Cidades

População autodeclarada branca cresce em AL

No Brasil, comportamento foi inverso: autodeclarados pretos aumentaram na última década, segundo o IBGE

Por Valdete Calheiros- colaboradora com Tribuna Independente 22/07/2023 09h52 - Atualizado em 22/07/2023 20h07
População autodeclarada branca cresce em AL
Entre 2012 e 2022, o percentual dos que se dizem brancos passou de 7,4% para 10,6% - Foto: Edilson Omena

A população que se autodeclara branca aumentou em Alagoas na última década. As estatísticas vão na contramão do país, cuja população que se autodeclara preta aumentou no mesmo período. Entre 2012 e 2022, o percentual passou de 7,4% para 10,6%. Em 2012, do total de 3.224 pessoas ouvidas no estado, 761 se apresentaram como brancas, 142 como pretas e 2.312 declararam-se pardas. No ano passado, dos 3.371 entrevistados, 885 afirmaram serem brancos.

Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua que levanta dados sobre as características gerais dos domicílios e dos moradores. Os números foram divulgados este mês. Entre as regiões brasileiras, o Nordeste apresentou o maior aumento na parcela da população que se autodeclara preta. Há 10 anos eram 8,7% agora está em 13,4%. Assim como o que aconteceu em Alagoas, nos estados de Pernambuco e Amapá o número de pessoas que se autodeclaram branca também aumentou.

O locutor Jorge Epifânio de Jesus, 60 anos, bateu no peito com um sorriso no rosto ao se declarar preto. “Sou preto. Gosto de ser preto, tenho orgulho de ser preto. Tenho pena de quem esconde suas raízes, sua história”, afirmou.

A vendedora Alessandra Santos, 21 anos, se autodeclara preta e também “empoderada” depois de ter passado por alguns episódios de racismo. “Hoje tenho orgulho da minha história, da minha cor e sei defendê-la em qualquer situação que queiram nos humilhar”, contou. Racismo Ela lembrou que em um emprego anterior, ao atender uma pessoa de cor branca, foi rechaçada pelo cliente que pediu para ser atendido por uma pessoa branca.

“Na época me retirei. Só tive forças para chamar minha gerente. Se a situação se repetisse hoje eu teria conhecimento suficiente para mostrar que não existe raça ou cor superior. Somos todos iguais, cor da pele não define educação nem caráter”, contou.

A gerente Ariana Tenório, 41 anos, se declara branca e acredita que as pessoas não podem ter vergonha de declarar a real cor da sua pele. “Acho que, às vezes, algumas pessoas negras têm vergonha de dizer que são negras. Existe um pouco de preconceito nelas mesmas”, avaliou.

A jornalista e afroempreendedora Luíla de Paula explicou que o fato de a população autodeclarada branca ter aumentado em Alagoas e a população que se apresenta como preta ter aumentado no Brasil são dois fatores que convergem, mas precisam ser analisados separadamente.

“Muitas pessoas brancas vindo para Alagoas como os imigrantes, saídos do Sul e Sudeste para o Nordeste. Quanto à população brasileira que se autodeclara negra (pretos e pardos) aumentou em função do reconhecimento de pertencimento étnico racial em virtude também da atuação dos movimentos negros. Esse número cresce muito em relação a identificação de pardos, que somados aos pretos pode-se observar a crescente”, afirmou.

Luíla de Paula não descarta também a influência do governo anterior. “Tivemos muitas pessoas negras (pretas e pardas) apoiando o ex-presidente e, sobretudo, que não se reconhecem como pessoas negras. Cabe ressaltar que se trata de autodeclaração e muitas pessoas vão tender para o lado que convém”, frisou, destacando também o peso do racismo estrutural que nunca deixou de existir diante da política do embranquecimento que ainda perdura.

“Falta consciência racial e pertencimento”


Fora esses fatores, a afroempreendedora Luíla de Paula lembrou ainda o fato de que existem muitas pessoas que não tem ideologia, pertencimento, militância, consciência racial e caem na falácia de não se reconhecer negro por conveniência.

Luíla de Paula que é ativista social e membro da Cojira-AL (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial) encontra também explicação no fator raça/classe que estão associados. “Pessoas brancas com melhor poder aquisitivo, investindo e morando no Nordeste. É tanto que o ex-presidente ganhou a eleição em Maceió”, recordou.

