Cidades
Faltam dados robustos sobre violência infantil
Pouca integração de dados entre instituições dificulta combate maciço contra este tipo de crime em Alagoas
O caso da menina Anna Cecillya dos Santos Silva, de apenas nove anos de idade, cujo corpo foi encontrado na tarde do último domingo (26), na zona rural de Branquinha, com sinais de violência física e sexual deixou a sociedade alagoana perplexa. As primeiras horas de indignação logo deram lugar ao clamor social por Justiça e a uma pergunta: quem protege as crianças alagoanas de tamanha crueldade?
Apesar dos casos assustadores envolvendo violência infanto-juvenil, em Alagoas, os órgãos não concentram dados robustos sobre violência contra crianças e adolescentes e parecem não trocar dados numéricos entre si.
O Ministério Público Estadual (MPE) afirmou que os casos são acompanhados em cada município. Cada promotor tem autonomia para atuar em sua comarca. “Cada promotor que atua na Infância e na Juventude, em seus respectivos lugares [municípios] adotam as providências. Não tem um banco de dados, pois cada promotor faz os procedimentos onde atua e os casos são tratados à medida que acontecem”, pontuou o MPE.
Por sua vez, a Defensoria Pública Estadual explicou que os casos de violência contra menores vão direto para a delegacia ou para o MPE. “Os órgãos primários de denúncia são as delegacias de polícia especializadas e o Ministério Público, razão ela qual não dispomos desses dados”.
Embora a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas, OAB/AL não seja um órgão governamental, seja uma entidade de classe, é das mais representativas da sociedade. A Ordem tem instituída uma Comissão da Criança e do Adolescente e acompanha alguns casos. No entanto, as comissões ainda estão sendo nomeadas na nova gestão, empossada semana passada.
No Brasil, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes foi instituído em 1998. A data faz referência ao dia da morte da menina Araceli Cabrera Sanches. Com apenas oito anos de idade, ela foi sequestrada no dia 18 de maio de 1973, drogada, espancada, estuprada e morta por membros de uma tradicional família capixaba. A mobilização de entidades públicas e privadas resultou na criação desse dia de luta pelo fim da exploração sexual de crianças e adolescentes.
O caso Anna Cecillya é emblemático pela forma como o crime foi brutalmente executado. No entanto, não é o único. Em absolutamente todos os 102 municípios alagoanos houve registros de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes.
A informação foi extraída do Boletim Informativo 2024 sobre Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes produzido pela Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde (Sevisa), pela Superintendência de Vigilância e Controle de Doenças (SUVCD) e pela Gerência de Vigilância e Controle de Doenças NãoTransmissíveis – GDANT.
As informações têm como fonte de dados o Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan – da Secretaria de Estado de Saúde de Alagoas (Sesau), a partir das fichas de notificação individual de violência interpessoal/autoprovocada.
Maioria dos agressores tem vínculo familiar ou são conhecidos
Devido às estatísticas, para os especialistas que lidam com a questão da violência sofrida pelas crianças, o alerta é constante e a vigilância permanente.
Os números continuam a preocupar quando existe a constatação de que a maior parte dos agressores tem vínculo familiar (30%) ou são amigos/conhecidos (30%) da vítima. A residência é o local de maior ocorrência da violência sexual contra crianças e adolescentes (76%).
O sexo feminino é o mais acometido pela violência sexual contra crianças e adolescentes (89% das notificações), sendo de 10 a 14 anos a faixa etária mais vulnerável. Para o sexo masculino, a faixa etária mais vulnerável é a de 0 a 9 anos.
As estatísticas mostram ainda que em 39,4% dos casos, o crime já havia sido praticado mais de uma vez.
Dessa forma, todo atendimento de meninas que apresentam gestação iniciada antes de completar 14 anos deve obrigatoriamente ser notificado pelos serviços públicos ou privados de saúde como violência sexual.
A violência sexual é um agravo de notificação compulsória imediata, ou seja, deve ser comunicada em até 24 horas após o atendimento da vítima.
O prazo visa agilizar o acesso às medidas de profilaxia das IST, HIV e hepatite B, a contracepção de emergência e a coleta de material biológico, bem como a inserção da vítima à rede de atenção.
Escuta especializada busca capacitar entidades e órgãos do poder público
A Secretaria de Estado da Primeira Infância de Alagoas (Secria/AL) afirmou que mantém a iniciativa de Escuta Especializada e busca capacitar entidades e órgãos do poder público sobre a Lei 13.431, que trata das formas de violência contra crianças, sejam elas vítimas diretas ou testemunhas de violência.
“Esse processo de escuta envolve entrevistas específicas realizadas por profissionais qualificados, visando entender e abordar adequadamente as situações de violência enfrentadas pela criança perante os órgãos da rede de proteção”, destacou.
Na avaliação da Secria, ao capacitar os profissionais e promover esse tipo de escuta, não apenas se fortalece a aplicação da legislação de proteção à infância, mas também se proporciona um ambiente seguro e acolhedor para as crianças, onde elas se sintam ouvidas e compreendidas em suas experiências de violência.
“Isso pode contribuir significativamente para o processo de recuperação emocional e social das crianças, além de facilitar a identificação precoce de casos de violência e a intervenção adequada para garantir sua proteção e bem-estar”, considerou.
RAV – A RAV foi instituída pelo Decreto nº 89.437, de 28 de fevereiro de 2023, tem caráter intersetorial e é pautada na prevenção, identificação, assistência, monitoramento e avaliação das violências às populações vulneráveis, no âmbito do Estado de Alagoas. As ações governamentais da RAV são executadas com vistas ao enfrentamento das violências, de forma a facilitar o acolhimento seguro, assistência qualificada, escuta especializada, eficiente, eficaz e não revitimizadora.
Crimes contra crianças no mundo – Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que uma em cada cinco meninas e um em cada 13 meninos são vítimas de abuso sexual em todo o mundo.
Por todos os números alarmantes, é essencial combater o silêncio e o preconceito, promovendo a educação, a prevenção e a denúncia como ferramentas para proteger as crianças e adolescentes.
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