Cidades
Psicoterapia com Inteligência Artificial é considerada risco à saúde
Nova tecnologia disponível causa preocupação aos profissionais e interfere na qualidade do atendimento aos pacientes

É no divã que as pessoas conseguem expressar seus mais íntimos sentimentos. A verdadeira face do seu eu. Mas o que fazer quando esse divã é substituído por um robô? Você, leitor, teria coragem de trocar um atendimento com psicólogo ou psiquiatra pela Inteligência Artificial (IA)? E mais que isso: essa seria a melhor forma de cuidar da sua saúde mental?
Entre o divã e o robô está a privacidade que a IA não garante. O problema é que nada do que se diz a uma IA está protegido por lei. Expor o que há de mais intrínseco no comportamento humano a IA é o mesmo que fazê-lo a um completo desconhecido. Ou pior! A vários desconhecidos.
Pelo mundo afora, milhões de pessoas já estão fazendo isso diariamente com o ChatGPT e outras plataformas de IA. Procuram alívio, clareza ou apenas um momento de escuta.
Alheias à gravidade do problema, as pessoas contam as coisas mais pessoais de suas vidas para o ChatGPT.
Ao contrário das trocas com psicólogos ou psiquiatras, cujas profissões contam com uma rígida proteção legal, conversas com IA podem ser acessadas por equipes técnicas ou até requisitadas judicialmente.
O uso “terapêutico” da IA cresceu mais rápido que a legislação sobre privacidade de dados sensíveis. Em outras palavras, confiar sua intimidade a uma IA pode parecer seguro, mas está longe de ser confidencial.
A IA está cada vez mais presente na vida cotidiana, mas ainda não foram criados mecanismos claros para garantir a proteção de quem interage com ela.
A psicóloga Laeuza Farias, conselheira do Conselho Regional de Psicologia de Alagoas, foi categórica ao afirmar que “obviamente que máquina não é gente! A capacidade de estabelecer vínculo é humana, então utilizar simplesmente IA sem mediação humana, é como colocar um band-aid em uma ferida. Pode parecer que dá um alívio em um primeiro momento, mas não resolve as questões em sua profundidade e, em alguns casos, pode até piorar”, frisou.

Segundo ela, o profissional de Psicologia está preparado para realizar estas interações. Vínculo, empatia, rapport, insights, relacionou Laeuza “Além disto, as linhas de atendimento, as escolas são formas de você apreender a individualidade e a singularidade do seu cliente. Máquina nenhuma pode substituir a qualidade do atendimento humano e profissional”, resumiu.
Como confiar, enfim, em uma tecnologia que simula escuta, mas não devolve cuidado? Se você já usou Alexa, Siri ou qualquer outro tipo de sistema de reconhecimento de voz, está usando IA. Mas daí a confiar o que está guardado nas camadas mais profundas da sua psique, já é outra história.
Provavelmente já existem vários perfis de suas ações financeiras e sociais, principalmente online, que podem ser usados para fazer previsões sobre seu comportamento.
O cartão de fidelização do supermercado acompanha os seus hábitos e gostos através das suas compras. As agências de crédito rastreiam quanto você tem no banco e quanto deve em seus cartões de crédito.
A Netflix e a Amazon estão acompanhando quantas horas de conteúdo você assistiu na noite passada. Suas contas de mídia social sabem em quantos vídeos você comentou hoje.
E não é só com você, esses números existem para todos, permitindo que os modelos de IA os percorram em busca de tendências sociais.
Esses modelos de IA já estão moldando sua vida, desde ajudar a decidir se você pode obter um empréstimo ou hipoteca, até influenciar o que você compra, escolhendo quais anúncios você vê online.
Mas a IA será capaz de fazer tudo? Até mesmo sessões de psicoterapia ou psicanálise? É possível criar uma relação segura no divã com um robô?
Na avaliação dos profissionais de saúde mental, o desabafo com IA pode ser perigoso. Muita gente tem recorrido a inteligências artificiais para aliviar o peso do dia. A prática, que pode parecer inofensiva à primeira vista, desafia profissionais da saúde mental e a sociedade no geral.
Fazer consultas ao ChatGPT pode parecer cômodo e rápido, gerando um alívio na angústia, mas a certeza é de que o problema continuará lá.
Recentemente, o Conselho Federal de Psicologia lançou orientações sobre o uso ético das IAs na prática profissional, relembrando que o psicólogo deve garantir direitos, combater discriminação e agir com responsabilidade – o que também vale quando se fala em tecnologia.
Sobre o futuro dos “robôs terapêuticos”, o início da terapia pode ser como tirar uma mochila pesada das costas, mas depois disso, é preciso entender o que se carrega dentro dela.
A IA, definitivamente, não ajuda a lidar com transtornos psicológicos ou psiquiátricos. A afirmação é dos profissionais ouvidos pela reportagem do jornal Tribuna Independente.
A médica psiquiatra Tainá Carvalho explicou que a proximidade da sociedade com a tecnologia no sentido de uma demanda de saúde mental passa por uma ideia de que é possível, quase que instantaneamente, ter uma resposta para os “problemas”, questões.

