Cidades

Melro diz que não recua luta contra Braskem

Em entrevista à TV Tribuna, defensor público afirma que ainda tem 25 anos para lutar pelos direitos das vítimas da mineração

Por Thayanne Magalhães - repórter / Tribuna Independente 30/07/2025 08h43 - Atualizado em 30/07/2025 09h58
Melro diz que não recua luta contra Braskem
Melro reafirmou compromisso com vítimas da mineração que tirou mais de 60 mil pessoas de suas casas - Foto: Edilson Omena

O TH Entrevista desta semana recebeu o defensor público Ricardo Melro, coordenador do Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria Pública de Alagoas. Conhecido por sua atuação firme e contínua desde o início da crise provocada pelo afundamento de solo em Maceió, Melro tem se destacado como uma das vozes mais combativas na defesa dos moradores atingidos pela mineração da Braskem. Durante a entrevista, o defensor reafirma seu compromisso com a causa: “Tenho 50 anos e vou me aposentar aos 75. Isso significa que ainda tenho 25 anos para lutar pelos direitos dos moradores afetados pela Braskem. E vou usá-los todos, se for preciso”.

Desde 2018, a Defensoria Pública tem atuado na linha de frente do caso, cobrando justiça, transparência e, principalmente, reparações dignas para as cerca de 60 mil pessoas atingidas direta ou indiretamente pela tragédia socioambiental. Ricardo Melro recorda que os primeiros marcos da atuação institucional envolveram o ingresso de ações civis públicas e a construção do Programa de Compensação Financeira (PCF), fruto de um acordo judicial firmado com o Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Defensoria Pública da União e Defensoria Pública Estadual. Esse programa permitiu o início da realocação de famílias e pagamento de indenizações, mas também abriu espaço para críticas que até hoje pautam a atuação da Defensoria.

Entre os pontos mais sensíveis do debate está a destinação de imóveis para as vítimas, especialmente nos Flexais. Melro contesta com veemência o uso de recursos públicos para realocação de pessoas que deveriam ser integralmente amparadas pela Braskem. “É um absurdo que o Estado, que não causou esse desastre, tenha que financiar apartamentos enquanto a empresa que provocou tudo isso mantém lucros bilionários”, afirma. A crítica refere-se, por exemplo, à entrega de 500 unidades habitacionais financiadas pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida, em lugar de imóveis custeados diretamente pela mineradora.

A situação das famílias dos Flexais é, para ele, uma ferida aberta. Segundo o defensor, milhares de pessoas seguem vivendo em áreas instáveis, ilhadas, sem o mínimo de dignidade e segurança. O processo judicial que trata do caso foi marcado por um acordo que prevê indenização de apenas R$ 12.500 por família, o que, na visão da Defensoria, representa uma afronta aos direitos humanos. “Considerar que isso é suficiente para compensar anos de sofrimento, medo e abandono é imoral. É um valor irrisório, indigno, e reflete o descaso de quem deveria reparar, não repetir o sofrimento das vítimas”, critica.

Ao longo dos últimos anos, Ricardo Melro também passou a denunciar os termos de acordos que, segundo ele, induziam as vítimas a aceitar compensações insuficientes. Em muitas situações, a aceitação dos danos materiais implicava abrir mão dos danos morais — uma prática que a Defensoria vem tentando reverter judicialmente. O esforço culminou em uma importante conquista em 2025: a assinatura de um acordo no qual a Braskem reconheceu o direito de pagamento individualizado de danos morais. Com isso, passou a ser garantido o valor de R$ 50 mil por pessoa, e não mais por núcleo familiar. “Uma família de quatro pessoas, por exemplo, passa a ter direito a R$ 200 mil, algo muito mais próximo da reparação devida. Isso é justiça”, resume.

Esse reconhecimento abre um precedente relevante para os desdobramentos jurídicos da ação coletiva que a Defensoria move para revisar o PCF. A expectativa, segundo o defensor, é de que esse novo padrão seja adotado como referência para todos os demais casos semelhantes. Ainda assim, ele reconhece que o caminho judicial é lento e cheio de entraves, especialmente diante da força econômica e política da empresa envolvida. “É uma luta de Davi contra Golias. Mas seguimos com a pedra na mão”, diz.

Outro tema que tem mobilizado a atuação do defensor público é a postura da Prefeitura de Maceió diante do uso dos recursos do acordo bilionário firmado com a Braskem. No entendimento da Defensoria, o município tem agido com pouca transparência e com decisões que favorecem a empresa, em vez de priorizar os interesses das vítimas. “Faltam respostas. Faltam esclarecimentos sobre onde, como e por que estão sendo usados esses R$ 1,7 bilhão. A população tem direito de saber. Não se pode trocar dignidade por marketing institucional”, dispara Melro.

Sobre futuras ações, ele informa que a Defensoria prepara novas medidas para garantir reparações por outros danos colaterais à tragédia, como desvalorização de imóveis, perda de oportunidades de trabalho, adoecimento físico e mental e o impacto na vida comunitária dos bairros destruídos. Esses elementos, muitas vezes invisíveis nos processos judiciais, serão reunidos por meio de provas técnicas e relatos das vítimas em audiências públicas que a instituição já vem realizando. “A tragédia da Braskem não é só material. É afetiva, econômica, social. E tudo isso precisa ser reparado”.

Ricardo Melro acredita que a luta pela reparação integral ainda está longe do fim, mas reforça seu compromisso com os que mais sofreram: “Se depender de mim, a Braskem não vai sair impune. Ainda tenho 25 anos de carreira, e cada um deles será usado para fazer justiça por Maceió”. A entrevista é um retrato da indignação que o move, mas também da esperança de que, com persistência, as feridas abertas pela mineração comecem a ser, um dia, cicatrizadas com dignidade.