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Confea: Braskem desligava bombas das minas para economizar energia

Equipamentos serviam para pressurizar cavernas; denúncia está em relatório do órgão em Alagoas

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 09/03/2024 18h30 - Atualizado em 10/03/2024 09h57
Confea: Braskem desligava bombas das minas para economizar energia
Grupo de Trabalho instituído pelo Confea participa de reuniões no auditório do Conselho, em Maceió - Foto: Divulgação

Um relatório do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), até então inédito, embora tenha sido concluído em novembro de 2019, revela – com um espantoso atraso de mais de quatro anos – que a Braskem foi negligente e irresponsável no monitoramento das 35 minas de sal-gema que a empresa explorava desde a década de 70.

O documento começou a ser fundamentado logo após os abalos sísmicos de março de 2018. Produzido pelo Grupo de Trabalho criado pelo Confea e coordenado pelo geólogo Waldir Duarte da Costa Filho, tendo como coordenador adjunto o engenheiro Zerisson de Oliveira Neto, o relatório acusa a Braskem de abandonar as minas inativas e de desligar as bombas que pressurizavam as cavernas para economizar energia, quando a companhia elétrica adotava a bandeira vermelha, aumentando o valor do consumo.

A denúncia consta na conclusão do relatório, registrada desse jeito: “Pelo exposto, o Grupo de Trabalho conclui, pelos dados ora existentes, que houve desleixo por parte da empresa mineradora, tendo em vista o abandono dos poços/minas inativos (as), inclusive desligando as bombas que pressurizavam as cavernas, em horários de bandeira vermelha da companhia elétrica, com vistas a economizar, porém, causando despressurização, propiciando a fluência salina”.

Com isso, “há fortes indícios de que as deformações provocadas pela fluência do sal nos poços inativos sejam responsáveis pela subsidência superficiais e suas consequências (fraturamento e rachaduras superficiais). Tais consequências, citadas no item anterior, são agravadas, evidentemente, pelas condições de ocupação do bairro, falta de saneamento, fossas e pluviometria”.

O relatório concluiu que “apesar dos fortes indícios à luz dos dados atuais, não se pode afirmar categoricamente que as subsidências superficiais (ainda em andamento) e suas consequências, são resultados dos deslocamentos e eventuais rupturas das cavidades resultantes da extração de sal”.

Para um diagnóstico conclusivo, os integrantes do Grupo de Trabalho do Confea recomentaram que se faz necessário os estudos da Braskem e da CPRM, bem como as informações exigidas pela ANM à Braskem, conforme várias recomendações.

“Monitoramento das perfurações dos poços/minas por acelerômetro para verificar se esta atividade influi nos eventos ocorridos na área; instalação de uma rede de geofones em subsuperfície para identificação, mapeamento e monitoramento dos microssismos em tempo real; monitoramento topográfico por DGPS abrangente na área afetada pela atividade de mineração; perfil estratigráfico e estrutural de cada poço; mapeamento detalhado da estratigrafia estrutural sob o bairro, por métodos diretos, com especial atenção para a caracterização das falhas existentes e com análise tridimensional de seções estratigráficas; e efetuar novas medidas de sonar em todos os poços, em face de elevado abatimento de teto em 14 poços”.

“Além dessas exigências, especial atenção deverá ser dada para dirimir dúvidas a respeito do conglomerado da Formação Poção, pois a mineradora alega ser uma camada muito resistente que age como um escudo, protegendo as camadas superiores das eventuais subsidências provocadas pelo deslocamento das cavidades. Na literatura, entretanto, a composição do conglomerado, grãos angulares e matriz arenítica, não se coaduna com a resistência defendida pela mineradora”, acrescentou o relatório.

Conselho teria “engavetado” o relatório sobre negligência da mineradora

O Confea deixou claro ainda que, enquanto o trabalho do grupo não fosse disponibilizado, “não se poderia apontar responsabilidades técnicas”. Apesar dessa preocupação, o relatório não foi divulgado e não estava disponível no site oficial do Confea.

A reportagem da Tribuna Independente só teve acesso a ele por meio de um morador de Bebedouro, vítima da mineração, que conseguiu o documento, depois de muita insistência e com base na Lei de Acesso à Informação.

Segundo esse morador, que pediu sigilo porque ainda se encontra em litígio com a Braskem quanto à indenização da sua casa, o Confea e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (CREA/AL) teriam engavetado o relatório, “de forma criminosa”, porque o documento denunciava o descaso da Braskem no monitoramento das 35 minas de sal-gema, em Maceió.

O silêncio obsequioso dos dirigentes do Confea e do CREA/AL também foi denunciado pela coordenação do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), que recebeu o relatório desse morador de Bebedouro, na semana passada, e fez questão de encaminhá-lo à imprensa para que “esse escândalo” viesse à tona.