“O imediato do teclar e ter uma resposta pronta pode soar convidativo diante da angústia. Porém, o atravessamento de tais questões está longe de ter saídas por meio de textos prontos, ainda que pareçam singularizados”, esclareceu a profissional.
Tainá Carvalho explicou que o atendimento de um médico envolve a aposta de que um outro sujeito está disposto a ouvir a história do paciente atentamente e as intervenções que podem ser tecidas surgem na medida em que o acompanhamento acontece.
“O jeito que alguém conta, que se veste, que entoa as palavras fazem parte da forma do dizer e do enunciar, para além de um texto escrito. E tudo isso tem relevância nas construções das queixas que um paciente endereça ao médico”, justificou.
Ainda conforme a médica psiquiatra, as relações humanas estão cada vez mais atreladas ao mundo virtual. O grande mal do futuro será atrelar as relações profissionais, em especial às ligadas à saúde mental, também ao mundo virtual, principalmente à inteligência artificial.
“O estar no mundo se modifica em cada contexto cultural. Em tempo de aperfeiçoamento tecnológico, as relações passam também por uso de inteligências artificiais. Porém se isso será um grande mal do futuro, saberemos com um tempo quais contornos cada sujeito dará diante do uso da tecnologia”, destacou.
A psicóloga clínica e hospitalar, Emanuela Barbosa Ferro Sales, afirmou que com o avanço da tecnologia, cada vez mais surgem propostas de atendimentos psicológicos mediados por inteligência artificial, aplicativos com “chatbots terapêuticos” ou até robôs que simulam escuta e aconselhamento.
“Embora essas ferramentas possam oferecer suporte inicial, como acolhimento momentâneo ou incentivo à busca de ajuda, como psicóloga, acho essencial destacar os perigos que essa prática representa quando se propõe substituir o trabalho de um psicólogo”.
Emanuela Ferro, que é mestre em ciências da saúde, detalhou que a saúde mental envolve aspectos profundos da experiência humana: emoções, memórias, vínculos, crenças, subjetividade, dor, trauma, identidade.
Esses elementos, acrescentou a profissional, não se resumem a dados ou padrões. Exigem presença, escuta qualificada, empatia verdadeira e percepção direta, aspectos que apenas um profissional humano pode oferecer.
“O contato com um psicólogo vai além da fala: está na forma como se escuta, no silêncio que acolhe, na resposta que respeita o tempo do outro e isso nenhuma máquina é capaz de simular com autenticidade. A inteligência artificial não tem história, não tem corpo, não tem afeto”, ponderou.
Ela pode ser treinada, completou, para identificar palavras-chave ou oferecer respostas padronizadas, mas não tem vivência, nem a capacidade de perceber sutilezas emocionais, sinais de sofrimento profundo, contradições do discurso ou mesmo indícios de risco de vida. A relação psicoterapêutica é a base do cuidado psicológico.
Na avaliação da psicóloga Emanuela Fero, é no vínculo entre terapeuta e paciente que se constrói confiança, espaço de escuta e transformação. A percepção do outro como ser humano único, com sua história, sua cultura, seu modo de existir no mundo, é algo que nenhuma tecnologia pode captar plenamente.
“Além disso, há riscos importantes: a falsa sensação de estar sendo cuidado, a exposição de dados sensíveis sem garantias de sigilo, a normalização da automedicação emocional por meio de respostas automatizadas e, principalmente, o isolamento emocional disfarçado de interação. Quando uma pessoa em sofrimento busca apoio e encontra apenas um algoritmo, pode sair mais frustrada, mais confusa ou até desamparada. Por isso, é urgente que a população se conscientize: o serviço de um psicólogo é insubstituível”, detalhou.
Na avaliação da psicóloga, ferramentas tecnológicas podem ser aliadas, mas jamais protagonistas. O cuidado com a saúde mental exige presença humana, ética, escuta ativa, formação técnica e, sobretudo, sensibilidade. A psicologia é feita de encontro. “É nesse espaço, entre dois seres humanos, que se constrói o processo de cura, crescimento e ressignificação. E isso, nenhuma máquina é capaz de entregar”, finalizou. A empresária Laise Correia contou que precisou criar coragem para poder iniciar sessões com psicóloga para poder se conhecer melhor. “Se já foi um processo dolorido confiar as minhas intimidades a uma pessoa habilitada para me ouvir, quem dirá com uma máquina. Um mundo totalmente desconhecido.”
Mais lidas
-
1Excesso
Comer sementes de maçã pode levar à morte?
-
2Próximos capítulos!
Após ir para a cama com Kevin, Ramiro tira a vida de personagem em Terra e Paixão
-
3"Se filmar eu te mato''
Pai estupra a própria filha e é flagrado pela mãe no interior de São Paulo
-
4fake news
É falso: Lula não fechou comportas da Transposição do São Francisco
-
5Eleições 2022
Instituto Veritá que aponta Bolsonaro na frente deu vitória de Aécio contra Dilma em 2014