Cidades

Dom Beto diz que vai ajudar vítimas da mineração da Braskem

Arcebispo coadjutor da Arquidiocese de Maceió desembarcou na capital alagoana no começo do ano para colaborar com o trabalho da Igreja Católica em defesa dos mais necessitados

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 06/01/2024 15h25 - Atualizado em 06/01/2024 16h22
Dom Beto diz que vai ajudar vítimas da mineração da Braskem
Dom Beto, nomeado bispo coadjutor da Arquidiocese de Maceió, ao lado do arcebispo Dom Antônio Muniz, durante entrevista coletiva - Foto: Sandro Lima

Nomeado pelo Papa Francisco como arcebispo coadjutor da Arquidiocese de Maceió, dom Beto, desembarcou na capital alagoana no começo do ano para colaborar com o trabalho da Igreja Católica em defesa dos mais necessitados. Por isso, cumprindo essa missão, seu primeiro contato com o povo de Deus foi com os moradores do Bom Parto, numa missa rezada para as vítimas da Braskem, na igreja do bairro desativada por conta da mineração predatória praticada pela petroquímica.

Na manhã da última sexta-feira, ele concedeu entrevista coletiva e falou sobre os seus planos à frente da missão designada pelo papa Francisco. Disse que enfrentou problemas com a mineração, ao lado dos moradores de Juazeiro da Bahia, que sofrem até hoje com a exploração mineral na região. “Aqui em Maceió não será diferente, até porque a atividade de mineração é predatória por natureza, em qualquer canto. Por isso, venho para ajudar na luta dos moradores contra esse tipo de crime”, afirmou.

“Dom Beto já celebrou missa no Bom Parto, no primeiro dia do ano. Essa celebração passa a mensagem que ele quer compreender o que vem ocorrendo na região atingida pela Braskem.

Ele pretende realizar escutas. Ouvir as pastorais sociais e os organismos da arquidiocese. Na diocese de Juazeiro da Bahia, sempre atuou junto às pastorais e movimentos. Estava num território com muitos conflitos com a mineração”, afirmou Carlos Lima, da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em Alagoas.

Para Carlos Lima, “a chegada de Dom Beto fortalecerá todas as lutas justas e necessárias, em nossa diocese”. O militante da CPT lembrou ainda a trajetória de Dom Beto em defesa dos mais necessitados e das causas mais urgentes da sociedade. Como arcebispo da Arquidiocese de Juazeiro, no sertão baiano, ele enfrentou problemas com mineradoras, parecidos com os problemas causados pela mineração de sal-gema, praticada pela Braskem, que resultou no afundamento do solo em pelo menos cinco bairros da capital.

“Esse carisma franciscano de Dom Beto sempre o leva ao encontro dos empobrecidos. Acredito que a missão dele aqui em Maceió não será diferente. Acredito que ele vai apoiar também as lutas da sociedade e dos movimentos sociais por direitos, seguindo a meta do papa Francisco: nenhuma família sem terra, nenhuma família sem teto, nenhum trabalhador sem direitos. Então, terra, teto e direitos vão fazer parte da pauta de Dom Beto, em Alagoas. Isso nos alegra muito”, concluiu Carlos Lima.

Venda de areia

Na coletiva, Dom Beto tomou conhecimento de que a Igreja Católica, por meio da Fundação Leobino e Adelaide Motta, é dona do Sítio Bom Retiro, na praia do Francês, que fornecia areia para a Braskem tamponar as minas de sal-gema desativadas por determinação judicial. A atividade é praticada pela empresa Mandacaru Extração de Areia, por meio de contrato firmado com a Fundação ligada à Igreja. Sobre isso, Dom Beto não quis se pronunciar, mas disse que primeiro precisaria tomar pé da situação.

Questionado sobre o contrato da Fundação Leobino e Adelaide Motta com a Mandacaru Extração de Areia, dom Antônio Muniz confirmou a parceria, mas garantiu que toda a atividade estaria respaldada pela legislação ambiental. Além disso, ele defendeu o padre Walfran Fonseca, acusado de participação na chamada “Máfia da Areia” – apelido dado a um grupo de pessoas e empresas que estaria explorando a comercialização de areia das Dunas doCavalo Russo, em Marechal Deodoro, no Litoral Sul de Alagoas.

“A Fundação tem contrato com essa empresa Mandacaru, que extrai a areia e comercializa o produto, repassando à nossa entidade parte desse faturamento, mas esses valores não podem ser revelados. Afinal a Fundação é uma entidade privada, que deve prestar contas apenas ao Ministério Público Estadual, como é feita a nossa prestação de contas, à Promotoria de Fundações, presidida, com muita competência e isenção, pelo promotor de Justiça Givaldo Lessa”, afirmou o arcebispo Dom Muniz.

Segundo ele, “o padre Walfran vem realizando esse trabalho, administrando o contrato da Fundação com essa empresa Mandacaru, mas agindo sempre com muita lisura e de acordo com a legislação ambiental”. Dom Muniz disse ainda que se depender dele a Igreja Católica, por meio da Mandacaru, vai continuar extraindo e vendendo areia do Francês. “Se mandarem parar, a gente para de vender areia; se autorizam a gente volta a vender”, acrescentou Dom Muniz, garantindo que no memento a extração de areia está parada. O arcebispo disse ainda que a Arquidiocese recebeu o acervo da Fundação, criada pelo médico Lourival de Melo Motta, em dezembro de 1956, junto com todo o seu patrimônio. No entanto, parte do patrimônio foi repassada à família do médico, à revelia da vontade do morto registrada no seu testamento, por decisão judicial. Por isso, parte do Sitio Bom Retiro foi entregue à família do empresário Sérgio Chueke, dono do Sitio Accyoli, que também explora e vende areia da Praia do Francês.

Embora reconheça que os objetivos da Fundação, conforme consta no estatuto da entidade, sejam apenas três – a propagação da fé cristã, facilitar o acesso dos estudantes carentes ao curso de Medicina e o apoio às obras sociais da Igreja –, Dom Muniz assumiu a responsabilidade pela atividade comercial desenvolvida pela Mandacaru. A empresa é investigada pelo Ministério Público Federal, que identificou indícios de crime ambiental na atividade desenvolvida por ela no terreno da Igreja.

Crime ambiental

No final do ano passado, o MPF ajuizou ação civil pública (ACP), com pedido de liminar, contra uma empresa mineradora e seu proprietário por extração irregular de areia no município de Marechal Deodoro. Além da mineradora, a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) também são réus por irregularidades na concessão de licenças ou na fiscalização.

O MPF quer que a ANM e o IMA suspendam imediatamente quaisquer licenças e/ou autorizações ainda vigentes (ou se abstenham de renová-las) para a empresa. A preocupação maior do MPF é com a área de proteção ambiental conhecida como “Dunas do Cavalo Russo”, mas não só, uma vez que foram reiteradas constatações de desrespeito aos limites licenciados, de supressão de vegetação de Mata Atlântica, de degradação de área de preservação permanente e até da inobservância de determinações de sentença judicial anterior, o que demonstra a necessidade de impedir a continuidade da atividade minerária na região.

A mineradora e seu proprietário, além de serem impedidos de continuarem na atividade de extração mineral na região, também devem apresentar ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no prazo de 60 dias, um Plano de Recuperação de Área Degradada (Prad), com o objetivo de restituir as funções ambientais da área onde ocorreu a exploração irregular de recursos minerais e do seu entorno, com início imediato da execução do plano, após aprovação pelo Ibama.