Economia

Empreendedoras de impacto social desafiam estereótipos para criar negócios inovadores

Brasileiras que criaram negócios de impacto social em setores como Tecnologia e Serviços Financeiros têm se destacado em startups aceleradas pela Artemisia

Por Assessoria 08/03/2018 10h51
Empreendedoras de impacto social desafiam estereótipos para criar negócios inovadores
Reprodução - Foto: Assessoria
A representatividade importa tanto quanto o estímulo emocional, social e educacional. No mundo, as mulheres têm reivindicado o direito a contar a história real da contribuição feminina em áreas como Matemática, Ciência, Física Nuclear, Engenharia Aeroespacial, Programação, Finanças e tantas outras que parecem ser territórios masculinos. A cientista Rosalind Franklin teve um papel preponderante na descoberta do DNA. Ada Lovelace, matemática e programadora britânica, criou o primeiro algoritmo e produziu estudos que influenciaram os trabalhos de Alan Turing na construção dos primeiros computadores. Na Segunda Guerra Mundial, 80% de todos os criptoanalistas eram mulheres. No Brasil, uma nova geração de mulheres tem desafiado os estereótipos de gênero para construírem negócios de impacto social inovadores. Aceleradas pela Artemisia, essas empreendedoras lideram empresas lucrativas que buscam impactar positivamente a vida de milhares de brasileiros. A própria Artemisia – pioneira no fomento de negócios de impacto social no Brasil – tem um viés feminino e feminista. Maure Pessanha, diretora-executiva e cofundadora da organização, conta que o nome é inspirado em Artemisia Gentileschi, pintora do Barroco italiano (século XVII); a primeira mulher a ser aceita pela Academia de Belas Artes de Florença (Itália), a mesma na qual Michelangelo estudou. “O talento, ativismo, vanguardismo e coragem para enfrentar o status quo inspiraram a cofundadora Kelly Michel, que conheceu o trabalho da artista ao cursar Artes na Universidade. A pintora, inclusive, tornou-se ícone do feminismo na década de 1970”, detalha Maure, acrescentando que a organização surgiu da inquietação; da crença de que a força e a escala de negócios poderiam ser eficientes para solucionar problemas sociais estruturantes e complexos; da visão de que o mercado pode endereçar questões sociais. “Ao dissociar o conceito de pobreza do conceito de renda, a proposta da Artemisia sempre foi tornar o Brasil um polo de negócios de impacto social capaz de inspirar o mundo. Para isso, criamos uma organização que reúne empreendedores que unem talento ao propósito. E as mulheres têm um papel determinante nesse cenário”, afirma Maure, acrescentando que as mulheres possuem uma excelente visão de longo prazo, têm capacidade de resolução de conflitos, talento para comandar equipes multiprofissionais e empatia com problemas e desafios alheios. Estas características são extremamente relevantes para empreendedoras que investem em negócios de impacto social – empresas que oferecem, de forma intencional, soluções escaláveis para problemas sociais da população de baixa renda. A organização está conectada com a causa da representatividade de gênero e geração de oportunidades para que as empreendedoras possam ser desenvolver em um ambiente mais igualitário. “Em todos os nossos processos – da contratação de profissionais à seleção de negócios para programas de aceleração – buscamos contemplar a questão de gênero. Além disso, queremos contar, cada vez mais, a história dessas mulheres brasileiras que estão desafiando os padrões e empreendendo em prol da melhoria da sociedade. Elas têm trajetórias inspiradoras que merecem ser compartilhadas para influenciar mais e mais meninas”, afirma Maure. Para disseminar essas histórias, a organização preparou um conteúdo especialmente focado em inspirar garotas e calar as vozes que ainda duvidam da capacidade feminina. A menina do tempo “Fui criada com meu irmão mais novo e tive a sorte de não termos muito bem definidas as fronteiras entre brinquedos de meninos e brinquedos de meninas. Desde muito cedo gostava de ferramentas, de desmontar carrinhos e entender como as coisas funcionavam. Hoje vejo essas habilidades se manifestando por meio da profissão que escolhi. A distinção de tratamentos entre meninos e meninas é muito prejudicial para ambos, pois limita as possibilidades.  