Cidades

“Máfia da Areia” desinterdita áreas de extração no Francês

Ministério Público Federal em Alagoas prometeu tomar providências para evitar continuidade do crime ambiental na região

Por Ricardo Rodrigues - colaborador com Tribuna Independente 10/06/2023 09h14 - Atualizado em 11/06/2023 09h45
“Máfia da Areia” desinterdita áreas de extração no Francês
Extração de areia na região da praia do Francês acontece em região considerada área de proteção permanente - Foto: Edilson Omena

O Ministério Público Federal de Alagoas (MPF/AL) confirmou que algumas empresas de extração de areia, que estavam proibidas de explorar o mineral na região da Praia do Francês, conseguiram a “desinterdição das lavras”. Ou seja, vão poder continuar extraindo areia de praia nas proximidades das Dunas do Cavalo Russo, que é considerada área proteção permanente (APP) e fica entre os municípios de Marechal Deodoro e a Barra da São Miguel, no litoral Sul de Alagoas.

A desinterdição foi autorizada pela Gerência Regional da Agência Nacional de Mineração em Alagoas (ANM/AL), assinada pelo gerente Fernando José da Gosta Brito e publicada no Diário Oficial da União no último dia 15 de maio. De acordo com o despacho assinado por Fernando Bispo, a ANM em Alagoas desinterditou sete lavras que estavam interditadas judicialmente, pelo Ministério Público Federal, a pedido do Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional (Iphan), por meio da sua superintendência em Alagoas.

Das sete lavras desinterditadas pela ANM/AL, três são administradas pela Mandacarú Extração de Areia e quatro pela empresa do empresário Sérgio Accioly Chueke, cuja família é dona do Sítio Accioly.

Igreja Católica


A Mandacarú tem contrato com a Igreja Católica para explorar areia do Sítio Bom Retiro, que pertencia ao médico Melo Mota e foi doado à Igreja Católica, que administra o imóvel, por meio de uma fundação cuja sede fica na residência oficial do arcebispo de Maceió, na Rua Ângelo Neto, no bairro do Farol.

O cônego Walfran confirmou que a fundação, da qual é diretor financeiro, tem contrato com a Mandacarú há mais de oito anos, para a extração e comercialização de areia, mas não revelou que a Cúria Metropolitana fratura por mês com o negócio. “Essa informação só posso fornecer com a autorização da curadoria da Fundação, mas não a tenho agora”, afirmou Walfran, confirmando que a entidade é presidida por Dom Antônio Muniz e funciona no mesmo imóvel onde o arcebispo reside e que também pertencia ao médico Melo Mota.

“Quando o médico Melo Mota doou o terreno do Francês à Igreja Católica, na escritura estava escrito que a área era para ser utilizada em benefício da saúde do povo alagoano e não para ser explorada desse jeito, com a retirada e a venda de areia”, observou um dos denunciantes do possível crime ambiental. Segundo ele, o Sítio Accioly também era da Igreja, mas uma irmã do Melo Mota conseguiu desmembrá-lo do Sitio Bom Retiro e que hoje pertence à família de Sérgio Chueke, com a anuência de Renato Accioly.

NOTA DO IMA


Os dois sítios são vizinhos e ficam de frente para a AL-101/Sul, logo depois do trevo do Francês. A extração da areia neles tem autorização do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) e da Agência Nacional de Mineração (ANM). De acordo com os registros da ANM, o empresário Sérgio Chueke vem explorando a área, para a venda e a industrialização da areia, há 15 anos. A Igreja Católica, por meio da Mandacarú, retira e vende areia do terreno doado por Melo Mota a cerca de dez anos.

A pedido do Iphan, retirada estava suspensa


A pedido do Iphan, tanto a Mandacarú como a empresa do Sérgio Chueke estavam sem poder extrair areia dos sítios Bom Retiro e Accioly, desde o começo deste ano, quando a reportagem da Tribuna Independente denunciou o crime ambiental. A decisão da ANM foi publicada no Diário Oficial da União, mas a gerência da Agência em Alagoas não explicou o porquê, ou com base em quê. Simplesmente, atendeu ao pedido das empresas e concedeu a “desinterdição das lavras”, liberando a exploração das jazidas de areia da região.

