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Maceió convive com línguas sujas em 40 quilômetros da orla marítima

Problema aparece nas mais badaladas praias da capital alagoana, até na Pajuçara, metro quadrado mais caro do Nordeste

Por Claudio Bulgarelli - Sucursal Região Norte / Tribuna Independente 25/05/2024 09h32 - Atualizado em 25/05/2024 09h45
Maceió convive com línguas sujas em 40 quilômetros da orla marítima
Águas sujas, vindas de esgotos, são jogadas na praia da Jatiúca - Foto: Edilson Omena

Se por um lado a Maceió apresenta praias badaladas e cobiçadas pelo turismo nacional, com o metro quadrado mais caro do Nordeste, onde hotéis e construtoras disputam terrenos vagos a preço de ouro, precisa conviver, no entanto, com águas muito menos famosas ao longo de seus quase 40 quilômetros de litoral urbano. As águas menos famosas, são as línguas sujas, que representam um contraste com o mar azul turquesa de Maceió, e, infelizmente, ainda fazem parte de um drama antigo vivido pela cidade, sobretudo, durante o período de chuvas intensas.

Línguas sujas são, por excelência, águas sujas que surgem carregadas pela chuva, mas na maioria das vezes por riachos e córregos urbanos, levados através de tubulações de drenagem pluvial.

O grande problema é que essas galerias foram feitas para escoar a água das chuvas, mas, devido às ligações clandestinas de residências, condomínios e até empreendimentos hoteleiros, acaba poluída e contaminada.

Segundo o urbanista e professor Dilson Ferreira, em Maceió existem 17 pontos de línguas sujas que podem ser vistas em quase todas as praias, do Sobral, no extremo Sul, até Ipioca, no litoral Norte.

E mesmo, nas mais badaladas, elas estão presentes. Na praia da Pajuçara, o metro quadrado mais caro do Nordeste, segundo o índice FipZap de março, existe uma língua suja gigantesca em frente ao Coconut. Na Jatiúca, no Posto 7, uma língua com mais de 30 anos ainda joga suas águas sujas numa praia bastante frequentada por banhistas e turistas, já que fica localizada nas proximidades do Hotel Jatiúca. Nos últimos 20 anos, moradores já assistiram dezenas de vezes caminhões da prefeitura cobrindo a mancha escura com areia no verão e ela se abrindo com as chuvas no inverno. E mesmo na famosa Ponta Verde elas existem, o que deixa uma má impressão nos turistas.

Mas a mais simbólica língua de águas fétidas é o Riacho Águas Férreas, ou Riacho do Ferro, que não é riacho, já que nasceu como canal para escoamento de água das chuvas. Nasce no Barro Duro, e ao percorrer outros bairros próximos, até desaguar na Cruz das Almas, recebe uma grande carga de matéria orgânica, ou seja, esgoto in natura, das residências que ficam nas proximidades.

Riacho das Águas Férreas vira um grande esgoto a céu aberto

O riacho das Águas Férreas, que deságua na praia de Cruz das Almas, bem próximo aos únicos três hotéis 5 estrelas de Maceió, é ponto de polêmica na capital. Não é riacho, pois foi construído para servir de escoamento das águas das chuvas. E acabou se transformando ao longo do tempo na maior língua suja da capital. Enquanto esperam as obras da prefeitura de Maceió, que integram o Projeto Renasce Salgadinho, com intervenção no canal das Águas Férreas, moradores e turistas convivem com o lixo e o fedor do esgoto a céu aberto.

Águas Férreas: riacho polui há anos a praia de Cruz das Almas (Foto: Edilson Omena)

As últimas pesquisas feitas por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), entre os anos de 2010 e 2013, já tinham revelado que no verão toda a água vista vem dos esgotos das grotas que ficam no entorno da bacia do riacho, no Barro Duro, passando por Feitosa, Jacintinho, Jacarecica, São Jorge, Mangabeiras, até chegar em Cruz das Almas. E muito mais: dos cinco riachos analisados na capital alagoana, o Águas Férreas é o mais poluído, ou seja, apresenta a maior toxicidade. Outro fator que contribuiu durante décadas para a degradação do riacho foi o chorume produzido pelo antigo lixão, localizado no São Jorge, que chegava até o rio.

O arquiteto e urbanista Dilson Ferreira explica que “esses bueiros que têm ao longo da cidade, na nossa orla, são bueiros de drenagem da água da chuva. Quando chove ocorre a captação pela sarjeta, que cai na valeta, que cai nessas bocas de lobo e aí conecta essas redes subterrâneas e jogam no mar e nos rios, mas aí é água da chuva, não é água poluída. O que acontece é inconcebível no verão – que não chove -, ter várias línguas sujas na praia, porque não deveria ter”.

A Prefeitura de Maceió afirma que mantém a Operação Línguas Sujas desde dezembro de 2022, com ações de fiscalização para identificar, fechar e autuar os proprietários e responsáveis pelas ligações clandestinas de esgoto.