Cidades

Corte de verbas ameaça fechar clínicas particulares para dependentes químicos

Representantes de unidades de reabilitação dizem que terão de parar sem recursos do estado

Por Valdete Calheiros – colaboradora / Tribuna Independente 19/06/2025 08h10 - Atualizado em 19/06/2025 08h48
Corte de verbas ameaça fechar clínicas particulares para dependentes químicos
Clínicas particulares para reabilitação de dependentes químicos estão ameaçadas de encerrar atendimento - Foto: Reprodução

Representantes das clínicas particulares que realizam atendimento a dependentes químicos com internação involuntária em Alagoas – Clínica Vila Serenidade, Clínica Green Mulher e Clínica Maceió – temem fechar suas portas devido à decisão do governo de Alagoas, anunciada pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), de suspender o pagamento dos serviços prestados pelas Clínicas Particulares de Internação Involuntária, a partir deste mês de junho. A decisão foi informada às clínicas por meio de um comunicado enviado pela Sesau.

A decisão atinge também a Clínica Lá Nova Jornada, Clínica O Caminho e Clínica Reconstruir. Todas atendem a usuários de substâncias psicoativas.

As clínicas fizeram questão de afirmar que não são manicômios. Apresentam-se como espaços técnicos, clínicos e regulados. Defendem que a internação involuntária é legal, necessária e muitas vezes a única alternativa para salvar vidas. Lembraram que o cofinanciamento foi determinado por sentença judicial e deve ser cumprido e asseguraram que o estado não pode se ausentar da responsabilidade pública sobre a dependência química.

Baseados nos argumentos, as clínicas exigem a imediata retomada do cofinanciamento estadual; o cumprimento integral da decisão da 18ª Vara Cível da Capital; a publicação do edital conjunto de credenciamento das clínicas; a responsabilização de gestores públicos por improbidade, caso persista o descumprimento; a inclusão das clínicas no debate e na transição da política pública de saúde mental. “As clínicas seguirão firmes na missão de salvar vidas, e unidas na defesa de seus direitos, da justiça e da dignidade humana”, assinaram, em conjunto, os representantes das clínicas.

As clínicas são prestadoras de serviço de internações involuntárias (aquelas que se dão sem o consentimento do dependente químico e a pedido de terceiros), uma modalidade de internamento prevista na Lei 10.216/2001 e na Lei 13.840/2019, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

Todas as clínicas têm quartos com até seis pacientes, área para trabalhos terapêuticos individuais e em grupos, área de lazer, refeitório, consultórios e enfermaria, além de uma equipe multidisciplinar composta por médico psiquiatra, médico clínico, psicólogo, assistente social, nutricionista, enfermeiros, técnicos de enfermagem, técnico em dependência química e monitoria.

Conforme os representantes das clínicas, ao suspender o cofinanciamento das clínicas privadas de reabilitação, o governo descumpriu decisão judicial e, junto à Procuradoria-Geral do Estado, tomou, de forma unilateral e arbitrária, a decisão de interromper o cofinanciamento de 50% destinado ao pagamento das clínicas.

Representantes das unidades afirmam que a decisão é ilegal

Para os representantes das clínicas, além de ilegal, a decisão é acompanhada de alegações infundadas de que as clínicas seriam instituições de caráter manicomial ou asilar. Tal afirmação, segundo o grupo, desconsidera completamente o fato de que as clínicas especializadas cumprem rigorosamente a legislação vigente, oferecendo tratamentos com início, meio e fim, baseados nos princípios da Lei Federal nº 10.216/2001, que garante o direito à internação por até 90 dias para desintoxicação, com posterior reintegração à Rede Pública de Atenção Psicossocial (RAPS).

“No dia 08 de abril último, o juiz Manoel Cavalcante de Lima Neto, da 18ª Vara Cível da Capital, reiterou em decisão no bojo da Ação Civil Pública nº 0705484-67.2013.8.02.0001 que o estado de Alagoas e o município de Maceió devem compartilhar igualmente os custos dos atendimentos, sendo 50% para cada ente federativo. A decisão judicial foi clara ao estabelecer esse equilíbrio no custeio como parte essencial da política pública de saúde mental e assistência a dependentes químicos, inclusive sob pena de multa diária de R$ 1 mil limitada a R$ 100 mil”, explicaram os representantes das clínicas.