“O IMA após a recomendação do MPF fez uma avaliação dos processos de licenciamento de extração de areia em marechal Deodoro, havia pendências em cumprimento em Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e em atendimento de condicionantes. Houve suspensão de licenças, após o atendimento dessas pendências e o desembargo por parte da ANM, em algumas licenças foram retiradas as suspensões. O IMA só autoriza após a regularidade por parte da ANM”, explicou Yvens Leão, diretor executivo do Instituto.

O presidente do IMA Gustavo Lopes, disse a “ANM é um órgão federal que não se submete ao IMA”. Segundo ele, se houve a desinterdição das lavras, o desembargo é da Agência Nacional de Mineração. “E o IMA já havia dito que, com a ANM liberando de novo a extração de areia, não havia o que fazer”, explicou Lopes, acrescentando que não acredita em prevaricação na concessão de licenças ambientais. “Não deve ter fundamento, pois são dos órgãos extremamente técnicos e os atos dos mesmos também”.

MPF não aprova


No entanto, o Ministério Público Federal de Alagoas (MPF/AL) não gostou do desbloqueio das áreas exploradas pela Máfia da Areia e ficou de tomar as providências cabíveis para evitar a continuidade do possível crime ambiental. O MPF decidiu agir e priorizou a denúncia. Quatro procuradoras da República estão à frente das investigações do caso. As denúncias feitas por moradores de Marechal Deodoro, com provas cabais da extração de areia, na área das Dunas do Cavalo Russo, mesmo depois da proibição judicial.

“O MPF confirma que recebeu no dia 30 de maio, por meio da Agência Nacional de Mineração (ANM), a informação sobre a desinterdição das áreas embargadas. Diante dessa atualização, o MPF disse que adotou as medidas cabíveis para reverter a situação. Entre as medidas tomadas pelo MPF de Alagoas estão os ofícios expedidos à Braskem, ao Iphan, ao Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) e à Agência Nacional de Mineração (ANM), solicitando explicações sobre a “desinterdição de lavras”.

Ministério Público Federal pede explicações à Agência de Mineração


À Braskem, o MPF pediu mais uma vez para que não adquira areia de praia proveniente das mineradoras envolvidas com a Máfia da Areia – como é chamado o grupo de empresas de extração de areia da Praia do Francês. Por meio de nota, a Braskem disse que desde o início do ano não compra mais área da Praia do Francês. Mas assumiu que continua adquirindo areia, para o tamponamento das minas de sal-gema, mas de jazidas autorizadas e licenciadas pelos órgãos ambientais competentes.

O MPF solicitou à superintendência do Iphan em Alagoas informações sobre os desdobramentos dos embargos à extração de areia na região das Dunas do Cavalo Russo e sobre as notificações aos empresários envolvidos. Notificou também o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) e à Agência Nacional de Mineração (ANM), requisitando informações sobre os planos de fiscalização da extração de areia nas áreas que foram desinterditadas.

“Uma vez que foi constatada a extração irregular na área que conecta as regiões licenciadas, e o MPF busca conhecer as medidas que serão adotadas pelos órgãos competentes para garantir que essa região não volte a ser explorada indevidamente”.

De acordo com os denunciantes, apesar de proibida, a extração de areia estaria ocorrendo, na baixa e à luz do dia, por falta de fiscalização. Eles também denunciaram que parte da areia é usada na fabricação de blocos e pisos, vendidos às construtoras e depósitos de materiais de construção.

As denúncias foram encaminhadas ao MPF, com imagens e fotos georreferenciadas, produzidas na manhã do dia 18 de maio de 2023. Ou seja, são imagens da extração de areia em áreas embargadas, com localização, dia e hora, para provar que foram produzidas naquele dia, naquele horário e naquele local.

O MPF confirmou o recebimento, ficou de analisar a veracidade dos fatos, para notificar os órgãos fiscalizadores. Nesse meio tempo, as empresas conseguiram junto a ANM a desinterdição das lavras.

A assessoria de comunicação do Ministério Público Federal (MPF) esclarece que a investigação em curso relacionada à extração de areia na região de Marechal Deodoro segue em andamento, mas neste momento, a divulgação de detalhes específicos pode comprometer o cumprimento das diligências. “Portanto, solicitamos a compreensão e colaboração da imprensa para evitar divulgações precipitadas que possam prejudicar o desenvolvimento das investigações.

É importante ressaltar que o MPF recebeu no dia 30 de maio, por meio da Agência Nacional de Mineração (ANM), a informação sobre a desinterdição das áreas embargadas. Diante dessa atualização, o MPF adotou as medidas cabíveis”, diz a nota do MPF.