Cidades

Associação diz que tragédia teve dados fraudados

Para entidade, mapas de criticidade sobre afundamento do solo nos bairros de Maceió usam critérios sem respaldo científico

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 12/08/2025 08h09 - Atualizado em 12/08/2025 10h41
Associação diz que tragédia teve dados fraudados
Critérios sem respaldo para definir áreas afetadas deixaram regiões como os Flexais fora do mapa de risco - Foto: Edilson Omena

A Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração em Alagoas, presidida pelo empresário Alexandre Sampaio, divulgou nota pública, na sexta-feira (8), manifestando solidariedade ao defensor público estadual, Ricardo Melro, pelo afastamento dele e sua equipe das investigações do Caso Braskem.

Na nota, a Associação destaca o relatório apresentado na audiência pública, realizada na última sexta-feira, por cinco cientistas de renomes internacionais, contestando os dados sobre o afundamento solo apresentado pelo CAT – Comitê de Acompanhamento Técnico, coordenado pela Defesa Civil de Maceió e com a participação da Braskem.

Segundo a nota da Associação, na audiência pública, promovida pelo defensor Ricardo Melro, ficou comprovado que os mapas de criticidade sobre afundamento do solo usam critérios sem respaldo científico. Por conta disso, “decisões do Ministério Público Federal e da Defesa Civil Municipal foram baseadas em dados fraudulentos”.

Para corrigir essas distorções, a Associação defende que a área de evacuação, incluindo os Flexais, deveria ser ampliada. A defensoria, no final da apresentação do relatório, também defendeu a revisão do mapa de risco, bem como a atualização dos dados sobre a subsidência do solo nas áreas de bordas, principalmente na região dos Flexais e do Bom Parto, onde várias casas apresentam rachaduras e fissuras.

“Maceió vive uma guerra silenciosa. O inimigo é a Braskem, que objetiva dominar o subsolo, as riquezas naturais e expulsar do território os incômodos moradores, empreendedores e vítimas com o menor custo possível”, relata um trecho da nota da Associação.

“Na audiência foi revelada mais uma arma utilizada pela mineradora e Defesa Civil: a fraude científica, o uso de critérios sem qualquer respaldo internacional para definir as áreas de risco. Sob qualquer ponto de vista, um escândalo do tamanho do maior crime socioambiental do mundo em área urbana”, acrescenta a entidade.

“O coordenador e os técnicos da Defesa Civil de Maceió já não podem dar as desculpas lavadas de vícios construtivos ou solo inapropriado para as rachaduras dos imóveis nas bordas da área evacuada”.

A nota da Associação diz ainda que “aplicada a boa técnica, com o rigor científico reconhecido por cientistas de renome internacional, os Flexais, a Marquês de Abrantes, o Bom Parto, incluindo a rua General Hermes, parte do Farol, notadamente a rua Barão José Miguel, não tem nenhum problema técnico em suas construções além das graves consequências da mineração irresponsável da Braskem”.

Para o empresário Alexandre Sampaio, essas áreas já deveriam ter sido evacuadas com a devida reparação integral. “Confirmando-se o relatório apresentado pela DPE, trata-se de um erro escondendo outro erro, num ciclo vicioso de mentiras e decisões judiciais e extrajudiciais vexatórias que só acabará com os responsáveis na cadeia”.

Nesta guerra – completa a nota da Associação – “os capacetes dos soldados inimigos foram substituídos por autoridades em gabinetes frios. Hoje a verdade veio a público. Pelo que foi apresentado por cientistas independentes, o mapa da defesa civil é uma fraude”.

Nesse sentido, para a Associação, “o Acordo dos Flexais, assinado pelo MPF, é baseado numa fraude, pois ignora uma série de evidências e usa parâmetros duvidosos, sem o rigor científico”. “Seria isso que setores da DPE queriam esconder?”, questiona o presidente da Associação.

Segundo ele, na nota de desagravo, o Defensor Público Ricardo Melro deixou clara a tentativa de desarticular o Núcleo de Proteção Coletiva para impedir, até o último momento, a realização da audiência. Além de minar a divulgação da verdade sobre as consequências da mineração predatória praticada pela Braskem, em Maceió.

“O defensor público geral parece ter escolhido, sem qualquer sutileza ou rubor, seu lado nesta guerra. E pelo contundente depoimento de Ricardo, não é o dos cidadãos e cidadãs que constitucionalmente deveriam ter proteção da DPE. As principais trincheiras de defesa dos direitos das vítimas capitularam logo nos primeiros anos: MPF, MPE e DPU assinaram acordos profundamente lesivos aos afetados pela mineração”, avalia a Associação, por meio de nota.

“Mesmo depois de inúmeros questionamentos formais das entidades que representam as vítimas, inclusive da nossa Associação, apesar das recomendações de revisão feitas CPI da Braskem, de comissões da OAB Nacional apontarem as violações de direitos humanos, estes órgãos mantiveram-se firmes na defesa da maior mineradora das américas, virando as costas para o colossal sofrimento de dezenas de milhares de moradores, empreendedores, estudantes, trabalhadores e para toda a cidade de Maceió”.

