Cidades

MPF recorre de sentença que livra IMA e ANM de responsabilização

No Caso Braskem, recurso contestando decisão da Justiça Federal de encerrar processo tem apoio das vítimas da mineração

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 19/10/2024 08h50 - Atualizado em 19/10/2024 10h07
MPF recorre de sentença que livra IMA e ANM de responsabilização
'Bairros fantasmas' foram resultado do desastre socioambiental provocado pela mineração predatória que atingiu milhares de famílias - Foto: Edilson Omena

O Ministério Público Federal (MPF) em Alagoas divulgou, na última sexta-feira (18), que recorreu da sentença da Justiça Federal que extinguiu a Ação Civil Pública de reparação por danos socioambientais, movida em decorrência do afundamento do solo nos bairros de Maceió, em relação ao Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) e à Agência Nacional de Mineração (ANM).

De acordo com a assessoria de comunicação da Procuradoria da República em Alagoas, a decisão da 3ª Vara Federal de Alagoas atendeu aos pedidos do IMA e da ANM para encerrar a ação, alegando perda de objeto, uma vez que a Braskem assumiu total responsabilidade pelo dano ambiental e se comprometeu com sua reparação por meio de um acordo firmado com o MPF, em 2020.

No entanto, o MPF contesta essa decisão, sustentando que, embora o acordo com a Braskem contemple os principais pedidos da ação, as medidas de reparação ainda estão em andamento. Para o MPF, a exclusão do IMA e da ANM do processo é prematura, pois a extinção da ação contra a Braskem não encerra automaticamente a responsabilidade dos órgãos públicos, que também contribuíram para a ocorrência e agravamento do desastre.

Além disso, o MPF reforça que o fenômeno de subsidência do solo continua em progresso, e novos danos podem ocorrer, o que pode demandar futuras reparações. Esse cenário sublinha a importância de manter a responsabilização dos órgãos públicos, que tinham o dever de fiscalizar e não atuaram de maneira adequada para evitar o desastre.

Segundo o MPF, tanto o IMA quanto a ANM são solidariamente responsáveis pelos danos causados pela mineração realizada pela Braskem ao longo de mais de 40 anos em Maceió. O órgão argumenta que o desastre também foi resultado da omissão desses órgãos, que falharam em seu dever de fiscalização e controle ambiental.

Com base no Artigo 1.009 do Código de Processo Civil, o MPF pede ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que analise o recurso e determine o prosseguimento da ação contra o IMA e a ANM.

AÇÃO DE 2019

O MPF ajuizou, em agosto de 2019, uma Ação Civil Pública contra a Braskem S.A., Odebrecht S.A., Petrobras, Agência Nacional de Mineração (ANM), Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA), União (governo federal), Estado (governo de Alagoas) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), buscando a responsabilização pelos danos socioambientais causados aos bairros de Maceió.

Anteriormente, a Justiça Federal já havia excluído do polo passivo da ação a Odebrecht S.A., a Petrobras, a União, o Estado e o BNDES, mantendo como réus a Braskem, o IMA e a ANM. De acordo com o Processo nº 0806577-74.2019.4.05.8000, a sentença da 3ª Vara da Justiça Federal teria sido prolatada pelo então juiz federal (hoje, desembargador federal) Frederico Wildson da Silva Dantas.

Nessa sentença, de 6 de janeiro de 2021, encontra-se registrado que a extração de sal-gema teria rendido à Braskem mais de R$ 20,5 bilhões. Consta também que, por conta do afundamento do solo, a mineradora teria que arcar com compensação financeira não inferior a R$ 3,075 bilhões, a serem definido pericialmente, imputando-lhe ainda danos morais coletivos em 20% do valor da condenação.

Órgãos de fiscalização precisam pagar pelo erros cometidos, diz MUVB

A decisão do MPF, de recorrer da sentença da Justiça Federal, de isentar o IMA e a ANM pela tragédia do afundamento do solo, contou com o apoio do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) e da Associação dos Empreendedores Vítimas da Mineração em Maceió.