Tenho uma amiga que afirma: aprenda a programar, caso contrário programarão você. O raciocínio exigido em programação deve ser incentivado desde muito cedo, por meio de brinquedos e brincadeiras que estimulem a noção espacial, criatividade e lógica. Precisamos que as meninas conheçam exemplo de outras mulheres inspiradoras, que tenham cada vez mais autonomia e que venham a ser agentes de mudança”, Mariana Marcílio, empreendedora da Pluvi.On – rede de estações meteorológicas proprietárias que gera alertas antecipados e em tempo real para a população em relação a eventos climáticos extremos como enchentes e deslizamentos. A carreira de Mariana Marcílio teve início em 2010 com a formação em design industrial. “Sempre utilizei a tecnologia como ferramenta para criação de produtos e experiência de consumidores. Em 2015, fiz um curso de futurismo que falava sobre propósito e sobre como a tecnologia pode ajudar a resolver grandes problemas globais. Percebi que ajudar as pessoas por meio do design era algo que me realizava; assim, enxerguei uma grande oportunidade de transição de carreira”, afirma. Mariana conta que o primeiro movimento que fez nessa direção foi o estudo sobre wearables – as tecnologias vestíveis. A empreendedora mergulhou no mundo de hardware, internet das coisas, circuitos elétricos e se aprofundou em impressão 3D, com a qual já trabalhava há alguns anos. “Nesse momento conheci meus atuais sócios, que tinham acabado de fundar a Pluvi.On. A startup tem o propósito de minimizar as perdas decorrentes de eventos climáticos extremos como chuvas fortes, ventos e variações de temperatura através do monitoramento em tempo real do clima e envio de alertas gratuitos para população. Meu conhecimento em design industrial e processos de fabricação nos ajudaram a desenvolver as primeiras versões da estação meteorológica. Nunca imaginei trabalhar em algo tão específico como inteligência climática, mas quando entendi o potencial que nossa tecnologia tem de ajudar as pessoas me apaixonei na hora”, detalha, acrescentando que hoje é responsável pela área de Marketing, Design e Experiência do Usuário. “Habilidades que venho desenvolvendo, ao longo dos últimos dois anos, por conta da empresa”, afirma. Na opinião da empreendedora, trabalhar em startup exige desapego e disposição para aprender todos os dias. Trazer sensibilidade e empatia para esse ambiente tão dinâmico é um grande desafio – na visão de Mariana –, mas também é uma grande oportunidade: a inovação só acontece com uma mudança de perspectiva e por isso, times mais diversos e inclusivos são tão importantes. “Como a tecnologia foi, durante muito tempo, dominada pelo tradicional perfil homens, brancos e heterossexuais, precisamos correr contra o tempo para criar iniciativas que permitam que as pessoas se sintam capazes de contribuir e de participar desse momento de transformação. Entender a lacuna técnica que teremos por algum tempo também é importante. Para ter times mais diversos, as empresas precisarão treinar e capacitar pessoas, respeitando suas limitações e aproveitando suas potencialidades”, defende. Sobre as dicas, Mariana defende que as mulheres devem ter em mente que não precisam fazer tudo sozinhas. “Sempre tive medo de empreender, pois achava a burocracia um bicho de sete cabeças. A mesma coisa aconteceu com programação: achava que jamais trabalharia com tecnologia por não saber programar. Ao me conectar aos meus sócios, entendi que as coisas podem ser mais simples se compartilharmos nossas habilidades. Na Pluvi.On temos especialistas em negócios, tecnologia, operações e finanças. Criamos um ambiente de confiança e transparência, no qual nos apoiamos nos conhecimentos uns dos outros para tomar decisões. Assim aprendo diariamente com eles para ter cada dia mais autonomia.  A tecnologia é uma ferramenta poderosa de transformação e precisamos de mais mulheres olhando para isso. Você consegue imaginar algum homem desenvolvendo soluções pensando em nosso ciclo menstrual ou no quão difícil é a jornada de uma mãe no mercado de trabalho? Existe um mundo de oportunidades, só precisamos ter empatia e nos conectarmos com as pessoas certas”, finaliza.   A menina programadora “É muito verdade que o mundo não quer que as meninas brinquem de ser astronauta; que vislumbrem a possibilidade de serem programadoras ou CEOs de grandes empresas. Mas é aí que entra a nossa tarefa – mulheres profissionais de tecnologia – de inspirar novas gerações a, pelo menos, conhecer o que é e como isso irá impactar a vida delas, das pessoas ao redor e do mundo inteiro. No meio de tecnologia temos a cultura do give back, ou seja, devemos retribuir e compartilhar com o ecossistema tecnológico tudo o que aprendemos ou avançamos. E, assim, inspirar outras pessoas. Acho que quando falamos de mulheres na tecnologia, o give back tem que vir também no compartilhamento aberto de experiências, vivências, resultados e aprendizados de mulheres para outras mulheres. Os homens se falam o tempo todo, se estimulam o tempo todo. Nós temos que fazer isso entre nós também”, afirma Nanda Carvalho, empreendedora da Youtrendz – plataforma de compra, vende e compartilhamento com foco no aumento de renda de micro e pequenos empreendedores Na plataforma desenvolvida por Nanda é possível criar, gratuitamente, uma