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“Termelétrica é um péssimo negócio”

Implantação de duas usinas elétricas movidas a gás no município de Pilar é vista com preocupação por especialistas

Por Lucas Maia - colaborador com Tribuna Independente 01/04/2023 08h43
“Termelétrica é um péssimo negócio”
Enquanto o mundo investe em energia renovável, Alagoas libera licença para construção de parque termelétrico vizinho à indústria de produção de gás no Pilar - Foto: Edilson Omena

Com sete concessões para a exploração de petróleo e gás somente em Alagoas, a empresa Origem Energia, que já processa e fornece 760 mil metros cúbicos (m³) de gás natural por dia para a Algás e Bahiagás, pretende entrar no mercado de energia elétrica a partir da construção de um parque termelétrico, onde duas unidades seriam construídas na cidade de Pilar.

De acordo com a empresa, a UTE de Pilar e a UTE de Pilar Nova deverão ter, juntas, capacidade para gerar até 280MW de energia. O licenciamento ambiental para as obras foi fornecido pelo Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) no último dia 15. A partir de agora, a empresa já poderia construir as usinas, mas não teria a quem vender a energia produzida. A empresa irá participar e espera vencer o leilão de reserva de capacidade de energia, do Governo Federal, que está previsto para novembro. Só então ela dará início às obras de construção das unidades para fornecer eletricidade ao Sistema Elétrico Nacional.

PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL

Apesar do potencial econômico benéfico para o estado, a produção de energia a partir de termelétricas é controversa e ambientalistas alertam para o possível aumento da poluição do ar, especialmente devido à emissão de dióxido de carbono (CO2) e óxidos de nitrogênio (NOx) gerados pela queima do gás natural.

Segundo especialistas, a construção de usinas de geração de energia a partir de fontes renováveis seria mais barata, eficiente e ambientalmente correta do que a implantação de termelétricas movidas a combustíveis fósseis.

Para Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), é uma péssima ideia construir uma usina termelétrica a gás enquanto o mundo inteiro está investindo em energia solar e energia eólica.

Artaxo faz parte do IPCC, uma organização da ONU que há duas décadas produz relatórios sobre as consequências do aquecimento global e das mudanças climáticas em todo o planeta, mas além dos problemas ambientais da produção de energia a partir de combustível fóssil, o cientista alerta para os problemas econômicos que podem surgir da geração de eletricidade usando gás.
Para o professor, os estados do Nordeste possuem vocação natural para a geração de energia renovável, já que contam com boa incidência solar e ventos constantes. “Em particular aí em Alagoas seria muito mais barato e econômico construir usinas solares e usinas eólicas do que construir uma geração de eletricidade usando gás. O preço da energia eólica e solar é muito menor do que queimar combustível fóssil”, afirma.

“Uma usina dessa é projetada para durar 20 ou 30 anos. Desta maneira, esta geração amarra todo o futuro da redução de emissão de gás de efeito estufa de Alagoas em tecnologias que vão ser extintas, então é um péssimo negócio”, conclui.

A pedido desta reportagem, o engenheiro de energia Rafael Henrique analisou os possíveis impactos das termelétricas ao ecossistema aquático, já que o local previsto para a instalação da planta fica às margens da Lagoa Manguaba.

De acordo com o engenheiro, a princípio as usinas não irão utilizar vapor de água para geração de energia, e sim turbinas a gás, que utilizam água apenas para resfriamento em circuito fechado. Apesar disso, ele alerta para estudos mostrando que a acidez do gás natural deve ser levada em consideração, pois possíveis escapes do combustível poderiam gerar chuva ácida.

Rafael se posiciona contrário à construção de novas plantas de geração de energia a partir de combustíveis não renováveis, visto o impacto destas formas de produção energética para o aquecimento global. “Apesar do relatório não apresentar nenhuma questão ambiental grave, eu sou contra justamente por se tratar de energia fóssil. É preciso reduzir as emissões e tomar medidas mais radicais. É claro que existe o dilema do emprego, mas acredito que essa questão poderia ser resolvida com a construção de unidades geradoras de energia de fontes limpas e renováveis”, opina.

“Governo deveria investir em fontes renováveis”, avalia professora

Já a professora Karina Salomon, do Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas (CTEC/Ufal), as centrais termelétricas são importantes para a diversificação da matriz energética nacional, mas diz que o governo deveria incentivar mais a produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis.

Conforme a especialista, que também analisou o estudo de impacto ambiental das usinas, as turbinas utilizadas nestas plantas são projetadas para baixa emissão de gases poluentes, mas ainda assim elas geram CO2 e NOx, e embora o NOx conte com legislação para limitação de emissões e exista tecnologia de redução, o mesmo não acontece com o CO2. Segundo ela, a qualidade do ar deveria ser monitorada pelo poder público, o que atualmente não acontece em Alagoas.

“Cabe ao estado e aos órgãos ambientais criar uma rede de monitoramento da qualidade do ar, para que a gente consiga acompanhar as emissões nos diferentes setores aqui no estado”, conclui.

O OUTRO LADO

A empresa Origem Energia disse, em nota, que o projeto não oferece risco hídrico ou ambiental à região e que o terreno que abrigará as usinas é desprovido de cobertura vegetal e antes foi ocupado por lavouras de cana de açúcar.

Ainda de acordo com a nota, a produção de energia a partir do gás natural poderá contribuir para o aumento da geração de energia baseada em fontes de energia renováveis. Segundo a empresa, para cada MW de energia produzida pelas termelétricas, 6 MW de fontes limpas podem ser injetados no sistema elétrico. “As energias renováveis estão expostas à intermitência climática - não chove a todo momento, não venta a toda hora e o sol é apenas durante o dia. Portanto, sempre será necessário haver segurança no fornecimento para que não haja elevações abruptas de preço ou mesmo interrupção no fornecimento.

O gás natural, combustível que independentemente das condições climáticas, é produzido, portanto tem papel importante para assegurar a estabilidade para o sistema nacional, permitindo ampliar a participação das renováveis. Além disso, é mais limpo que o carvão, o diesel ou lenha”, afirma.