Cidades

Racismo e o drama das vítimas deste crime em Alagoas

Natural de Guiné-Bissau, no continente africano, formada em Turismo, trancista diz ter sofrido preconceito pela sua cor

Por Valdete Calheiros – colaboradora / Tribuna Independente 15/11/2023 09h42 - Atualizado em 15/11/2023 19h23
Racismo e o drama das vítimas deste crime em Alagoas
Equitania, graduada em Turismo e trancista, foi vítima de racismo - Foto: Divulgação

O racismo é uma realidade ainda muito presente na sociedade e que engrossa as estatísticas policiais. A Delegacia Especial dos Crimes contra Vulneráveis Yalorixá Tia Marcelina, em Maceió, registrou, de agosto de 2022 a outubro de 2023, 672 boletins de ocorrência. Do total, 68 dizem respeito a questões raciais de cor, raça ou religião.

De acordo com a delegada titular Rebecca Cordeiro, destes, 19 deram origem aos respectivos inquéritos policiais, seis dos quais foram concluídos e cinco estão em fase final de conclusão (prontos para relatório).

Os crimes mais comuns contra a raça registrados na Delegacia, ainda de acordo com a delegada, são a injúria racial e o racismo (artigo 20 da Lei 7.716/1989).

Os demais boletins de ocorrência tiveram pessoas idosas como vítimas (400), crimes contra pessoas LGBT (78), perda ou extravio de documentos (77), questões raciais/étnicas (45), portadores de deficiências (37), questões religiosas (20), ND (registros de ocorrências, normalmente atípicas, de outros seguimentos, foram 5), moradores em situação de rua (4), LGBT/Religião (03) e questões raciais/religião (3).

Esses números podem ser ainda maiores, uma vez que a Delegacia atende apenas a demanda da capital Maceió. Fora os casos em que as vítimas não procuram a Delegacia especializada.

Como foi o caso de Equitania da Silva, 42 anos, natural de Bissau, capital de Guiné-Bissau. Graduada em Turismo e trancista por tradição familiar, ela afirmou que quando os africanos pensam no Brasil imaginam apenas as belezas, as praias e Copacabana, no Rio de Janeiro. No entanto, ao chegar, de verdade, ao país, têm um choque de realidade em relação ao racismo.

“Comecei do nada no mundo das tranças, entregando panfleto no ponto de ônibus, mas com muito esforço conquistei meu salão que fica no Jacintinho. Um dia, do nada, uma mulher chegou em frente ao meu salão, me viu e me chamou de macaca. Um absurdo! Na hora, absorvi bem o impacto e perguntei se ela achava que tinha me atingido com aquele xingamento, recordou a africana que está no país há 18 anos, 10 dos quais em Alagoas. Ela admitiu que, no ímpeto, a vontade era dar uma surra na mulher. No entanto, ao ver a mulher com uma criança de colo tentou se acalmar por também ser mãe.

Segundo Equitania, naquele momento, ela não ficou abalada, mas ao chegar em casa, desabou. “Desabei mesmo, chorei muito, muito, passei uma semana sem conseguir pisar no meu salão, quando finalmente voltei a trabalhar, olhei no espelho, me vi e disse para mim mesma, bem-vinda ao Brasil!”, relatou.

O jornalista Paulo Canuto também foi vítima de preconceito. “Nem toda agressão contra a raça acontece de forma direta, às vezes, se apresenta de forma tão velada, que a gente acaba nem percebendo”, afirmou ele.