Cidades

Caso Braskem está na pauta da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia

Tema será 'Silenciamento e resistência: apagamento da existência das vítimas da Braskem em Maceió'

Por Ricardo Rodrigues/Tribuna Independente 20/07/2024 08h20
Caso Braskem está na pauta da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia
A destruição de uma rua, de um bairro, de uma comunidade, de suas histórias socioafetivas, enfim de vidas que ali habitavam - Foto: Edilson Omena

O crime socioambiental provocado em Maceió pela Braskem, que resultou no afundamento do solo de pelo menos cinco bairros da capital alagoana e impactou a vida de mais de 200 mil pessoas, entrou na pauta da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia, que será realizada essa semana, em Minas Gerais. O assunto será abordado por três pesquisadoras e um estudioso no assunto, que participam da luta contra a mineração predatória, em Alagoas. Eles vão apresentar no conclave um estudo, compilado em 20 páginas, com o título: “Silenciamento e Resistência: o processo de apagamento da existência das vítimas da Braskem em Maceió - Alagoas”.

De acordo com a bióloga Neirevane Nunes Ferreira de Souza, que faz parte do grupo de estudo e irá participar da reunião, “a tragédia-crime da Braskem em Maceió envolve um grave problema de silenciamento e resistência por parte das vítimas afetadas pela mineração de sal-gema por mais de 40 anos”. Por isso, no trabalho que será apresentado, ela vai destacar os impactos socioambientais da mineração predatória em Maceió, que incluem o afundamento de bairros devido à subsidência do solo e uma série de danos ambientais, materiais, imateriais e existenciais, que são considerados irreversíveis.

Fatos que passaram a fazer parte da pauta da mídia local e nacional, com reportagens diárias sobre o assunto. “No entanto, as vítimas enfrentam diversos obstáculos para terem suas vozes ouvidas e obterem reparação. Apesar das adversidades, há uma crescente resistência por parte das vítimas.

MOBILIZAÇÃO

Segundo a pesquisadora, “organizações da sociedade civil têm se mobilizado ao lado das vítimas para dar visibilidade ao caso para buscar justiça. Este trabalho tem como objetivo identificar e analisar as práticas e estratégias utilizadas pela Braskem para o apagamento da existência e da memória de suas vítimas”.

“A metodologia utilizada é de abordagem qualitativa, com coleta de dados através de análise de documentos legais, relatórios, artigos de jornais e da mídia. A análise dos dados será realizada por meio de análise de conteúdo, sobre as principais estratégias utilizadas pela Braskem para o silenciamento e apagamento de suas vítimas”, acrescentou.

Ainda de acordo com Neirevane Nunes, “o caso da Braskem em Maceió traz à tona uma discussão bastante atual sobre o nosso sistema mineral brasileiro”. Uma atividade (mineração) muito mal regulamentada, que ameaça o meio ambiente e viola os direitos individuais e coletivos das vítimas. “Além disso, evidencia a necessidade de fortalecer os mecanismos de proteção dos direitos das populações atingidas com a sua reparação integral e de garantir que empresas responsáveis por tragédias-crimes no Brasil não permaneçam impunes e que crimes socioambientais semelhantes não mais se repitam”, concluiu.

Grupo vai apresentar estudo e debater com pesquisadores de vários Estados

Juntos com Neirevane Nunes (UNIMA/AFYA), participarão da reunião em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais, Adriana de Lima Mendonça (UNIMA/AFYA), Jesana Batista Pereira (UNIMA/AFYA) e Marcos Bomfim da Silva (SEDUC/AL). O grupo vai apresentar esse estudo e debater o assunto com pesquisadores de vários Estados.

“A área de estudo utilizada neste trabalho é o município de Maceió, capital do Estado de Alagoas, onde a Braskem explorou o mineral sal-gema por mais de 40 anos sem obedecer aos critérios de segurança exigidos para as minas, levando ao processo de subsidência do solo de cinco bairros: Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol”.

“Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com coleta de dados através de análise de documentos oficiais, relatórios, artigos de jornais e da mídia. A análise dos dados será realizada por meio de análise de conteúdo, considerando como categorias as principais estratégias utilizadas pela Braskem para o silenciamento e apagamento de suas vítimas”, completou Neirevane.

Sobre os resultados e discussões em torno do tema, ela acrescenta: “Analisamos a prática de como a Braskem trabalha no processo de silenciamento e apagamento da existência de suas vítimas através das seguintes categorias. Entre elas, a negação da existência do problema e a falta de transparência na divulgação de informações importantes.

“A Braskem paga outras empresas para sustentar a narrativa de que o que aconteceu em Maceió foi um ‘evento geológico’ e não resultado de uma sucessão de crimes socioambientais causados por ela. Como se não bastasse, a Braskem não é tratada como empresa infratora, mas como grande colaboradora do poder público”.

‘Negam a realidade, subdimensionam danos e número de afetados’

Nesse sentido, de acordo com a pesquisadora, “a Braskem contratou a Diagonal e a Tetra Tech para produzirem diagnósticos que simplesmente negam a realidade e subdimensionando os danos e o número de afetados. Ambos os diagnósticos atestam que não havia evidências suficientes para atribuir a ela os danos que são denunciados por suas vítimas”.

“A designação das consultorias não respeitou o caráter de independência e isenção necessárias, pois já constava na cláusula 64, do Acordo Socioambiental, que seria a Diagonal a empresa contratada pela Braskem para fazer os estudos sociais, assim como o mesmo acordo já trouxe definido o nome da empresa Tetra Teck para fazer os estudos de impacto ambiental e elaborar o plano ambiental”.

A pesquisadora disse ainda que “é muito clara a forma como a Braskem dita as regras e envolve em seu discurso os órgãos públicos de fiscalização e controle, a exemplo do Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público Estadual (MPE), a Defensoria Pública da União (DPE) e a Defesa Civil de Maceió.

De acordo com Neirevane, a Braskem celebrou um acordo com MPF, MPE, DPU e DCM que deixou a mineradora à vontade para determinar as empresas responsáveis por fazer os estudos sobre os danos causados pela própria mineradora e indicar as medidas mitigadoras, ou seja, é a raposa tomando conta do galinheiro.

A Braskem fez a exploração das minas de sal-gema por mais de 40 anos até causar tremores no solo, trazendo instabilidade e gerando uma tragédia sócioambiental na capital alagoana. Segundo a Braskem, 35 minas estão desativadas na área urbana de Maceió, por determinação da Justiça.