DPE é a última trincheira oficial das vítimas

“Diante das mais avassaladoras consequências impostas aos moradores e empreendedores dos bairros afetados, a única pessoa que o MPF teve a coragem de processar criminalmente foi Alexandre Sampaio, presidente da Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió”, revela um trecho da nota.
“Nossa entidade tenta há mais de dois anos processar criminalmente a Braskem – obrigação que seria do MPF - e agora apela ao STF e STJ a espera de uma decisão favorável”, acrescentou.

TRINCHEIRA

“A última trincheira oficial das vítimas – a DPE - só não foi tomada ainda pela Braskem por causa da integridade, honestidade, honradez e fibra de um homem público que tomou o lado da justiça e da verdade”.

“O Defensor Público Ricardo Melro e sua equipe vinham travando corajosas batalhas contra o isolamento dos moradores e empreendedores dos Flexais, contra o colapso funerário provocado pelo fechamento do Cemitério de Bebedouro, com a ACP para rever a ridícula indenização por danos morais pagas aos moradores, com outra ACP buscando reduzir os prejuízos da desvalorização imobiliária dos imóveis das bordas do mapa”.

Recentemente – completa a nota da Associação – a Defensoria realizou audiência pública em parceria com a entidade, para colher dados e rever as falsas indenizações recebidas pelas vítimas dentro do mapa de riscos. Além de buscar justiça para empresas e empreendedores que quebraram ou tiveram sérios prejuízos no entorno da área evacuada.

“As armas da Braskem são a desinformação veiculada nas mídias, a cooptação de lideranças e os inconfessáveis bastidores nos gabinetes oficiais que se tornam públicos através dos acordos, decisões judiciais e atos administrativos que tentam legalizar e normalizar a barbárie do maior crime socioambiental do mundo em área urbana, praticados por décadas de mineração predatória, ilegal e criminosa”.

A Associação dos Empreendedores conclui a nota, dizendo que, durante a audiência pública, a verdade veio à tona e que as armas das vítimas são a justiça, a solidariedade, a transparência, a empatia, a indignação e o protesto.

“A Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió torna pública sua irrestrita solidariedade ao Defensor Público Ricardo Melro e seus colegas afastados do Núcleo de Proteção Coletiva, ao passo que convoca todos os setores da sociedade civil organizada para proteger a última fronteira de luta contra o crime da Braskem: a Defensoria Pública do Estado”.

Por fim, faz um apelo ao Governo de Alagoas: “É hora de dizer a que veio e devolver a DPE para sua função legal e constitucional. Governador, não rife a vida dos afetados para negociar com a Braskem a indenização do Estado de Alagoas, como fez o prefeito JHC na prefeitura de Maceió. Use seu poder e influência para proteger as vítimas e devolver a DPE aos cidadãos de Alagoas”.

O Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) também divulgou nota contra “o desmonte do Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria Pública do Estado de Alagoas”, que até a semana passada vinha sendo coordenado pelo defensor Ricardo Melro.

“O MAM vem a público expressar seu mais firme e indignado repúdio diante do esvaziamento arbitrário do Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria, formalizado por portarias publicadas no último dia 4 de agosto de 2025, que exoneram e removem defensores públicos com atuação central na defesa dos direitos das populações atingidas pela mineração da Braskem em Maceió”.

Para a bióloga Neirevane Nunes, coordenadora do MAM em Alagoas, essa medida, tomada às vésperas de uma audiência pública, onde seria apresentado um relatório técnico-científico inédito sobre os impactos da subsidência, não pode ser reduzida a uma mera movimentação administrativa.

“Trata-se de um ato institucional com consequências graves para o direito à reparação, à justiça e à defesa coletiva dos mais vulneráveis”, destacou a militante do MAM.

Ao analisar a nota oficial da DPE, sobre o afastamento de Melro e sua equipe, a militante do MAM disse que a mesma “é evasiva e não justifica os afastamentos”.

“A nota oficial emitida pela DPE, em 6 de agosto na tentativa de responder às críticas não apresenta qualquer justificativa substancial para as exonerações e remoções. Limita-se a afirmar que os cargos são de livre nomeação e exoneração, desconsiderando completamente o contexto e as consequências da decisão”, diz a coordenação do MAM em Alagoas.

Também por meio de nota, a coordenação do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), prestou solidariedade ao trabalho do defensor público Ricardo Melro e à sua equipe à frente das investigações do Caso Braskem.

“A justificativa do defensor público geral do Estado [Fabrício Leão Souto] é meramente formal, e na essência, ao destituir quem trabalhava com afinco em favor das vítimas, só beneficia quem causou o desastre criminoso em Maceió”.

