Cidades
Relato de atleta reforça importância da defesa pessoal para mulheres
Samantha Medeiros, participante do Aulão Experimental, conta que viveu quase duas décadas sob abusos do ex-marido

“Eu só percebi que era vítima de violência sexual do meu próprio marido após 15 anos de relação”. O relato é de Samantha Medeiros, 35 anos, psicopedagoga, que por quase duas décadas viveu ao lado de seu agressor. O que começou como um relacionamento que parecia perfeito, se transformou em um pesadelo silencioso, marcado por abusos físicos, sexuais e psicológicos.
Samantha foi uma das participantes do Aulão Experimental de Defesa Pessoal para Mulheres, realizado no último sábado (9), na praia de Pajuçara, pela Secretaria Municipal de Esporte (Semesp). Dezenas de mulheres aprenderam técnicas básicas de defesa.
Ela diz ter levado anos para compreender que era vítima de estupro marital - tipo de violência sexual praticada dentro de um relacionamento afetivo - após ver casos semelhantes divulgados na imprensa e nas redes sociais.
Mãe de dois filhos, sendo um deles atípico, Samantha se separou há cinco anos, mas optou por não denunciar o ex-marido na época, temendo represálias e priorizando a segurança da família. O abuso só cessou quando, após a separação, ela ameaçou formalizar uma denúncia.
Mesmo sem viver sob o mesmo teto, as agressões continuaram. “Quando ele vinha visitar as crianças, me levava à força para o quarto como se ainda fôssemos casados, mas sem qualquer responsabilidade com a família”, lembra.
A virada ocorreu quando ela criou uma conta no Instagram - algo que o ex sempre proibiu - e se deparou com uma postagem que explicava o que era estupro. “Foi aí que entendi que passei anos sendo estuprada, e dei um basta”, afirma.
A violência sexual já havia marcado a vida de Samantha muito antes do casamento. Aos quatro anos, ela foi abusada pelo tio. Aos nove, sofreu outro abuso pelo avô de um primo de segundo grau. Na infância, não compreendia a gravidade da situação, mas o incômodo se transformou em feridas emocionais profundas e duradouras.
Números e dados nacionais
Esse sofrimento precoce reflete um problema grave e crescente no país. Em 2023, a cada hora, 13 crianças e adolescentes de até 19 anos sofreram algum tipo de violência - física, psicológica, sexual ou negligência. Foram registrados 115.384 casos, um aumento de 36,2% em relação ao ano anterior, conforme dados do Atlas da Violência 2025.
Somente no Brasil, mais de 21 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência no período de março de 2024 a março de 2025. Em 2024, foram registrados 87.545 estupros no País, o maior número da história, e 1.492 feminicídios, a maior marca desde que o crime passou a ser tipificado em 2015. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025.
O Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei Nº 2.848/1940) classifica o estupro em diferentes tipos, com penas variadas. O estupro simples ocorre quando alguém é forçado, mediante violência ou ameaça, a ter relações sexuais, com pena de 6 a 10 anos de reclusão. O ‘qualificado’ resulta em penas mais severas, de 8 a 12 anos, e pode ocorrer quando há lesão corporal grave, morte da vítima ou quando o agressor tem autoridade sobre a vítima. O ‘coletivo’ é praticado por dois ou mais agressores, com aumento de pena de 1 a 2 terços. O estupro corretivo visa "corrigir" comportamentos sexuais ou sociais da vítima - um exemplo é quando um homem violenta uma mulher lésbica para “torná-la” heterossexual -, também com aumento de pena.
Existem ainda agravantes, como aqueles que resultam em gravidez, além do caso em que o agressor transmite uma doença sexualmente transmissível à vítima. Se a mulher for idosa ou tiver deficiência, a pena também é aumentada. Também existe a classificação para o ato que foi cometido contra Samantha, chamado estupro marital, que consiste em forçar a prática sexual em um relacionamento afetivo, seja namoro, união estável ou casamento. Se a vítima disser não ou estiver sem condições de consentir - dormindo, sob efeito de álcool ou medicamentos - e o parceiro persistir, está caracterizado o crime.