Para o procurador do Trabalho, Cássio Araújo, coordenador do MUVB, os dois órgãos de fiscalização ambiental têm que estar presentes na responsabilização, embora a principal responsável pelos danos causados seja a Braskem. “Tanto o IMA como a ANM precisam pagar pelos erros que cometeram. Por isso, acho prudente que esses dois órgãos permaneçam na ação movida pelo MPF para que sejam responsabilizados pelas falhas que cometeram”, acrescentou.

O presidente da Associação dos Empreendedores Vítimas da Mineração em Maceió, empresário Alexandre Sampaio, também apoia esse recurso do MPF. “O IMA e a ANM não podem sair dessa Ação Civil Pública e devem continuar respondendo também à nossa ação criminal, que movemos contra esses dois órgãos, contra a Braskem e contra o Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o BNDES”, destacou Sampaio.

Segundo ele, a empresa e todos esses órgãos são responsáveis criminalmente pelo que aconteceu nos bairros atingidos pelo afundamento do solo em Maceió. “Então, o que eu posso dizer é que está correta essa decisão do MPF de recorrer da sentença totalmente equivocada da Justiça Federal, até porque o papel de fiscalização desses órgãos [IMA e ANM] não foi cumprido adequadamente e isso resultou nessa tragédia. Por isso, os responsáveis por esses órgãos precisam responder pelos crimes que cometeram e pagar por eles”, argumentou.

IMPUNIDADE

De acordo com a bióloga Neirevane Nunes, coordenadora do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração em Alagoas (MAM), “a decisão da 3ª Vara Federal de Alagoas, de encerrar a ação judicial, revela um profundo desconhecimento dos fatos, uma compreensão totalmente limitada dos danos causados pelo crime da Braskem e estimula a impunidade dos órgãos que são corresponsáveis por esse crime”.

Para Neirevane, “ao que parece o juiz nem sequer leu o Relatório da CPI da Braskem que aponta claramente as graves infrações do IMA e da ANM e ambos precisam responder por seus crimes, o que sofremos hoje é fruto da omissão e da conivência desses órgãos com a Braskem”. Outra coisa, argumenta ela, o juiz está equivocado em dizer que a Braskem já assumiu a sua responsabilidade através do acordo firmado com a força tarefa, no próprio documento de desocupação do imóvel e entrega de chaves que nós moradores tivemos que assinar consta que a Braskem participa do acordo “sem assunção de responsabilidade”.

“Mineradora permanece seis anos em impunidade, junto com cúmplices”

“Diante desse acordo ela é colocada numa posição de grande colaboradora do poder público e não é tratada como empresa infratora que é. É inaceitável uma mineradora responsável pelo maior crime socioambiental em área urbana no mundo permanecer impune por 6 anos, juntamente com seus cúmplices como IMA e ANM”, observa a bióloga Neirevane Nunes.

“Compensação injusta e medíocre que a Braskem tem feito através do acordo não corresponde à reparação integral, se utiliza muito o termo compensação, para justamente mascarar a responsabilidade real da empresa. Não se fala em reparação integral dos danos causados pela Braskem às suas vítimas, o que é o que elas têm direito. A compensação é apenas um componente da reparação, porque a reparação integral vai muito além do que foi celebrado no acordo. Portanto, o mínimo que o MPF pode fazer é recorrer da decisão de extinguir a ação civil sobre o IMA e ANM, já que o acordo que o MPF firmou com a Braskem em 2020 extinguiu a ação que estava sobre a Braskem e até hoje sofremos as consequências desse acordo que deixou as vítimas em uma situação de total vulnerabilidade perante a mineradora”, acrescentou Neirevane.

Para ela, “todas as decisões tomadas no caso Braskem se deram até hoje sem ouvir os afetados. Essas decisões e acordos não nos representam”.

OUTRO LADO

A Braskem foi procurada, por meio da sua assessoria de imprensa em Maceió, para se posicionar sobre a decisão do MPF, mas não quis se manifestar.

A reportagem da Tribuna Independente procurou ouvir também o IMA e a ANM, por meio da assessoria de comunicação do Instituto e da gerência da Agência Nacional de Mineração em Alagoas, mas não teve retorno.