loja virtual em minutos com toda a infraestrutura de um marketplace. A ferramenta serve para todos os tipos e tamanhos de loja (pequeno, médio e grande). Desse modo, conecta pessoas e marcas que podem interagir de maneira mais efetiva. Além de fazer negócios, podem construir a imagem, compartilhar experiências, gostos e preferências. “Eu sempre fui muito curiosa e apaixonada por computadores. Quando era mais nova, ia a uma lan house, sempre que podia, só para ter contato com as possibilidades que a internet me trazia. Há 10 anos, eu fazia um curso para me tornar técnica de enfermagem; eu realmente não sabia que poderia trabalhar com tecnologia ou design, pois era coisa de homem. Não sabia nem por onde começar. Até que um dia, um amigo comentou que fazia curso de Design Gráfico em uma instituição do Rio de Janeiro. No dia seguinte fui me matricular, mas era caro demais! Então, pedi ao gerente um desconto; ele disse que precisava de monitores nas turmas da tarde e eu me ofereci para o cargo. Na verdade, era uma espécie de faz tudo, em contrapartida, faria todos os cursos que quisesse nas turmas da noite. Conclui toda a grade de cursos!”, afirma. Nanda conta que foi nesse ambiente que se apaixonou por design. “Em seguida, decidi que iria me tornar programadora, pois queria trabalhar com internet e web. Entrei em um curso de Front-end que mudou minha vida. Na escola de nerds – é como os alunos autointitulam o espaço – que eu entendi o meu propósito. Apesar de ter sido a única menina em uma classe de 20 pessoas, a metodologia deles ainda me acompanha e me tornou a profissional que sou hoje. Foi com a programação que eu entendi o poder da mudança que a tecnologia proporciona na vida das pessoas. E não parei mais de estudar até hoje”, detalha. Nanda afirma que o mercado de programação ainda prefere homens. “Nós, mulheres, já alcançamos algumas coisas, mas estamos longe de ter um cenário equilibrado para atuarmos como profissionais de tecnologia. Nossa opinião não tem o mesmo peso da opinião de um cara. Acho que o maior desafio está em ser ouvida, tanto como designer, quanto como programadora. Eu tive que brigar muito mais do que meus colegas homens para defender alguma ideia de projeto. Falta abertura da parte dos homens para a gente atuar com liberdade sem toda hora entrar em conflito com o ego masculino”, defende. Entre as dicas, Nanda é categórica. “Comece e não pare! Seja nerd e se capacite o máximo que você puder, seja curiosa e cara de pau. Participe de workshops, encontros sobre design e programação; assista videoaulas; faça trabalhos colaborativos em projetos legais em troca de experiências; e fortaleça seu networking. Invista, também, no  autoconhecimento e desenvolvimento pessoal, pois isso vai ajudar muito a ter clareza nas decisões e a ter resiliência com o que temos que lidar no dia a dia em uma área que é 80% do tempo masculina. Depois de quase 10 anos como designer e programadora, agora como empreendedora e fundadora à frente de startup de tecnologia, eu não me vejo fazendo outra coisa. Abrace o poder que a tecnologia oferece e retribua isso para o ecossistema”, finaliza. A menina do dinheiro de plástico “Talento não é questão de gênero. E, para defender essa premissa, acredito que o primeiro passo seja reconhecer que existe a reprodução do comportamento machista e depois desconstruí-lo. Nesse contexto, o papel da família e da escola é estimular a criança ou jovem a concretizar sonhos. A equidade é dada quando garantimos acesso e o direito a todos, independente do gênero; e isso começa nos pequenos detalhes. Ser mulher é um ato de resistência”, Julia Drezza, empreendedora da Mais Fácil – instituição financeira de pagamentos que oferece cartões de crédito que geram impacto social, conectam empresas, comunidades e pessoas que se orgulham de fazer o bem. Em 2008, Julia se associou a Pablo Pires para fundar a Mais Fácil. Na mecânica do negócio, parte do valor da transação dos cartões retorna para a comunidade; o objetivo é impulsionar projetos e empreendimentos sociais locais. Em 2015, a empreendedora lançou o cartão Nova Paraisópolis. Na prática, a empresa – acelerada pela Artemisia em 2017 – atua como uma administradora de cartões de crédito para varejo e gerencia cartões comunitários, reinvestindo parte da receita em benefícios para a comunidade. Além dos cartões, os moradores têm acesso a ações de educação financeira, descontos e parcerias exclusivas com o comércio local. Segundo Julia, empreender exige um preparo diário; é preciso mergulhar, profundamente em diferentes assuntos. E, se possível, expandir a leitura tradicional acadêmica. Isso me trouxe repertório e permitiu ter uma leitura mais crítica e sistêmica. Mas, para mim, a tarefa inicial e mais importante foi descalçar os sapatos e prestar atenção, ou