“No início, tudo são flores”
Para Samantha, a dificuldade em reconhecer a violência está enraizada em normas culturais. “Ouvimos que o ato sexual é obrigação da mulher. Quando percebemos que não é, começamos a entender que podemos estar sendo vítimas”. Ela sonhava em casar e ter filhos, mas o que viveu foi dependência emocional, manipulação e controle.
Com 15 anos, Samantha conheceu e passou a namorar o genitor dos seus filhos, seu agressor. Ela relembra que no início, a relação era perfeita e era incapaz de enxergar qualquer defeito, embora os primeiros sinais já tivessem aparecido. O noivado aconteceu quando ela tinha 18 anos, e um ano depois, o casamento aconteceu.
A psicopedagoga relata que os sinais de alerta ficaram evidentes quando começou a perceber o comportamento abusivo do ex-marido, que insistia em manter relações sexuais enquanto ela dormia. Os primeiros episódios eram confusos, pois ela acordava no meio da noite com dores nas partes íntimas, momento em que ele cometia o crime.
“Eu acordava com dor e chorando, pedindo para que ele parasse. Infelizmente, não foi só uma vez. Além das torturas psicológicas, ele me trancava no quarto e as discussões eram intensas. Eu sabia que se eu não cedesse, ele não me deixaria dormir. Então, eu colocava um travesseiro no rosto para abafar o choro e ficava pedindo a Deus para que aquilo acabasse logo”, conta.
Ela também revelou que, apesar de odiar tudo aquilo, não tinha consciência de que estava sendo vítima de estupro. Acreditava que precisava suportar para “preservar o casamento” e temia que a violência evoluísse para agressões físicas, pois ele já havia começado a quebrar objetos dentro de casa. “Meu maior sonho era construir uma família, mas no fim, o que construí mesmo foi o desejo de deixá-lo”, frisa.
Casos como o de Samantha não são isolados. Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), disponíveis no Mapa Nacional da Violência de Gênero, mostram que entre 2011 e 2022 o Brasil registrou 350 mil agressões sexuais contra mulheres. Em 42,5 mil casos - um em cada oito -, o autor era o cônjuge ou namorado da vítima.Hoje, cinco anos após o fim do relacionamento abusivo, Samantha vive uma fase de plena reconstrução, dedicada ao cuidado integral da sua saúde física, mental e emocional, com o apoio e motivação constantes de seus dois filhos, que são seu alicerce e inspiração para seguir em frente com força e esperança.
Além disso, ela também é uma frequentadora assídua dos programas ativos na Semesp, como por exemplo, o Funcional para Todos. “Cuidar da minha saúde física se tornou prioridade, especialmente pelos benefícios que isso trouxe à minha saúde mental”, finaliza.
DenuncieMariana Alves, coordenadora-geral de Enfrentamento à Violência da Secretaria Municipal da Mulher, explica que o processo para denunciar violência sexual é o mesmo, independentemente do vínculo conjugal. A vítima pode procurar atendimento nas Salas Lilás dos hospitais, ligar para o 180 ou registrar ocorrência em Delegacias Especializadas da Mulher.
Para fortalecer a denúncia, Mariana orienta reunir provas como gravações, vídeos e conversas por aplicativos. Ela ressalta que o medo da revitimização e do constrangimento são as principais barreiras para as mulheres denunciarem. A legislação brasileira vem avançando no reconhecimento do estupro marital, e a proteção legal oferecida está amparada pela Lei Maria da Penha, garantindo medidas protetivas, direito à moradia e guarda dos filhos.
“As mulheres vítimas de violência doméstica, incluindo a violência sexual, podem participar dos programas da Semuc, como encaminhamentos para o programa Habitação Maria da Penha, concessão do Aluguel Social Maria da Penha, prioridade nos serviços da secretaria, como o Banco da Mulher Empreendedora, a Feira da Mulher Empreendedora, o programa Emprega Mulher, além do acesso a acompanhamento psicológico. Também está em fase de finalização o Centro de Referência Terezinha Ramírez, equipamento que atenderá mulheres vítimas de violência, priorizando os serviços de saúde para essas mulheres na rede de atendimentos”, pontua.
Além disso, a prefeitura desenvolve ações como o programa Maceió Sem Assédio, focado na conscientização contra a violência de gênero, e o Empodera Mulher, que oferece cidadania e capacitação para mulheres em situação vulnerável.
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