Cidades

O 'Triângulo das Bermudas' da confusão territorial

Moradores de Maceió, Rio Largo e Satuba se confundem com limite de divisas e chegam a receber até dois ou três recibos do mesmo endereço, porém de cidades diferentes

Por Wellington Santos / Tribuna Independente 06/07/2024 08h30 - Atualizado em 06/07/2024 09h31
O 'Triângulo das Bermudas' da confusão territorial
A comerciante Vera Lúcia, moradora do Margarida Procópio, mostra recibos de água e luz com cobranças no mesmo endereço, porém com cidades diferentes - Foto: Adailson Calheiros

A Tribuna deu início semana passada à série de reportagens que dão conta que Alagoas, ao longo do tempo, tem histórias de conflitos de divisas, quer sejam estaduais, municipais e até interestaduais.

Na primeira edição dos imbróglios por territórios, abrimos com a história de como se encontra o conflito por conta de divisas e, principalmente, dos impostos gerados por causa do Aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares, disputado pelas prefeituras de Maceió e Rio Largo. Atualizamos o leitor que este caso está nas barras dos tribunais e o último round na Justiça quem ganhou foi o município de Rio Largo. A Tribuna apurou que Maceió perdeu, em média, desde 2020, o equivalente a R$ 1,6 milhão por cada ano, ou seja, o município de Maceió deixou de arrecadar no acumulado em impostos somente do aeroporto, sem contar os estabelecimentos que fazem parte da estrutura, a exemplo das lojas, R$ 6,4 milhões no acumulado de três anos.

Na edição deste fim de semana, publicamos a segunda reportagem da série com outra famosa confusão nas brigas de faixa de terra por essas bandas. Essa envolve os municípios de Satuba, Rio Largo e Maceió onde, por conta disso, há disputas de quem ganha com as contas de água, luz e IPTU em ruas e condomínios destas três cidades.

Por conta desta curiosidade, a Tribuna Independente caiu em campo e verificou in loco os gargalos cartográficos dos limites dos territórios de Maceió, Rio Largo e Satuba e descobriu casos até engraçados de moradores que recebem recibos de dois e até três municípios diferentes e também de bairros no entorno. A confusão é tão presente na cabeça da população que mora no entorno dessas três cidades que a faixa de terras que divide a localidade já recebeu até o apelido por parte dos habitantes de “Triângulo das Bermudas”.

“NA CABEÇA DO POVO, HAJA CONFUSÃO”

Imagine, por exemplo, uma pessoa que um lado de sua casa fica no município de Rio Largo, mas a outra parte de sua casa fica no município de Satuba.

É um caso típico do sujeito que acorda em Satuba, toma café em Rio Largo e pega o ônibus em Maceió.

Sim, porque é isso mesmo que ocorre no entorno da pista principal que divide os três municípios, a Avenida José Manhas, conforme constatou a reportagem da Tribuna. Essa localidade fica no local conhecido como Forene, onde de um lado fica a Ceasa (Central de Abastecimento de Alagoas), cujo endereço oficial fica no bairro do Santo Dumont, em Maceió. Atravessando a via, a pessoa já se depara com dois municípios: Satuba e Rio Largo. E aí haja confusão na cabeça da população.

É o caso de Vera Lúcia dos Santos, proprietária de um negócio de rações, onde trabalha há dois anos. Ela mora há 32 anos no conjunto Margarida Procópio, hoje Rio Largo, “mas já foi Maceió e Satuba e isso gerou muitos problemas para a gente por causa da burocracia na confusão do endereço”, conta.

Já onde tem seu estabelecimento de rações, ela diz que continua com a confusão na cabeça. “Aqui mesmo, onde tenho esse negócio, do outro lado é Ceasa, em Maceió, mas aqui no meu estabelecimento é Rio Largo e aqui nesse outro pedacinho do lado é Satuba”, diz, ao apontar ao lado, a poucos metros dali, do tal “pedacinho de Satuba”. “Ninguém consegue entender isso, que aqui a poucos metros têm três municípios emendados”.

Para comprovar a confusão, mostra à reportagem dois recibos que as empresas mandam para sua casa com o mesmo nome de rua, porém de municípios diferentes.

UMA RUA DE MUITOS LIMITES É O EXEMPLO DO CONFLITO

Nesse mesmo caso de Vera Lúcia, em reportagem de 2017 feita pela Tribuna, um exemplo cartográfico na linha imaginária feita por GPS mostrava que a casa de um morador ficava no lado do bairro de Santo Dumont, em Maceió, mas ao fechar a porta e chegar à sala, o mesmo morador chegava a Rio Largo, e na cozinha o mesmo indivíduo estava localizado no município de Satuba.

“Eu sou uma mulher sem limites”, brinca Vera Lúcia, ao mostrar os recibos, um de água e um de energia, que revelam, de fato, o tamanho da confusão de seus limites territoriais.

Mas oficialmente, pelo mapa cartográfico atual, o conjunto Margarida Procópio, onde mora Vera Lúcia, e o Brasil Novo ficam, de fato, no município de Rio Largo. Porém, se o morador sair da localidade e andar cerca de 100 metros estará em Maceió.

E durante o tempo que a reportagem permaneceu no local, outros habitantes disseram ainda não saber direito onde moram oficialmente, pois assim como Vera Lúcia, recebem seus recibos de pagamentos ora como Maceió, ora como Rio Largo e, às vezes, como o município de Satuba.

É também o caso do motorista Clebson Carlos Amaro, 37 anos, que mora próximo ao comercial Novo Brasil. No lado esquerdo da pista “Conta de energia recebo como Rio Largo, mas pelos Correios os boletos dos cartões de crédito chegam como Maceió, é uma confusão danada pra gente adulto e imagine isso para as crianças”, diz.

No conjunto Portal do Renascer tem uma e ela é um exemplo clássico da confusão. “Estou aqui há mais de 20 anos, e acho que moro em Satuba, mas eu me viro aqui para o lado esquerdo estou em Rio Largo e atravessando a avenida estou em Maceió”, diz Rubenildo Alves da Silva, 52 anos, morador da Rua da Quadra A, do Residencial Portal do Renascer, que, de fato, divide os três municípios, localizado entre a Avenida José Manhaes, que é Rio Largo, e no lado direito Maceió, e também Satuba.

O QUE DIZ O ITERAL

O Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral), através do diretor-presidente, Jaime Silva, responsável pelas medições territoriais em Alagoas para sanar as dúvidas, explicou como foi feito o processo de medição dos limites que convergem os três municípios do “Triângulo das Bermudas” alagoano.

A área cujos limites ainda são uma confusão de entendimento para quem mora no local é perto da Ceasa, perto da antiga fábrica da Forene, cuja linha imaginária cortada em diagonal aponta para três bairros, um de Rio Largo, Satuba e outro de Maceió.

Jaime foi ouvido na primeira reportagem desta série, cujo foco principal eram os limites do Aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares, numa briga à parte entre as prefeituras de Maceió e Rio Largo.

“Naquela região antigamente pessoas mais velhas que tinham algum documento é que diziam como eram esses limites. Mas para ratificar ou não, o Iteral fez, recentemente, há poucos anos, o uso de equipamentos mais modernos, precisos como o GPS e redefiniu os limites”, disse Jaime.