seja, olhar empaticamente e descobrir qual a melhor forma de ofertar meu produto e garantir que ele traga dignidade para o dia a dia do meu cliente”, revela. Sobre os desafios que uma mulher enfrenta ao empreender no setor, Julia aponta a necessidade de desconstruir crenças de que alguns serviços financeiros não são para a base da pirâmide. A empreendedora lembra que o tamanho estimado do segmento para a baixa renda é de R$ 13,7 bilhões (POF 2009); 49% dos gastos dessa população estão atrelados a despesas com empréstimos; o acesso a crédito vem, principalmente, por meio de varejista. A análise mostra que o baixo acesso a esses serviços pela população mais vulnerável tem origem na assimetria de informação entre o banco e o indivíduo. Ao conceder crédito, além de dar acesso a produtos e serviços essenciais, o Mais Fácil fortalece o sentimento de pertencimento comunitário, incentiva o consumo em comércios locais e trabalha para garantir melhor educação financeira. Quando o tema envolve dicas para mulheres, Julia é enfática. “Empreender não é simples e ser uma mulher empreendedora é mais desafiador ainda, apesar de muitos dizerem que vivemos em uma sociedade equânime. Você será muito questionada sobre sua competência e para ser ouvida seu esforço talvez seja maior, porém, esse é um caminho de inúmeras possibilidades e com potencial de transformação que poderá melhorar a vida de inúmeras pessoas. Não deixe de estar próxima a outras mulheres e saiba que você não está sozinha”, defende. A menina do campo “Vejo que sem estímulos variados e livres de pré-conceitos, o ser humano não consegue alcançar ao máximo suas potencialidades. No caso das meninas, em especial, ainda há preconceitos em muitas famílias de uma cultura restrita. Eu fiz engenharia influenciada positivamente pela minha mãe e meu pai, empreendedores de uma indústria. Eles sempre me incentivaram a entender as ferramentas e os processos por trás do negócio. Desejo que mulheres se sintam aptas a estarem nas Ciências Políticas ou Exatas; que se sintam estimuladas a pensarem analiticamente desde muito cedo para que possam ser quem elas quiserem ser’’, Daiana Censi Lerípio, empreendedora do Sumá – plataforma de comercialização justa da agricultura familiar, que conecta diretamente agricultores qualificados com compradores frequentes de alimentos. “O meu interesse surgiu a partir da demanda do público com o qual trabalhamos. Na área rural visualizamos fragilidades que poderiam ser combatidas com o uso da tecnologia. A primeira delas é prover ferramentas para que o jovem se sinta atraído pelo campo; que este o remunere de forma justa. A segunda é que por meio das tecnologias exponenciais conseguimos atender mais agricultores familiares, reduzindo os custos de expansão. Portanto, o envolvimento com a tecnologia está no coração do Sumá – tanto em propósito quanto em sobrevivência do negócio. A minha preparação se deu por meio de cursos online para complementar a minha formação na área de Engenharia e também com o apoio de equipe especializada”, analisa. Sobre os desafios, Daiana afirma que as mulheres precisam lutar para serem ouvidas em muitos ambientes liderados por homens. “Lidamos diariamente com nichos que possuem essas características: a agricultura e a tecnologia. Precisamos nos posicionar de forma muito enfática e com muita experiência de campo aliada a bons argumentos – e referências técnicas – para sermos consideradas nos debates. Assim, acredito que o principal desafio ainda é ser ouvida com a mesma seriedade com que os homens naturalmente são”, salienta. Quando o tema envolve as dicas para empreendedoras, Daiana acredita que bons ventos estão soprando. “Uma nova geração está surgindo mais engajada e sensibilizada para a equidade de gênero. Portanto, minha dica é: estude e se atualize sobre o seu campo de atuação, envolvendo tecnologia ou não, e caso você não possua habilidades de oratória, sugiro que dedique um tempo para um curso, pois a minha experiência demandou inúmeras vezes a defesa de minhas ideias e saber se expressar é um ponto a favor”, finaliza.   ARTEMISIA A Artemisia é uma organização sem fins lucrativos, pioneira na disseminação e no fomento de negócios de impacto social no Brasil. A organização apoia negócios voltados à população de baixa renda, que criam soluções para problemas socioambientais e provocam impacto social positivo por meio de sua atividade principal. Sua missão é identificar e potencializar empreendedores e negócios de impacto social que sejam referência na construção de um Brasil mais ético e justo. A organização já acelerou mais de 100 negócios de impacto social no Brasil e capacitou outros 300 em seus diferentes programas. Fundada em 2004 pela Potencia Ventures, possui atuação nacional e escritório em São Paulo. www.artemisia.org.br