Cidades

Vítima da Braskem mora em hotel esperando por indenização

Advogada está há quase um ano com filha adolescente em quarto de estabelecimento, no aguardo da Justiça

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 18/09/2024 08h55
Vítima da Braskem mora em hotel esperando por indenização
Anelise Sainger, com a filha, diz que quer receber apenas um valor que corresponda ao preço do imóvel de acordo com o mercado imobiliário - Foto: Edilson Omena

Há quase um ano morando com a filha adolescente num quarto de hotel, a advogada Anelise Sainger, 52 anos, não vê a hora de morar em uma casa, como morava antes de ter seu imóvel desapropriado pela Braskem. “Tiraram o sossego da gente”, disse Ana Laura Sainger, de 17 anos, durante a entrevista, quando sua mãe relata o drama de ex-moradora de Pinheiro que luta na Justiça por uma indenização justa da mineradora.

“A gente não quer nada a mais ou a menos, queremos receber apenas um valor que corresponda ao preço do nosso imóvel de acordo com o mercado imobiliário”, destacou Anelise.

Segundo ela, o seu imóvel era comercial, ficava na Avenida Belo Horizonte, uma das principais do bairro do Pinheiro, era no estilo galeria, tinha dois pavimentos, com 12 salas de consultórios e uma loja.

“Essas salas alugadas davam para mim uma renda mensal em torno de 12 mil. Com a interdição do prédio, deixei de ter essa renda”, afirmou.

Anelise disse que teve que deixar o imóvel, no final de novembro de 2023, quando aconteceu o colapso da mina 18 da Braskem e Defesa Civil de Maceió exigiu que pelo menos 23 moradores do bairro de Pinheiro deixassem suas residências.

“A ordem era para a saída da família do imóvel, de forma imediata”, lembrou Anelise, lembrando que não tinha como contestar aquela ordem, afinal havia a ameaça da mina desabar a qualquer momento, colocando em risco a vida de todos, de acordo com as autoridades locais.

Diante do perigo, a maioria dos moradores aceitou deixar suas casas e mesmo aqueles que não aceitaram tiveram que abandonar o imóvel, pois até força policial foi mobilizada pela Braskem para a desocupação da área, considerada como de risco.

“De lá para cá, estamos vivendo de forma improvisada, num quatro de hotel, aqui em Maceió, com uma filha que é especial, passa por problemas de ansiedade e depressão”, relata Anelise, acrescentando que participou de algumas rodadas de negociação com a Braskem, mas a mineradora continua oferecendo pelo seu imóvel um valor bem abaixo daquele que ela reivindica.

“Além disso, a Braskem não tem se mostrado interessada em paga para mim uma indexação pelos prejuízos que eu estou tendo esse tempo todo, cerca de cinco anos, sem contar com os aluguéis que eu cobrava pelas salas e que eram a minha principal fonte de renda”, acrescentou Anelise.

Essa demora em resolver a situação tem minado suas resistências e prejudicado a saúde da filha. “A gente não estrutura emocional para continua vivendo desse jeito, de forma improvisada, sem um lar, em um endereço residencial”, reclamou a advogada.

Advogada tinha imóvel com uma galeria para 12 salas comerciais alugadas e vivia dessa renda (Foto: Edilson Omena)

“A gente perde completamente a privacidade e não pode receber as pessoas”

Segundo Anelise Sainger, para quem não vive essa realidade pode parecer vantagem, morar em um quarto de hotel com todas as despesas pagas pela Braskem. “Mas não é vantagem nenhuma e não nada agradável. A gente perde completamente a privacidade e não tem a opção de receber as pessoas, os amigos e parentes, como se a gente estivesse na nossa casa”.

Anelise é gaúcha, natural de Pelotas, e praticamente toda a sua família mora no Rio Grande do Sul. Ela veio morar em Maceió no início do ano 2000. Foi na capital alagoana onde nasceu sua filha e onde ela estava se dando bem nos negócios. Além de atuar como advogada, ela já foi professora e dona de escola, na região do Pinheiro, onde fazia um trabalho social, ajudando na educação e no sustento de algumas famílias de baixa renda.

Quando não deu mais para continuar tocando a escola e o trabalho social, ela reformou o imóvel e o transformou numa galeria, com pelo menos 12 salas comerciais para alugar. Tudo mudou do dia para a noite, quando o problema do afundamento do solo veio à tona, em março de 2018, e a partir de 2019 deu imóvel foi classificado como inserido na área de risco.