Unidades públicas em Alagoas ofertam atendimento humanizado (Foto: Reprodução)

Conforme o grupo que representa as clínicas, a justificativa apresentada baseia-se em parecer da PGE e em um suposto acordo de transição que visa redirecionar os recursos estaduais à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

No entanto, acrescentou o grupo, a própria decisão judicial ressalta que a transição deve ser feita com critérios técnicos e respeitando os prazos estabelecidos, o que não vem sendo cumprido, e o edital de credenciamento das clínicas sequer foi publicado, mesmo após cobranças formais da Defensoria Pública.

“Além disso, há clínicas privadas com até 36 meses de pagamentos em atraso, que seguem prestando serviços à população em situação de vulnerabilidade, sem qualquer apoio financeiro do Estado, mesmo com decisões judiciais que garantem o custeio solidário. A omissão do estado de Alagoas compromete a continuidade dos atendimentos e coloca em risco centenas de vidas em tratamento”, argumentaram.

Justiça

Transição deve ser realizada com critérios

Conforme o grupo que representa as clínicas, a justificativa apresentada baseia-se em parecer da PGE e em um suposto acordo de transição que visa redirecionar os recursos estaduais à Rede de Atenção Psicossocial.

No entanto, acrescentou o grupo, a própria decisão judicial ressalta que a transição deve ser feita com critérios técnicos e respeitando os prazos estabelecidos, o que não vem sendo cumprido, e o edital de credenciamento das clínicas sequer foi publicado, mesmo após cobranças formais da Defensoria Pública.

“Além disso, há clínicas privadas com até 36 meses de pagamentos em atraso, que seguem prestando serviços à população em situação de vulnerabilidade, sem qualquer apoio financeiro do Estado, mesmo com decisões judiciais que garantem o custeio solidário. A omissão do estado de Alagoas compromete a continuidade dos atendimentos e coloca em risco centenas de vidas em tratamento”, argumentaram.

A situação, completaram, expõe não apenas um grave descumprimento judicial, mas também o desmonte de uma política pública essencial para o enfrentamento da dependência química.

“As clínicas especializadas, que têm suprido a ausência de estrutura pública para atendimento adequado, são agora deixadas à própria sorte, em completo abandono por parte do Estado. O Ministério Público, o Judiciário e a sociedade civil precisam acompanhar de perto esse cenário. O não cumprimento da decisão judicial e a exclusão das clínicas privadas do financiamento estatal sem transição efetiva violam os direitos dos pacientes e ferem os princípios da dignidade humana e da saúde como direito fundamental”, completou.

Sesau justifica que segue os novos rumos da política estadual de saúde

De acordo com o documento da Sesau, considerando-se a Ação Civil Pública nº 0705484-67.2013.8.02.0001, que versa sobre o tratamento para dependentes químicos por meio de internação compulsória/involuntária, bem como os novos rumos da política estadual de saúde mental frente ao novo arcabouço normativo oriundo da edição da Resolução 487/2023, pelo Conselho Nacional de Justiça, que a responsabilidade compartilhada de pagamento, no percentual de 50% (cinquenta por cento) para o município e o estado de Alagoas, não terá continuidade a partir deste mês de junho.

Hospital da Criança possui leitos de saúde mental infantil (Foto: Agência Alagoas)

Para justificar a decisão, a Sesau afirmou que se fundamentou diante da realização de seguidas audiências de conciliação, acordo judicial por meio do Termo de Assentada entre o estado de Alagoas, município de Maceió e Defensoria Pública do Estado, pactuando acerca da transição do modelo de tratamento advindo da ACP para a retomada e o fortalecimento dos investimentos na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), cumprindo termos acerca do remanejamento dos recursos investidos pelos entes públicos, para a RAPS de Maceió.

A Sesau explicou que acolheu as orientações proferidas pela Procuradoria Geral do Estado, mediante aprovação no Despacho PGE COOPJ nº 32493487, acostado aos autos do processo eletronicamente tombado no Sistema SEI, de nº E:02000.0000012872/2025, com lavra da Coordenação da Procuradoria Judicial, o qual acolheu o Parecer PJ nº 32451982, concluindo pela necessidade de cumprimento do Termo de Assentada acima referenciado por meio da transferência de recursos atualmente destinados às clínicas de internação compulsória/involuntária para o financiamento dos serviços substitutivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), de modo que o estado realize o cofinanciamento das Residências Terapêuticas e cumpra as demais obrigações conforme previsto no processo E:02000.00000029526/2023.

“Frise-se que as clínicas de internação involuntária não estão excluídas da prestação de serviço, mas serão acionadas em caso de inexistência de leitos de saúde mental componentes da RAPS”, acrescenta.