Cidades
Ufal mostra em pesquisa que vazão do Rio São Francisco teve redução de 60%
Dados de três décadas de seca foram analisados e os resultados do estudo estão publicados em periódico internacional
A vazão anual do cento-norte do Rio São Francisco diminuiu mais de 60%, em média, nas últimas três décadas. É o que mostra uma nova pesquisa publicada pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da universidade Federal de Alagoas (Ufal), no periódico internacional Water. De acordo com o estudo, houve perda de 15% de cobertura vegetal na Bacia hidrográfica, somente no período de 2012-2020, quando ocorreu uma das secas mais longas registrada na história da região.
Os pesquisadores do Lapis/Ufal analisaram como a rápida intensificação das secas-relâmpago, de 1991 a 2020, reduziu a vazão do Rio São Francisco. Seca-relâmpago, do inglês, flash drought, é um extremo climático de início rápido e forte intensidade, caracterizado pela queda brusca nos volumes de precipitação, combinada com altas temperaturas. Essa nova categoria de seca sempre existiu, mas se tornou comum nas últimas décadas. Os primeiros estudos sobre o assunto surgiram nos Estados Unidos, em 2002.
De acordo com Humberto Barbosa, meteorologista fundador do Laboratório Lapis/Ufal e responsável pelo estudo, o principal motivo para o encolhimento do Rio São Francisco foram as altas temperaturas, principalmente no início dos eventos de secas-relâmpago.
“Temperaturas mais altas aumentam o uso diário da água pelas plantas, além da evaporação dos corpos d’água e dos solos. As ondas de calor extremo foram cruciais para reduzir o volume do rio. À medida que fica mais quente, a atmosfera retira mais água das fontes da superfície e a principal consequência é que menos água flui para o rio São Francisco. Essas descobertas da pesquisa podem ser aplicadas a todos os rios brasileiros”, ressalta Humberto.
O Rio São Francisco é a terceira maior bacia hidrográfica brasileira, com extensão de 2,7 mil km e importância histórica para o país. Conhecido como o rio da integração nacional, por interligar área significativa do seu território, a Bacia é formada por 504 municípios, desde Minas Gerais até Alagoas, e além do seu curso d’água principal, compõe 168 rios afluentes, temporários e permanentes.
Durante a seca 2011-2017, a nascente do São Francisco secou na Serra da Canastra, em Minas Gerais. Nesse período, a barragem de Sobradinho, o maior lago artificial da América Latina, construído na década de 1970, atingiu seu volume morto.
Ondas de calor
Uma das características mais importantes das secas-relâmpago são as altas temperaturas, cujo impacto é potencialmente devastador. A pesquisa do Laboratório Lapis/Ufal demonstrou que as ondas de calor foram decisivas para a redução da vazão do rio São Francisco, durante eventos extremos de secas-relâmpago.
Estudos anteriores já haviam confirmado uma tendência simultânea de redução das chuvas e aumento das temperaturas. Mas a nova pesquisa mostrou além, ao constatar que o aumento de temperatura foi maior do que a redução das chuvas, e essas ondas de calor extremo foram cruciais para reduzir a vazão dos rios, principalmente no início das secas-relâmpago.
Os pesquisadores do Lapis/Ufal analisaram dados anuais da vazão dos rios, precipitação e temperatura, na região da Bacia. A conclusão foi que a diminuição da vazão dos rios foi atribuída a um declínio na precipitação e ao aumento simultâneo das temperaturas do ar, durante as últimas três décadas.
“A partir dos resultados, identificou-se que no centro-norte da Bacia, a vazão do Rio diminuiu, em média, 950 m3/s por ano. A vazão média era de 1500 m3/s, tendo havido uma redução média de 63% no volume do Rio, em 30 anos. Ao mesmo tempo, houve uma tendência de redução na precipitação anual, que ficou em média 450 mm, e de aumento da temperatura do ar em 0,021 °C por ano”, destaca Humberto.
De acordo com a pesquisa, nos anos de 2012 e 2017 houve grandes déficits de precipitação, combinados com fortes ondas de calor. Isso levou a condições rápidas de seca em toda a Bacia do Rio São Francisco. No início desses eventos extremos, os dados mostram uma redução simultânea na vazão do rio. O ano de 2012 foi extremamente seco, com queda de 30-60% na precipitação em toda a Bacia, em relação à média anual.
