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Caso Braskem: Imóveis nas bordas da área de risco estão desvalorizados

Levantamento feito por professor de Arquitetura da Ufal estima em mais de 6 mil residenciais e prédios que foram desvalorizados por conta da vizinhança dos bairros que afundam em Maceió

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente com Ascom MPF/AL 06/01/2024 15h18 - Atualizado em 10/01/2024 00h59
Caso Braskem: Imóveis nas bordas da área de risco estão desvalorizados
Devido ao desastre ambiental provocado pela Braskem na região, imóveis se desvalorizaram em 50% - Foto: Edilson Omena / Arquivo

Cerca de 15 mil imóveis foram demolidos, interditados ou fechados nos bairros afetados pela mineração, em Maceió: Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e Farol. Nas bordas desses bairros, fora da área de risco delimitada pela Defesa Civil Municipal, cerca de 6 mil a 10 mil imóveis residenciais e comerciais foram impactados pelo afundamento do solo, sofrendo com isso uma desvalorização tremenda no mercado imobiliário. Essa é a conclusão que chegou um levantamento feito, semana passada, pelo arquiteto Dilson Ferreira, professor do curso de Arquitetura da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

“Fora ou dentro da área de risco, provocada pela mineração da Braskem, os imóveis dos bairros atingidos pelo afundamento do solo se desvalorizaram. Isso o mercado imobiliário sabe, mas não admite publicamente, para não dificultar ainda a situação do proprietário”, afirmou o professor. Segundo Dilson Ferreira, mais de 6 mil imóveis estariam nessa situação e seus proprietários buscam reparações, mas até agora não conseguiram nenhuma vitória e a causa se arrasta na Justiça, desde maio de 2023.

Enquanto isso, residências, pontos comerciais, prédios e apartamentos seguem desvalorizados. Ao ponto, de nem a Caixa Econômica Federal (CEF) e nem as seguradoras garantirem até agora a seguridade desses imóveis, afetados pela mineração. Com isso dificulta a comercialização por falta de financiamento público. De acordo com uma ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal de Alagoas (MPF/AL), a pedido da Defensoria Pública da União (DPU), pelo menos, os imóveis a um quilômetro de distância da zona de risco, delimitada pela Defesa Civil de Maceió, teriam direito a seguridade.

Mas os moradores quem mais. Eles querem uma indenização pela desvalorização desses imóveis, impactados indiretamente pela mineração da Braskem. Segundo a coordenadora do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), Neirevane Nunes, os moradores estão esperando um relatório que ficou para ser entregue ao MPF/AL, para saber quais os imóveis que estão dentro e fora do raio da seguridade, ou seja, aqueles que poderão ou não ser comercializados com financiamentos públicos e privados, por meio de instituições bancárias como a Caixa e o Banco do Brasil.

“Essa é uma demanda que o nosso movimento abraçou porque somos todos vítimas da Braskem. Esses imóveis foram impactados, desvalorizados e seus moradores têm direito a uma reparação, a uma indenização, nada mais justo. Até porque os prejuízos provocados pela mineração em Maceió, vão além da área de risco, da zona de exclusão, dos escombros e do rastro de destruição, atingiram também os moradores das vizinhanças, do Farol à Gruta de Lourdes; dos Flexais ao Pontal da Barra”, observou Neirevane.

Ela lembrou que um perito nomeado pela Justiça fez uma vistoria, no final de maio do ano passado, em imóveis com rachaduras no bairro do Pinheiro, mas que estão fora do mapa de desocupação das áreas afetadas pelo afundamento do solo, certamente para subsidiar a ação judicial movida pelo MPF, em parceria com a DPU, que tramita no Fórum do Tribunal da 5ª Região da Justiça Federal, no bairro da Serraria. Na ação, o MPF cobra reparação para os imóveis localizados até um quilômetro de distância da área de risco, mas a Justiça Federal ainda não decidiu a questão.