Por incrível que pareça nem a presidente do CREA/AL, Rosa Tenório, conhecia o relatório do Confea. Ela alegou que assumiu o Conselho depois da pandemia da Convi-19 e quando o relatório foi concluído, em novembro de 2019, quem presidia o CREA/AL era o engenheiro Fernando Dacal.

VISITA AO PINHEIRO

No site do Confea constava apenas em arquivo uma reportagem sobre a movimentação do Grupo de Trabalho em Maceió, participando de reuniões no auditório do CREA/AL e visitando o bairro do Pinheiro, para verificar as rachaduras provocadas pela mineração da Braskem.

Representantes da Defesa Civil Municipal também participaram das discussões com conselheiros do Confea, especialistas e o então presidente Fernando Dacal, em junho de 2019, em Maceió.

O Grupo de Trabalho do Confea tinha na sua composição dois engenheiros da diretoria do CREA/AL: Zerisson de Oliveira Neto (titular) e Oswaldo de Araújo Costa Filho (suplente). Eles também se calaram, não deram divulgação ao relatório do qual participaram da elaboração.

Desde novembro de 2019, técnicos sabiam que a lagoa e cinco bairros da cidade estavam afundando

O GT foi instituído pela Decisão Plenária nº PL-0234/2019, logo após a repercussão dos abalos sísmicos registrados em março de 2018. Os tremores provocaram rachaduras em imóveis e ruas do Pinheiro e dos bairros vizinhos: Bebedouro, Mutange, Bom Parto e Farol.

As consequências da mineração predatória praticada pela Braskem resultaram no afundamento do solo na região, motivando as ações da Defesa Civil Municipal para evacuar residências e interditar logradouros dessas comunidades.

Até então, a mineradora se negava a assumir a culpa pelo desastre, só depois dos estudos feitos pelos geólogos do Serviço Geográfico Brasileiro, comprovando as causas das rachaduras e do afundamento do solo, foi que a petroquímica reconheceu o crime que vinha praticando. A situação só não foi agravada porque a Justiça, com base no relatório da CPRM, determinou o fim das atividades de mineração em Maceió e a desativação das 35 minas de sal-gema.

Antes que as atividades de mineração da Braskem fossem desativadas, o GT do Confea esteve em Maceió, para verificar e debater o problema com os conselheiros do CREA/AL e representantes da Defesa Civil.

Nas reuniões, o GT contou com a presença de representantes do Serviço Geológico Brasileiro – CPRM (geólogo Thales Sampaio e equipe), da Ufal(geóloga Rochana Lima), da Defesa Civil Municipal (Dinário Lemos), do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Meteorologista Humberto Barbosa), do IMA/AL (Jean Paul) e da Braskem (Engenheira Química Isabel Kenny) – empresa responsável pela mineração de sal-gema na região, os quais apresentaram as informações que possuem a respeito do caso, além do material produzido em face das investigações geológicas/geotécnicas realizadas até o momento.

Além dessas reuniões, os membros do GT realizaram visita técnica na região e obtiveram mais dados técnicos. A visita contou com a participação do então presidente Fernando Dacal, da equipe de fiscalização do CREA-AL, representante da UFAL e engenheiros civis contratados pela Braskem para realizar os serviços de drenagem e pavimentação das áreas atingidas pelos abalos.

Com base nessas reuniões e visitas, além dos estudos realizados, o GT concluiu o relatório, deixando claro a irresponsabilidade da Braskem na operação e no monitoramento das minas. Ou seja, desde novembro 2019, um ano e 8 meses depois dos abalos sísmicos, o Confea sabia que pelo menos cinco bairros da cidade estavam afundando, junto com a Lagoa Mundaú, por causa a retirada de sal-gema pela multinacional Braskem, mas não divulgou o relatório do GT sobre os crimes da mineradora.

OUTRO LADO

Petroquímica não desmente denúncia, mas diz que sempre respeitou parâmetros técnicos.

Questionada sobre a denúncia de negligência e irresponsabilidade no monitoramento das 35 minas, a Braskem se defendeu, por meio da sua assessoria de comunicação, com este posicionamento, que publicamos na íntegra:

“A extração de sal-gema em Maceió sempre respeitou os parâmetros técnicos aplicáveis à atividade, foi acompanhada interna e externamente utilizando a melhor técnica disponível no momento, fiscalizada pelos órgãos públicos competentes e com todas as licenças necessárias para sua operação. Todas as informações sobre as cavidades, cuja extração foi definitivamente encerrada em 2019, constam do processo minerário e são públicas”.