste ano atípico e marcou presença no câmbio brasileiro

Por Reuters 30/12/2020 18h02
Dólar dispara mais de 29% em 2020 marcado por pandemia, juros baixos e incertezas fiscais
Reprodução - Foto: Assessoria
O dólar registrou leve alta contra o real nesta quarta-feira, mas encerrou 2020 com ganho acumulado de mais de 29%, deixando a moeda brasileira com o segundo pior desempenho global no ano em meio à pandemia de Covid-19, juros locais extremamente baixos e incertezas fiscais domésticas persistentes. O dólar à vista avançou 0,17% nesta sessão, a última do ano, a 5,1915 reais na venda. No mês de dezembro como um todo, a divisa norte-americana registrou perda de 2,03%. Mas, no acumulado do ano, a disparada do dólar deixou o real com segundo pior desempenho global, atrás apenas do fragilizado peso argentino. O ganho anual de 29,37% marcou o quarto ano consecutivo de avanço para a moeda norte-americana frente ao real, bem como o terceiro pior ano para a divisa brasileira desde pelo menos 2003. Na máxima intradiária de 2020, alcançada em 14 de maio, o dólar à vista chegou a tocar 5,9725 reais na venda. A crise sanitária e econômica em todo o mundo balançou os mercados financeiros globais neste ano atípico e marcou presença no câmbio brasileiro, sendo apontada como um dos fatores que elevaram a busca pela segurança do dólar, em meio à paralisação de empresas, a forte redução do consumo e o aumento do desemprego em vários países. Nos últimos meses, o forte ressurgimento dos casos de Covid-19 nas principais economias do mundo -- assim como uma nova variante mais infecciosa da doença recentemente descoberta no Reino Unido -- levou a novas medidas restritivas e de lockdown na Europa e nos Estados Unidos, deixando os investidores nervosos. “A pandemia pegou vários de surpresa; tivemos a famosa segunda onda”, disse à Reuters Gilberto Rolha, gerente de operações em câmbio do Travelex Bank. Mas não foram os fatores globais, relacionados à pandemia, os únicos responsáveis pela disparada da moeda norte-americana contra o real em 2020. A redução sucessiva da taxa básica de juros do Brasil, atualmente na mínima histórica de 2% ao ano, foi um ponto determinante para a dinâmica cambial vista em 2020. O baixo patamar dos juros locais afetou o rendimento de ativos locais atrelados à taxa Selic, tornando o Brasil menos interessante para o investidor estrangeiro quando comparado a pares com nível de risco semelhante. “Com a Selic a 2%, os investidores vão procurar outros países emergentes com juros maiores”, explicou Rolha. Somando-se a esse ambiente de menor ingresso de recursos do exterior, a incerteza fiscal brasileira ganhou nos últimos meses um protagonismo cada vez maior dentro do radar de riscos dos mercados domésticos. Com um Orçamento apertado para 2021 e gastos expressivos diante da pandemia, há forte temor entre os investidores de que o governo fure seu teto de gastos, abandonando a postura de austeridade que foi promessa eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. “Há anos o Brasil tem um nível muito grande de gastos que até hoje não diminuiu”, disse Otávio Aidar, estrategista-chefe e gestor de moedas da Infinity Asset. “E, dado que estamos num cenário de aumento de gastos, levantamos algumas dúvidas: para onde vai o fiscal brasileiro? Diante disso, qual o nível justo da taxa de câmbio?” Os mercados querem ver medidas concretas de controle de gastos, mas, até agora, as perspectivas parecem embaçadas. Em meados de dezembro, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, que tem o objetivo de regulamentar o teto de gastos com gatilhos e tratar de temas do pacto federativo, teve a apresentação adiada. Em meio à pouca confiança na saúde das contas públicas, a agenda atrasada de reformas estruturais do governo falha em fornecer algum amparo aos investidores, que esperavam encontrar na consolidação de reformas como a administrativa ou tributária uma maneira de atrair mais investidores de fora, e consequentemente, mais recursos para o Brasil. “Temos que ficar atentos nas reformas. Se não houver reformas, vamos andar para o lado”, disse Rolha, do Travelex.