O professor Dilson Ferreira disse que conversou com moradores do entorno da zona de risco e constatou o que tinha pesquisado nos sites do mercado imobiliário e até de compra e venda de produtos variados, como o OLX. “Um estudo feito pela prefeitura de Maceió mostra tanto os imóveis incluídos no mapa da área de risco, como no mapa do enforno, só que aqueles que estão fora da área de risco, embora impactados pela mineração e desvalorizados por isso, continuam sem nenhuma perspectiva de reparação”, afirmou o arquiteto.

Para ele, questões com essa envolvendo a desvalorização dos imóveis e o isolamento de comunidades com a dos Flexais, deveriam estar sendo discutidas pelos vereadores da capital, em audiências públicas com setores da sociedade, dentro do Plano Diretor de Maceió. “Mas a prefeitura de Maceió, até agora não apresentou um projeto de urbanização, que abrangesse essa e outras área da capital. Espero que este ano, de 2024, por ser um ano eleitoral, esse plano saia do papel”, provocou Ferreira.

OUTRO LADO: Braskem diz que já indenizou 99,8% das vítimas

Segundo informações no site da Braskem, o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF) chegou ao final de 2023, com 19.096 propostas de compensação apresentadas aos moradores das áreas de desocupação e monitoramento. O número equivale a 99,8% de todas as propostas previstas.

Do total de propostas apresentadas, 18.533 já foram aceitas e 17.908 indenizações pagas. A Braskem já pagou R$ 3,87 bilhões somando indenizações e auxílios financeiros. Para os empreendedores e comerciantes, foram apresentadas 6.060 propostas, dessas 5.552 foram aceitas e 5.128 já foram pagas.

A Defesa Civil de Maceió disse que continua monitorando os prédios residenciais e comerciais, inclusive os que estão fora do mapa de risco e que para um novo imóvel ser incluído na lista de indenizações, são necessárias as comprovações inseridas nos mapas de risco e que os problemas apresentados, como rachaduras e fissuras, tenham ligações com o afundamento do solo provocado pela mineração de sal-gema, sob a responsabilidade da Braskem.

O Ministério Público Federal de Alagoas (MPF/AL), por meio da sua assessoria de comunicação, foi procurado pela Tribuna Independente, mas não quis se manifestar, sugeriu que a reportagem procurasse a Defensoria Pública da União (DPU), que seria a dona da denúncia. Em contato com Diego Alves, da DPU, ele disse que o órgão se encontra em recesso e que a Justiça ainda não decidiu o mérito da questão.

ADVOGADO CALCULA EM ATÉ 50% A DESVALORIZAÇÃO DOS IMÓVEIS IMPACTADOS

O advogado Olavo Soares, do escritório Dolf Advogados, disse que a desvalorização dos imóveis fora da área de risco, mas impactados indiretamente pela mineração da Braskem, sofreram uma desvalorização em torno de 50%.

“Uma casa que valia 200 mil, antes do afundamento do solo, agora só vale 100”, afirmou Soares, que foi pioneiro na tese do direito ao ressarcimento dos prejuízos causados pela mineração aos moradores com imóveis fora da área de risco.

“No mapa da Defesa Civil Municipal, encontramos imóveis, localizados na mesma rua, mas com tratamentos diferenciados: de um lado da rua, os imóveis estão inseridos na área de risco; e do outro lado da rua, são identificados como fora da área de risco”, exemplificou o advogado.

Advogado Olavo Bastos afirma que uma casa que valia R$ 200 mil, agora só vale R$ 100 mil (Foto: Divulgação)

Segundo ele, a negativa dos bancos e seguradoras para a cobertura de financiamento desses imóveis fora da área de risco é altamente prejudicial aos proprietários, que terão dificuldade de vender ou alugar seus imóveis por um preço justo, de acordo com o mercado imobiliário em condições normais.

Olavo Soares disse ainda que, a exemplo dos imóveis localizados na área de risco, aqueles localizados nas áreas adjacentes também foram impactados pela mineração e como tal sofreram desvalorização. Por isso, seus proprietários, em tese, também teriam direito a uma indenização pelos danos sofridos.

O advogado cita uma reportagem sobre o assunto, publicada recentemente pela revista Exame, onde o vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Alagoas (Sinduscon/AL), Alfredo Breda, confirmando a desvalorização dos imóveis fora da área de risco delimitada pela Defesa Civil de Maceió.

