Cidades

Riqueza da Igreja Católica vai além da doação dos fiéis

Venda da areia do Sítio Bom Retiro ainda não foi apresentada a Dom Beto, que precisou ir à Justiça

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 14/06/2025 08h54 - Atualizado em 14/06/2025 08h56
Riqueza da Igreja Católica vai além da doação dos fiéis
Estacionamento da Cúria Metropolitana está arrendado, mas pertence à Arquidiocese de Maceió - Foto: Divulgação

Quem pensa que a Igreja Católica vive só da doação dos fiéis não sabe dos negócios da Arquidiocese de Maceió: venda de areia, estacionamentos, locação de espaços para eventos, aluguel e venda de imóveis, além de inúmeros serviços explorados, nas áreas de educação, saúde e assistência social - por meio de fazendas e albergues para dependentes químicos e pessoas em situação de rua.

Na área do ensino, os três colégios mais caros da cidade são administrados por padres e freiras: Marista, Sacramento e Madalena Sofia.

No setor da saúde, a Santa Casa de Misericórdia é um expoente, em se tratando de entidade filantrópica, com origem ligada à igreja. Na área assistencial, além da Casa do Pobre e do Lar para Idosos Luiza de Marillac se destacam.

Não por acaso, na apresentação de Dom Beto como arcebispo auxiliar, em janeiro de 2024, o então arcebispo, Dom Antônio Muniz, disse que a maior “cliente” da Braskem em Maceió é Arquidiocese, tal a quantidade de imóveis indenizados pelas mineradoras. Durante a entrevista coletiva, acompanhada pela imprensa local, Dom Muniz confirmou que vendeu areia à mineradora, por meio da Fundação Leobino e Adelaide Motta.

“A atividade de extração de areia no Sítio Bom Retiro, na Praia do Francês, está toda legalizada, com autorização dos órgãos ambientais. Portanto, é uma atividade comercial com qualquer outra, a Fundação dona do sítio e uma entidade de caráter privado e não tem obrigação de revelar quanto fatura”, afirmou Dom Muniz, na coletiva à imprensa, ao lado de Dom Beto.

Dois meses depois, em maio de 2024, ele renunciava ao mandato, alegando problemas de saúde e idade avançada.

No entanto, nos bastidores, integrantes da Igreja revelaram, sem querer se identificar, que na verdade Dom Muniz estava sendo afastado do cargo, por envolvimento em irregularidades, que chegaram ao conhecimento da Nunciatura e do Vaticano.

Dom Beto quando assumiu o comando da Arquidiocese de Maceió afastou da Cúria Metropolitana todos os padres ligados à gestão anterior, remanejou os padres nas paróquias e demitiu a diretoria da Fundação Leobino e Adelaide Motta, que tinha Dom Muniz como presidente e seu braço direito, o padre Walfran Fonseca, como diretor-financeiro.

A entidade, que herdou um patrimônio bilionário, está quebrada e sob auditoria.

De acordo com informações de um ex-integrante da curadoria da Fundação, os bens deixados pelo médico Lourival de Mello Motta, para que fossem administrados pela Arquidiocese, foram praticamente todos desviados, tomados, invadidos e vendidos, por parentes do que se diziam herdeiros do benfeitor.

O Sítio Bom Retiro, por exemplo, tinha 2 mil metros de frente para o mar da Praia do Francês, mas foi fatiado, criminosamente.

Até o dono do Hotel Ponta Verde, o empresário Mauro Vasconcelos, comprou um lote do Sitio Bom Retiro e disputa a área paradisíaca na Justiça, com o pode ser comprovado pelo processo que tramita no Fórum de Marechal Deodoro, no Litoral Sul de Alagoas.

“É meu. Tenho a escritura do terreno e se a Justiça me der ganho de causa, vou cobrar da Igreja a areia que os padres venderam indevidamente para a Braskem”, afirmou Vasconcelos.