O coordenador presidente do Instituto do Negro de Alagoas (INEG/AL), Jeferson Santos, considera essa situação um fracasso da devida aplicação do que preconizam as Leis 10.639/03 e 11.645/08 nas escolas. Tais leis fazem menção à necessidade dos currículos escolares incorporarem de forma crítica os conteúdos referentes à história da população afro-brasileira e indígena, o que não têm sido feito, com algumas poucas exceções isoladas. As consequências de tal quadro podem ser observadas, por exemplo, segundo ele, quando vemos gestores públicos incorrendo em violação da lei de cotas nos concursos públicos, interpretando a mesma conforme seu bel prazer.

“O fato de o Brasil já possuir algumas políticas públicas para a população negra, não faz da questão racial uma questão resolvida. Muito pelo contrário! O Instituto do Negro de Alagoas (INEG/ AL) vem atuando de forma ininterrupta para o devido cumprimento da legislação que promove nossa população, devido ao racismo institucional que ainda reina em Alagoas”, destacou Jeferson Santos.

O coordenador presidente do INEG/AL explicou que a atual situação não representa um “crescendo” na melhoria da qualidade de vida de nosso povo. “Estamos sim, diante se um quadro bastante complexo, constituído por idas e vindas, avanços e retrocessos e que apenas a atuação e vigilância da população negra organizada pode fazer frente a isso. Em outra vertente, certamente que o aumento de pessoas se autodeclarando brancas em Alagoas (principalmente em Maceió) está relacionado com o conservadorismo difundido pela última gestão federal, a qual, na capital, teve bastante aceitação, o que ficou evidente no fato da capital alagoana ter votado, em sua maioria, no candidato derrotado nas últimas eleições”, considerou Jeferson Santos.

Ex-presidente agravou conflitos com povo preto


Para o sociólogo Carlos Martins, ser negro no Brasil é historicamente ser alguém sem legitimidade, alguém que padece de representar os elementos fenotípicos de rejeição. Elementos negativos recaem sobre essa população, de forma que a autoestima despenca. “E não há o que fazer! Quem nasce negro vai morrer negro, vai ter que passar a sua vida convivendo com a sua condição de pessoa negra”, afirmou. Segundo Carlos Martins, apenas a partir das políticas públicas de inclusão, de geração de emprego, de inserção nas universidades é que a autopercepção da pessoa negra mudou um pouco.

“A chance de uma vida acadêmica ou emprego estarem associados à cor da pele, ao pertencimento étnico negro representa um elemento importante de elevação da autoestima. Do mesmo jeito que a formação acadêmica tem seu valor para a sociedade, logo surge também o emprego e conseguir esse emprego com o auxílio de políticas de ações afirmativas também em concurso público, algo extremante valorizado pelo brasileiro que é ter estabilidade financeira pode ter contribuído fortemente para a construção de uma mudança de autopercepção da população negra”, avaliou o sociólogo.

Ainda conforme as explicações de Carlos Martins, a população que se declara parda não se assume negra, mas também não se considera branca. Os que se autodeclaram pardos é como se negassem a sua “pretitude”, mas também não se percebe como branca de pertencimento étnico. O cientista social Adalberon Sá Júnior enalteceu a luta dos povos pretos para se manter firme diante de todos os desmontes e ataques dos governos nos últimos anos.

“Alagoas é ainda um estado de grande concentração de renda, inclusive, isso se refletiu no comportamento eleitoral do último pleito presidencial onde o candidato à presidência que considerava a luta racial um mimimi e descartava toda e qualquer pauta de gênero e de raça foi o mais votado em Maceió, única capital do Nordeste, aliás, que deu mais votos a ele”, salientou.

Na avaliação de Adalberon Sá Júnior, existe ainda a necessidade de políticas de autoafirmação. “As pessoas para se sentirem aceitas não se autodeclararam pretas. Para serem aceitas preferiram se apresentar como brancas mesmo sem, necessariamente, serem. Já que estamos falando em autodeclaração a pessoa se coloca como quer”.

Adalberon de Sá Júnior levantou ainda outra questão. A aceitação precisa partir primeiro da própria pessoa. Se uma pessoa não se aceita na raça preta dificilmente irá declarar-se assim em uma entrevista, uma apresentação ou para a sociedade como um todo. O sociólogo Allan Carlos da Silva, professor do Ifal (Instituto Federal de Alagoas), campus Maceió, acredita que o racismo adquire uma invisibilidade ainda maior em Alagoas. Motivos não faltam.