Segundo Cássio Araújo, coordenador do MUVB, quando as lideranças do Movimento ficaram sabendo das mudanças no comando do Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria Pública Estadual de Alagoas, percebeu logo que se tratava de uma espécie de ‘intervenção branca’.

Defensoria diz que mudanças no núcleo não comprometem ação do Caso Braskem

Por meio de nota, a Defensoria Pública do Estado (DPE) afirmou que as mudanças ocorridas em seu Núcleo de Proteção Coletiva, responsável pela atuação em defesa das vítimas da mineração em Maceió, não comprometem a atuação da instituição nas ações do caso Braskem.

A manifestação da chefia da DPE se deu logo após a repercussão negativa das exonerações dos integrantes do Núcleo, coordenado pelo defensor público Ricardo Melro, com mandato previsto até julho de 2026.

Em nota, a Defensoria ressaltou que as funções administrativas alteradas “são cargos de confiança e de livre exoneração e nomeação” e repudiou “qualquer insinuação ou ato que coloque em dúvida a lisura, a transparência e a competência da Defensoria Pública”.

Disse também que a força-tarefa criada para tratar do caso Braskem, permanece intacta, com os mesmos membros atuando diariamente “de forma técnica e incisiva”.

“A medida é no mínimo preocupante quando era exatamente este Núcleo de Proteção Coletiva, sob a liderança do seu coordenador geral [Ricardo Melro], quem efetivamente ouvia as vítimas do desastre criminoso em Maceió e que de modo mais efetivo e combativo fazia a defesa dos direitos lesados dessas vítimas, ao contrário de outras instituições que até o presente, de modo geral, só fazem o que a Braskem quer e do modo que a Braskem deseja”, argumentou o coordenador do MUVB, por meio de nota.

Ele cita como exemplo dessa subserviência, “negociações conduzidas pelas autoridades, com as vítimas fragilizadas com o monopsônio hiperbólico constituído pela Braskem, permitindo a formalização de indenizações irrisórias, e o pior, que fossem transformadas em uma compra e venda forjada, ao permitir que a Braskem ficasse dona da área e no futuro constitua condomínios de luxo, numa das áreas mais nobre da cidade de Maceió, bastando com isso a estabilização da área e uma mera alteração no Plano Diretor da cidade (ou não, já que hoje ele possibilita isso)”.

Outro exemplo de subserviência apontado pelo MUVB: as autoridades teriam “permitido o pagamento tarifado de danos morais por imóvel e não por pessoa e de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto”.

“Permitiu também “que a Braskem adquirisse a propriedade das ruas, praças e espaços públicos ao fazer uma negociação com a Prefeitura de Maceió prevendo isso”. O acordo foi feito em 2024 e deve completar um ano.

“Permitiu também que a população dos Flexais, Quebradas, Marquês de Abrantes, Rua Santa Luzia da Vila Saem e Bom Parto, que vivem em uma área confinada e em completo isolamento socioeconômico, lá permaneçam e sofram com um acordo de revitalização (no caso dos Flexais) que nunca atingirá seus objetivos, além de conviverem com rachaduras, fraturas e subsidências em seus imóveis”.

O MUVB também criticou as autoridades por “acharem normal que o causador dos danos seja o juiz das consequências das suas infrações ao permitir que a Braskem compunha um Comitê de Acompanhamento Técnico (CAT), mas como ser técnico se tem a participação do infrator causador dos danos? resultando com isso em relatórios inconsistentes e contraditórios”.

Criticou ainda “a falta de construção de um novo cemitério para a cidade, para substituir um cemitério destruído que existia na região, não obstante o compromisso expresso assumido pela Prefeitura de Maceió e a Braskem.

“Essas ilegalidades, infelizmente, não esgotam o amplo rol de absurdos acontecidos e ainda em curso, que pouca ou insuficiente atenção tem recebido das demais instituições, com exceção da DPE”, acrescentou.

“Todas essas ilicitudes foram objeto de atenção e de iniciativas concretas do Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria Pública Estadual de Alagoas, com total atenção e disponibilidade do então coordenador, Ricardo Antunes Melro, que foi punido com a sua exoneração por executar um grande, donoso e insubstituível trabalho em defesa das vítimas e contra a Braskem”.

Por fim, o MUVB questiona as motivações que levaram a chefia da DPE de desmontar uma equipe que estava atuando tão bem em suas funções. E exige a “revogação imediata dos atos administrativos que exoneraram o defensor Ricardo Melro do Núcleo de Proteção Coletiva”.

Além disso, reivindicaram que fosse garantida a autonomia funcional e técnica dos defensores públicos que atuam no caso Braskem, com total apoio institucional, material e de pessoal para suas atividades; e que seja mantido o diálogo aberto e transparente com os movimentos sociais e as vítimas organizadas.

A nota do MRVB é encerrada, clamando “por justiça, por memória e por reparação integral às vítimas”; dizendo que “o crime da Braskem não será enterrado pelo silêncio institucional e que as vítimas seguem vivas, organizadas e mobilizadas”.