O método desenvolvido na pesquisa permitiu conectar mudanças de longo prazo na precipitação, evapotranspiração e vazão dos rios com as variações na condição climática, possibilitando detectar essa tendência de encolhimento das águas do rio São Francisco, durante secas-relâmpago.
“Períodos prolongados de ondas de calor e pouca chuva intensificam a perda de umidade do solo por evaporação, aumentando o risco de secas-relâmpago. A pesquisa demonstrou que essa tipologia de seca rápida e extrema tem impactos dramáticos sobre a vazão do rio São Francisco”, explica Humberto.
Mapeamento mostra risco do Rio São Francisco por secas extremas
No período de 1991-2020, o estudo identificou cinco eventos de secas-relâmpago na Bacia do São Francisco, com diferentes períodos de duração. O mapeamento permitiu analisar a duração, intensidade e persistência de cada uma dessas secas extremas.
O estudo concluiu que a região centro-norte do Rio São Francisco atravessou secas-relâmpago mais frequentes e longas, nos últimos 30 anos. Já no centro-sul da Bacia, esses eventos extremos foram mais curtos e menos frequentes. Mesmo assim, um fator preocupante é que embora as secas-relâmpago tenham sido menos frequentes no centro-sul da bacia, sua intensidade e duração foram maiores do que em outras áreas.
O evento mais severo de seca-relâmpago ocorreu em 2012-2013, com duração de 21 meses, impactando intensamente todo o território da Bacia do Rio São Francisco. “Embora as condições extremas dessa seca tenham surgido de forma repentina, ela ainda não havia sido estudada como um evento extremo de seca-relâmpago. A principal característica dessa nova tipologia de seca é se intensificar rapidamente, sendo diferente das secas convencionais, que começam de forma lenta e ficam mais intensas ao longo do tempo”, explica o professor Humberto Barbosa.
Ele aponta que a degradação da vegetação e a desertificação pioram ainda mais as condições de seca na Bacia do Rio São Francisco. A redução de 15% da cobertura vegetal na Bacia, no período 2012-2020, ilustra o ritmo da degradação. Em 2023, outra pesquisa publicada pelo Laboratório Lapis/Ufal identificou que áreas severamente degradadas já influenciam na atmosfera, reduzindo a formação de nuvens de chuva nessa região.
Rio São Francisco pode continuar secando
No Rio São Francisco, a mudança climática se traduz por secas mais longas, intensas e/ou frequentes. Os pesquisadores indicam como preocupante a constatação da pesquisa sobre o impacto que as secas-relâmpago tiveram no encolhimento do Rio e a expansão para outras regiões.
“Deixar de agir para mitigar esses eventos climáticos extremos, reduzindo a degradação ambiental e outros fatores, significa aceitar o risco muito alto de que o rio São Francisco continue a secar no futuro. Há uma tendência significativa de que as secas se estendam para as regiões do Médio e Alto São Francisco”, explica o meteorologista, e completa: “Há um processo de degradação das terras que ocasiona mudanças irreversíveis na disponibilidade de água do São Francisco, principalmente porque a maior parte da Bacia está inserida no Semiárido brasileiro”.
Metodologia inovadora permite detectar secas-relâmpago
A principal inovação metodológica do estudo foi utilizar um índice específico para detectar secas-relâmpago: o Índice Padronizado de Evapotranspiração da Precipitação Antecedente (Sapei). Ele é diário e considera tanto a precipitação quanto a evapotranspiração potencial. Esse índice incorpora a influência das condições antecedentes do balanço hídrico nas condições atuais, permitindo detectar os impactos das secas-relâmpago sobre o fluxo dos rios.
Além de dados de chuva e temperatura do ar, obtidos pelo sistema EumetCast – a estação descentralizada de recepção de dados de satélites do Laboratório Lapis/Ufal, o estudo também utilizou dados temporais sobre a vazão dos rios, obtidos junto a Agência Nacional de Águas (ANA).
Saiba mais sobre a pesquisa, clique aqui.
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