Economia

Preço da privatização vai de contas altas a insatisfações

Órgãos de defesa do consumidor acompanham o dilema do fornecimento precário de energia

Por Jairo Silva – Colaborador 29/02/2020 11h07
Preço da privatização vai de contas altas a insatisfações
Reprodução - Foto: Assessoria
O corte de energia e as cobranças indevidas nas faturas dos consumidores alagoanos já são as reclamações mais recorrentes registradas pelos órgãos de defesa do consumidor de Alagoas contra a empresa Equatorial Energia, que opera em Alagoas desde março de 2019, após compra da antiga Companhia Energética de Alagoas (Ceal) pelo valor simbólico de R$ 50 mil. A empresa passou a fornecer energia elétrica para aproximadamente 1,2 milhões de unidades consumidoras em todo estado. Em relação à questão do refaturamento das contas de energia aplicado pela Equatorial, a Defensoria Pública Estadual vem dialogando com a empresa e considera uma política indevida. “A Equatorial está fazendo um reexame da situação dos consumidores e por um problema deles uma parte do consumo não foi faturado e agora eles querem recuperar este consumo. O consumidor não tem nada a ver com o medidor com defeito. Ela [a Equatorial] quer fazer um refaturamento de um período anterior alegando que o consumidor está em falta sendo que a culpa não é do consumidor. Aqui externo minha posição que isso é indevido”, aponta o defensor público Fabricio Leão Souto. Já o superintendente do Procon Alagoas, Daniel Sampaio Torres, afirma o órgão não medirá esforços para resolver as reclamações dos alagoanos. “Não vamos medir esforços para encontrar alternativas que minimizem os prejuízos e abusos cometidos pela Equatorial. Vamos buscar a harmonia entre os consumidores e a fornecedora”, declara Daniel. Para o operário que trabalhava na Eletrobras e ‘migrou’ para a gestão da Equatorial, o aumento das “metas de corte” subiu 500%, passando de cinco cortes por dia podendo chegar a 50 cortes por dia. Com uma média de seis cortes por hora, o tempo de atendimento ao consumidor pela equipe ficou reduzido. O operário que prestou a informação preferiu não se identificar quando esteve em contato com a reportagem da Tribuna. Segundo especialistas, sindicalistas, trabalhadores e parlamentares, a privatização da Eletrobras Distribuição Alagoas, o serviço de fornecimento de energia piorou após a privatização, já que a Equatorial administra quatro distribuidoras de energia no Brasil. “Não é um bom negócio até o momento” Professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e cientista social, Luciana Santana considera que diante das reclamações, a privatização da antiga Companhia Energética de Alagoas (Ceal) não se mostrou um negócio adequado. “Tem visto alguns problemas relacionados à prestação de serviço de energia elétrica em Alagoas, algumas reclamações bastante condizentes com aquilo que tem acontecido e a privatização não está sendo um bom negócio até o momento”. “São muitas as queixas, muitas quedas de energia, muitas reclamações no atendimento pessoal, alguns parlamentares já se posicionaram e registrando reclamações no Ministério Público Estadual e Federal. Estes são caminhos que nós temos para pressionar estas empresas que são privatizadas para que possam prestar um serviço de excelência à sociedade”, continua a professora universitária. Já em relação às privatizações de empresas públicas, a cientista social acredita que é necessária uma avaliação mais precisa e referendada por estudos técnicos para que a empresa estatal seja negociada. Já em relação às privatizações de empresas públicas, a cientista social acredita que é necessária uma avaliação mais precisa e referendada por estudos técnicos para que a empresa estatal seja negociada.  “Sou contra a privatização da Petrobrás e dos Correios, por exemplo, pois não existem estudos suficientes para demostrar à necessidade de privatizar estas estatais”. Demitido relata meta para cortar energia Ex-funcionário da Eletrobras e demitido na gestão da Equatorial, José Aldo Nunes, falou com a reportagem da Tribuna sobre o processo de mudança de gestão após a venda da Ceal. “Na época de Eletrobrás, mandavam em torno de cinco cortes por dupla e às vezes não fazíamos nenhum porque os serviços emergenciais sempre foram prioridade. Hoje em dia o corte é prioridade. Com a Equatorial [antes de ser demitido] a meta que uma dupla tinha que fazer era de 25 cortes por dia, no mínimo. Saíamos da subestação com 40/50 e se fizéssemos todos, a empresa mandava mais. Se fizéssemos abaixo dos 25 cortes, o líder local tinha que explicar os motivos”, relata o ex-funcionário. Em entrevista, o próprio defensor público estadual, Fabricio Leão Souto informa que também foi vítima do “refaturamanto” da Equatorial e questiona os motivos do aumento de sua conta familiar. “Por que em Alagoas as contas aumentaram tanto depois da troca dos medidores? Eu fui vítima deste tipo de aumento, pois pagava em torno de R$ 400,00 e recebi uma fatura de R$ 1.400,00”, reporta o defensor. Nestor Powell, presidente do Sindicato dos Urbanitários de Alagoas (Urbanitários/AL), diz que os efeitos das privatizações já são conhecidos pela sociedade, já que esta é uma política feita no país em outros governos. “Nós já conhecemos os males de outras privatizações, pois toda a propaganda que é veiculada antes das privatizações sobre as melhorias nunca se comprovou na prática. A gente sabe que a privatização não é uma coisa boa e a população não pode sofrer por causa disto”, afirma o dirigente sindical. Powell, em outras entrevistas à reportagem da Tribuna, já havia informado que após o processo de privatização, a situação de aumento de tarifa e demissões passariam a ser realidade em Alagoas. Trabalhadores desconhecem vantagens Para o economista e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Cid Olival, a privatização não trouxe nenhum benefício para a sociedade alagoana. “Não vejo nenhuma vantagem econômica da compra da Eletrobras pela Equatorial. O valor de venda foi simbólico [R$ 50 mil] e o que estado brasileiro fez foi pegar os recursos, os investimentos do povo brasileiro e passar para a iniciativa privada explorar um setor que é rentável e os lucros ficaram com os proprietários desta empresa”. Outra situação avaliada por Cid Olival trata diretamente sobre o processo de demissão. “No início das atividades da Equatorial, houve um programa de demissão voluntária que demitiu 700 funcionários. Como isso afeta a vida do trabalhador que tinha 10, 12 anos de serviço? Provavelmente, estas pessoas não vão se inserir no mercado de trabalho”. O presidente do Sindicato dos Urbanitários (Sindurbanitários), Nestor Powell, destacou que a empresa Equatorial terceirizou os serviços, demitiu trabalhadores e causou confusão nos serviços de rua. “Para seguir um modelo de gestão, a Equatorial demitiu o pessoal de ponta que são os eletricistas. Hoje, a Control, que é a terceirizada da Equatorial, contrata pessoal com apenas 40 horas de formação, na área predial, que não tem nada a ver com o serviço de rua”. “Trabalhadores recém-incorporados ao quadro da Eletrobras por concurso foram demitidos. Inclusive, havia uma decisão judicial que impedia a Eletrobras de contratar trabalhadores terceirizados para a atividade-fim mas, ao assumir a Equatorial fez justamente o contrário, demitiu os trabalhadores concursados que tinham sido qualificados recentemente”, continuou Nestor Powell. O eletricista José Aldo Nunes Junior, ex-funcionário da Eletrobras, afirma que o período antes da demissão deixou os funcionários tensos e o serviço mais precário. “Assim que eles assumiram a empresa criaram toda uma agenda para percorrer o estado e fazer reuniões para falar com os empregados que estivessem dispostos a comparecer. Já informaram que a política do grupo Equatorial era de não possuir eletricista próprio e que seria tudo terceirizado”. “Algumas vezes me deparei com o pessoal novo na subestação com medo de sair pra trabalhar porque a dupla não era da área e não tinha treinamento adequado para atender a população, o que precariza ainda mais o serviço e pode acarretar em acidentes”, aponta o eletricista. Parlamentares se preocupam com os serviços prestados Para o deputado estadual Davi Davino (PP), a situação entre a empresa Equatorial e a população alagoana é preocupante.  “Vejo com muita preocupação a relação de consumo que se estabeleceu entre a concessionaria e os consumidores. A Assembleia Legislativa do Estado [ALE] propôs uma audiência pública e a Equatorial será questionada sobre todas as ações que estão afligindo a população. Grande parte da população está insatisfeita com o aumento das contas, mas também com o mau atendimento dos prestadores de serviço”, afirmou o parlamentar. Já para o deputado federal Paulão (PT), a avaliação é que a Equatorial realiza um péssimo serviço para a sociedade alagoana. “A Equatorial está fazendo um péssimo serviço e a gente já fazia esta avaliação devido a outras experiências como esta [privatização] no Brasil. Em outros países já existe um processo de reestatização de empresas públicas que foram privatizadas”. Para o deputado a empresa é campeã de reclamações porque não respeita a lei. “O corte de energia sem notificação com antecedência gera reclamação e é por isso que a Equatorial é campeã de reclamações no Procon dos estados onde ela explora a concessão pública de distribuição de energia elétrica. Está com um processo de corte que não obedece à legislação e ainda contratou uma empresa terceirizada para o serviço”, denuncia o deputado. Ainda para o parlamentar, a Equatorial visa apenas o lucro e não investe para melhorar os serviços prestados à população. “É o pensamento do investidor que só pensa no lucro e aí o grande problema para a empresa é que termina não fazendo o investimento devido. O objetivo da Equatorial, a empresa que compra a Eletrobras, é o lucro”, declara Paulão. Defensoria e Procon buscam explicações A Defensoria Pública Estadual está recebendo as reclamações e trabalhando em duas vertentes: uma individual que acolhe os consumidores e trabalha as reclamações de forma particular e outra que recebe e trabalha as reclamações como um todo, que é a Tutela Coletiva, no qual há o trabalho para a resolução de questões coletivas e macros. Segundo Fabricio Leão Souto, defensor público estadual, a informação é de que “existe sim a possibilidade de uma Ação Civil Pública [ACP] para que a Equatorial revise as contas e resolva todas as reclamações”. Já o Procon de Alagoas encaminhou ofício à Equatorial buscando informações sobre “qual a metodologia de cálculo empregada nas cobranças retroativas; justificativa para suspensão dos serviços de energia nos dias proibidos por lei estadual; e por que as aferições solicitadas pelos consumidores não estão sendo realizadas?”. No mesmo ofício, o órgão declara que a empresa terá o prazo de 15 dias para responder, sob pena de sofrer as sanções previstas no decreto 2.181/97, do Código de Defesa do Consumidor. Em nota oficial, a assessoria de comunicação da Equatorial Energia informa que “a Equatorial tem atendido as demandas dos órgãos de defesa do consumidor, incluindo Defensoria Pública, Ministério Público e Procons a fim de prestar os esclarecimentos”. Empresa afirma que investe em melhorias Questionada sobre a reclamação dos consumidores sobre os cortes sem aviso e também da falta de diálogo entre as equipes de corte e os usuários, a assessoria de comunicação da Equatorial Energia informou que “a Equatorial sempre busca investir em melhorias de sistema e políticas de controle para garantir a qualidade e segurança em todos os seus processos. No último mês realizou diversos treinamentos com a linha de frente [eletricistas/atendentes] a fim de melhorar o atendimento ao nosso cliente”. Ainda em nota, a empresa declara estar aberta a ouvir e resolver os problemas dos consumidores. “Os clientes que ainda tiverem alguma dúvida em relação aos processos da Equatorial devem se dirigir a um posto de atendimento com a leitura do medidor ou entrar em contato por meio da Central de Atendimento no telefone 0800 082 0196 para que a Companhia possa adotar as medidas cabíveis. Sobre as reclamações direcionadas pelos consumidores à Defensoria Pública Estadual e ao Procon Alagoas, a empresa declara que está aberta à negociação. “Percebe-se que dos clientes que apresentaram algum tipo de questionamento, em muitos casos as reclamações giram em torno de pedido de informações, parcelamento ou até reparcelamento de débito. Nos casos em que há necessidade de correção, a empresa realiza acordo”, finaliza a nota oficial da Equatorial Energia.