Parceria com a Mandacaru na extração de areia tem quase 10 anos

Ao ser ouvido sobre o faturamento da Fundação Leobino e Adelaide Motta, com a venda da areia à Braskem, o então diretor financeiro, padre Walfran Fonseca, disse que não estava autorizado a revelar valores, mas confirmou que a entidade tinha contrato, há mais de dez anos, com a empresa Mandacaru Extração de Areia e Material de Construção – cujo endereço fica na Rua Central Utinga, sem número, Utinga Leão, Rio Largo.

Não por acaso, um funcionário da Mandacaru revelou, sem querer se identificar, que a empresa, na verdade, pertence ao usineiro dono da Usina Utinga Leão. A mesma unidade industrial que arrendou parte de suas terras, entre Rio Largo e Satuba, para a exploração de uma jazida de areia pela Construtora MTSul – cliente da Braskem e responsável pelas principais obras de mobilidade urbana de Maceió.

CONTRATO

No contrato da Mandacaru com a Fundação, firmado por Dom Muniz em abril de 2018, foi suspenso por Dom Beto, no começo deste ano. No entanto a parceria com a Arquidiocese é mais antiga, já que a licença para a extração de areia do Sítio Bom Retiro foi fornecida cinco anos antes. A Portaria do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), dando essa autorização, foi publicada no Diário Oficial da União, em 8 de outubro de 2013.

O contrato com a Mandacaru, assinado pelos sócios Elderclenio Correia dos Santos e Ana Cecília Pinto Gameleira Buyers, dava à empresa autorização para extrair um volume de 174 mil metros cúbicos de areia fina salinizada. Por isso, estima-se que o valor da jazida completa do Sito Bom Retiro ficaria em torno dos R$ 900 milhões. No entanto, a Arquidiocese não sabe ao certo valor arrecadado com a venda da areia.

A assessoria de Dom Beto disse que ele não pode falar sobre o patrimônio da Fundação e nem sofre o faturamento da venda de areia à Braskem e a outros fornecedores “porque até agora não recebeu a prestação de contas da gestão anterior”. Disse ainda que a Arquidiocese contratou um escritório de Brasília para cobrar, na Justiça, a prestação de contas de Dom Antônio Muniz e do Padre Walfran Fonseca.

Padre Walfran recebeu quase R$ 14 milhões só de indenização

De acordo com o padre Francisco, da Igreja de Santo Antônio, só de indenizações da Braskem, o padre Walfran Fonseca, recebeu quase R$ 14 milhões – dinheiro dos imóveis das paróquias desativadas por conta da mineração, já que estavam localizadas na área de risco, delimitada pela Defesa Civil de Maceió. O padre Francisco precisou entrar com uma ação na Justiça para que o padre Walfran apresentasse a prestação de contas.

A própria Arquidiocese, por ordem de Dom Beto, também entrou na Justiça cobrando a prestação de contas da gestão de Walfran Fonseca na Fundação Recriar. Como tesoureiro da entidade, ele e o conselheiro fiscal, Ronnie Mota, estão sendo processados. A arquidiocese quer saber onde estão os R$ 3 milhões do governo federal, que eles receberam para projetos voltados à assistência de dependentes químicos.

Na última quarta-feira (11), a reportagem da Tribuna Independente esteve na sede da Cúria Metropolitana, no bairro do Farol, para ouvir Dom Beto sobre os negócios da Igreja em Maceió e a falta de prestação de contas por parte de Dom Muniz, mas ele não quis falar sobre o assunto. De acordo com sua assessoria de comunicação, ele só vai se manifestar despois que receber a prestação de contas de seu antecessor.

OUTRO LADO

A reportagem da Tribuna Independente tentou ouvir Dom Muniz e o padre Walfran Fonseca, para que eles se defendessem das acusações, mas não deram retorno. O empresário Ronnie Mota, conselheiro fiscal da Fundação Recriar, disse que só ia se manifestar depois que fosse notificado pela Justiça. Ele presidente do Iprev e foi um dos articuladores do acordo de R$ 1,7 bilhão, da Braskem com a Prefeitura de Maceió.