“São seis anos perdidos, desde que o imóvel da gente foi praticamente interditado e relacionado como de interesse da Braskem. O problema é que o tempo passa e nada se resolve. A proposta que eles apresentam estão sempre abaixo do valor que a gente quer receber, e a empresa apresenta nenhuma alternativa, como uma avaliação isenta, com um preço de acordo com o mercado imobiliário”, afirmou ela.

“É como se a gente estivesse num mercado Persa prestes a fechar e onde o oferecem um valor muito baixo pelo nosso bem, pelo nosso produto, mas não tem como não aceitar, por conta do tempo, é pegar ou largar”, completou a advogada.

A situação dela é a mesma de pelo menos outras três famílias do total de 23 que foram desalojadas às pressas em novembro de 2023, logo após o colapso da mina 18 de Braskem, localizada no bairro do Mutange, às margens da Lagoa Mundaú.

Pinheiro, onde morava Anelise, é um bairro destruído pela Braskem (Foto: Edilson Omena)

Filha adolescente da advogada é portadora do Transtorno do Espectro Autista

Para as pessoas que a conhece, Anelise sempre foi uma mulher forte, batalhadora e resiliente. Foi com esse espírito que adquiriu o imóvel localizado na Avenida Belo Horizonte, uma das principais ruas do bairro Pinheiro. O imóvel era mais do que apenas uma propriedade. Aquele espaço era sua fonte de renda, onde montara sua galeria de salas comerciais com recursos provenientes de anos de esforço trabalhando advogada, para construir um futuro para si e para sua filha, Ana Laura, que possui Transtorno do Espectro Autista (TEA).

No entanto, quando a calamidade socioambiental provocada pela Braskem atingiu a região, tudo desmoronou. Seu imóvel foi incluído na área de risco, forçando a saída de seus inquilinos e fechando as portas de seu projeto de vida e -, junto com isso, perdendo sua principal fonte de sustento.

Anelise, sem outra opção, passou então a morar no imóvel, transformando o espaço que antes era fonte de prosperidade em um abrigo de necessidade. As incertezas eram constantes, mas ela enfrentava cada dia com coragem, apesar da angústia crescente. Seu maior desafio era manter a estabilidade emocional da filha, cuja rotina e segurança foram devastadas pela situação.

Essa luta interna chegou ao ápice na noite de 30 de novembro de 2023, quando o colapso da mina 18 se transformou em pânico. Anelise foi forçada a desocupar o imóvel às pressas, em um cenário de medo e desespero, sem levar consigo seus bens e sem saber se voltaria a ver o que ali deixava.

Desde então, a realidade de Anelise se transformou em uma sequência de quartos de hotel de 20m². Essa mudança abrupta a priva do conforto mais básico: privacidade. Além disso, não pode cozinhar, se alimenta mal e vê sua saúde física e mental se deteriorar a cada dia. Sua filha, incapaz de lidar com a nova realidade, afundou em depressão. Anelise, vive em constante estado de ansiedade, o que a faz sentir-se impotente, incapaz de garantir a tranquilidade que planejou e que sua filha tanto necessita.

As propostas da Braskem para indenização são insuficientes para que Anelise recupere um imóvel semelhante ao que tinha em uma avenida principal, também não cobrem o lucro cessante - o pagamento da renda que ela teria com o imóvel alugado, agravando ainda mais sua situação. O que mais a fere, porém, é a percepção da injustiça que a cerca.

A avenida Belo Horizonte, onde vivia, permanece funcionando do outro lado da rua, com comércios abertos e um posto de gasolina em pleno funcionamento, enquanto o lado de Anelise foi completamente fechado. Existe uma rota de carros aberta que circula na avenida Professor Silveira Camerino, que está por trás de sua casa.

Essas constatações de realidade levantam questões dolorosas: será que ela realmente precisava ter passado por tudo isso? Será que essa remoção forçada e a escolha das áreas está sendo decidida com base em critérios técnicos sérios? Ou Será que sua vida e a de tantas outras pessoas foi desconsiderada por decisões arbitrárias?

Para Anelise, que é evangélica, tudo o que resta é a esperança e a fé em Deus de que, em meio ao caos, seu caso receba a atenção que merece. Ela não busca apenas compensação financeira. O que Anelise quer, acima de tudo, é que sua história e a das demais vítimas sejam vistas com humanidade, que a Braskem e as autoridades entendam que por trás de cada imóvel há vidas, sonhos, famílias que foram e estão sendo profundamente abaladas por uma calamidade que elas não criaram.