Cidades

Alagoas não sabe onde tratar seus pacientes psiquiátricos

Órgãos de controle querem construção de complexo de saúde mental, mas lei prevê tratamento sem internação

Por Valdete Calheiros – colaboradora / Tribuna Independente 13/04/2024 08h25 - Atualizado em 13/04/2024 08h51
Alagoas não sabe onde tratar seus pacientes psiquiátricos
Hospital Portugal Ramalho está localizado em área atingida pela mineração da Braskem em Maceió - Foto: Edilson Omena

A Lei da Reforma Psiquiátrica no Brasil completou 22 anos no dia 6 de abril. No entanto, passadas mais de duas décadas da sua promulgação, Alagoas ainda não sabe o destino correto que deve dar aos seus pacientes psiquiátricos nem dos custodiados do Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy. E o problema piorou desde o afundamento do solo provocado pela mineradora Braskem. Rachaduras enormes e comprometimento da estrutura física do Hospital Escola Portugal Ramalho agravaram a situação.

Também conhecida como Lei Antimanicomial ou Lei Paulo Delgado, o texto tem como fundamento o tratamento mais humanizado dos pacientes acometidos por doenças mentais, com o fechamento gradual de manicômios e hospícios existentes no país.

Desde agosto de 2023, os manicômios judiciais existentes no Brasil suspenderam a entrada de novos pacientes. E, até maio deste ano, todos os estabelecimentos deverão ser desativados, em definitivo, de acordo com resolução 487/23 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Um novo Hospital Escola Portugal Ramalho (HEPR), único hospital psiquiátrico da rede pública de Alagoas, deverá ser construído no bairro de Jaraguá, em Maceió, e abrigará os pacientes do atual que, hoje, funciona de forma precária, no Farol. A unidade mudará de endereço devido ao afundamento do solo causado pela Braskem. Até o momento, não há data certa para a transferência.

Na semana passada, órgãos de controle (Ministérios Públicos Federal e Estadual e a Defensoria pública da União), exigiram que seja providenciada a construção de um Complexo de Saúde Mental, a ser financiada pela Braskem.

Hospital quer continuar com serviço de emergência

A assistente social e supervisora do HEPR, Maria Derivalda Andrade, afirmou que o novo Hospital Escola Portugal Ramalho pretende continuar o atendimento de emergência psiquiátrica.

Segundo ela, o núcleo de discussão de saúde mental da Uncisal irá definir se o equipamento irá também atender outras demandas como hospital especializado com leitos de saúde mental. A supervisora da unidade psiquiátrica disse ainda que está sendo discutido pelo Núcleo de Saúde Mental da Uncisal uma unidade de emergência psiquiátrica – para o manejo do paciente em crise. “Porém, tais discussões serão pactuadas com o Grupo Condutor da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial no Estado), responsável pelo desenho e redesenho”.

Órgãos de controle querem transferência de pacientes do Portugal Ramalho para novo hospital público (Foto: Edilson Omena)

Conforme Maria Derivalda Andrade, a proposta é que as internações sejam breves para a continuidade do cuidado no território. O eixo básico da proposta são as práticas integrativas e complementares no SUS, a Política Nacional de Humanização e o Cuidado Interprofissional com as famílias numa perspectiva de Clínica Ampliada.

O HEPR é uma unidade assistencial da Universidade Estadual de Ciências da Saúde (Uncisal) e é referência na prestação de serviços na área da saúde mental no Estado.

Conselho diz que vai acompanhar melhoria no tratamento

Enquanto os detalhes da construção do novo Hospital Portugal Ramalho não são conhecidos pela sociedade, o Conselho Regional de Psicologia, enquanto autarquia pública, através da Comissão de Orientação e Fiscalização, pretende acompanhar a melhoria de atendimentos aos pacientes do HEPR através de visitas que possibilitem o Conselho a estar próximo a atuação dos profissionais de Psicologia com base no Código de Ética e nas resoluções existentes para auxiliar nas devidas orientações pertinentes à questão.

De acordo com a presidente da Comissão de Orientação e Fiscalização do Conselho Regional de Psicologia de Alagoas – 15ª Região, Laís Tenório Lins Pedrosa, serão acompanhadas também as condições de trabalho que serão ofertadas à equipe de Psicologia que estará prestando serviço à sociedade.

Já o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NDDH) do Ministério Público Estadual (MP/AL) classifica as condições estruturais da unidade hospitalar como risco à vida de pacientes e profissionais da saúde.,

A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas (OAB/AL), afirmou acompanhará todo o processo de transferência dos pacientes para garantir aconteça da forma mais humanizada possível.

O advogado Roberto Moura disse que a Lei 10.216, de abril de 2001, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

“Vamos continuar o acompanhamento que já fazemos para garantir o respeito a todos”, disse.

A legislação normas sobre os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e regula os tipos de internações psiquiátricas. A internação só pode ser feita se houver laudo médico que a justifique, com a descrição dos motivos.

A internação pode acontecer sob três requisitos. O primeiro é a internação voluntária (aquela que se dá com o consentimento do usuário), o segundo internação involuntária (aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro) e, por fim, a internação compulsória (aquela determinada pela Justiça).

Manicômio está proibido de fazer internações

No Centro Psiquiátrico Judiciário Pedro Marinho Suruagy, em cumprimento à Política Antimanicomial instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as internações estão proibidas desde a 4 de setembro de 2023.

Centro Psiquiátrico Judiciário tem previsão de encerrar suas atividades durante o mês de maio (Foto: Reprodução)

Com isso um novo modelo de atenção às pessoas com transtorno mental em conflito com a lei entrou em vigor.

Com a interdição, a internação compulsória será cumprida em leito de saúde mental em Hospital Geral ou outro estabelecimento de saúde pública referenciado pelo Centro de Atenção Psicossocial da Rede de Atenção Psicossocial.

A medida de internação só deverá ocorrer em casos excepcionais.

Advogada quer atendimento humanizado

A advogada Ana Beatriz Rosendo Braga, membro da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/AL), defendeu que deverá ser feito um atendimento humanizado com aquela pessoa que está em conflito com a lei, mediante a integração do Poder Judiciário com as redes de atenção à saúde durante todo o percurso do procedimento penal.

“A revisão dos processos judiciais ocorrerá para que haja uma progressão da internação para o tratamento ambulatorial. A desinternação ocorrerá mediante análise da equipe de saúde multidisciplinar que comunicará à autoridade judicial a alta hospitalar”, detalhou.