“Existem ruas em que de um lado da calçada está bloqueado e o outro, atravessando a rua, não está. A área de bloqueio deveria ter sido ampliada”, avaliou Breda. Para ele, na prática, o raio do afundamento do solo deveria ter sido aumentado, já que a tragédia tem se revelado maior do que se imaginava.

“Seguradoras não oferecem seguro para os imóveis no entorno da região interditada, o crédito imobiliário é negado e os negócios quase não são feitos. Não há quem queria comprar”, comentou Breda. Na opinião dele, essa situação favoreceu os bairros afastados da zona de risco e prejudicou aqueles nos arredores da zona de exclusão.

AÇÃO DO MPF TENTA REPARAÇÃO NA JUSTIÇA FEDERAL

Desde maio de 2023 que o MPF segue contestando a postura das seguradoras com relação a desvalorizações dos imóveis fora da área de risco. A Justiça Federal já reconheceu que os consumidores são mais vulneráveis na briga com empresas e confirmou a inversão do dever de provar o risco para recusar seguro residencial dos imóveis fora do mapa de risco. No entanto, o mérito da questão ainda não foi definido. Os advogados dos moradores prejudicados estão aguardando essa decisão para cobrar as indenizações.

Veja o que disse o MPF, quando se manifestou sobre o assunto da última vez: “Atendendo ao parecer do Ministério Público Federal (MPF), que atua como fiscal da lei em ação civil pública movida pela Defensoria Pública da União (DPU), a Justiça Federal em Alagoas rejeitou os embargos de declaração apresentados pelas companhias seguradoras e confirmou a inversão do dever de provar as alegações, cabendo às empresas provarem que há risco fora do mapa delimitado pela Defesa Civil Municipal”.

“Em setembro de 2021, a DPU entrou na Justiça contra a Braskem, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), a Caixa Econômica Federal (CEF) e companhias seguradoras credenciadas à CEF para a venda de seguros habitacionais em Maceió (AL) – XS3 Seguros S.A, American Life Seguros, Tokio Marine Seguradora S.A e Too Seguros S/A – por causa das reiteradas recusas das seguradoras em contratar o seguro residencial para os imóveis próximos às áreas consideradas de risco pela instabilidade do terreno gerada pela mineração”, acrescenta a assessoria do MPF em Alagoas.

Segundo o órgão ministerial, a Caixa Residencial "instituiu uma margem de segurança de 1 km, a contar da borda da área de risco definida pela Defesa Civil, para efeito de concessão de cobertura securitária". E as seguradoras credenciadas à Caixa passaram a adotar a mesma margem de segurança para negar cobertura securitária”.

O MPF informou ainda que “na recente decisão, o juízo de primeiro grau considerou que a DPU está correta ao afirmar “que os consumidores são hipossuficientes e a CEF e as companhias seguradoras detêm melhores condições técnicas e materiais para esclarecimento da causa”. Confirmando que para que sejam negadas coberturas de seguro residencial, as empresas e a Caixa terão que provar que o imóvel se localiza em área de risco”.

Pela ação, cujos argumentos são confirmados pelo MPF, as seguradoras devem apresentar, “através de documento/laudo científico, os critérios técnicos adotados para fixação da margem de segurança de 5km e 1km, a contar da borda do Mapa de Ações Prioritárias, indicando também os nomes e as especialidades dos profissionais que construíram a referida margem de segurança”.

Para o MPF, a decisão, apesar de não ser definitiva, é um indicativo de que a Justiça compreende o equívoco cometido pelas seguradoras credenciadas à Caixa, assim como a própria Caixa, ao estipularem precipitadamente “margem de segurança”, usurpando para si atribuição que é do poder público – especificamente da Defesa Civil.

Importante destacar que, caso seja reconhecida pelo Juízo Federal a legalidade na fixação da tal “margem”, a DPU requereu na mesma ação que a Braskem repare estes prejuízos sofridos pelos consumidores em indenização a ser calculada e paga individualmente.

A Ação Civil Pública em debate tem o nº 0815244-78.2021.4.05.8000.